Suma Teológica

Summa Theologiae Quaestiones

Questões

Quaestiones
prima pars Q.73 →

Das coisas pertencentes ao sétimo dia.

Em seguida, devemos considerar as coisas pertencentes ao sétimo dia. E, sobre este assunto, três artigos se discutem:

Art. 1 — Se o sétimo dia deve ser considerado como o do acabamento das obras divinas.

O primeiro discute–se assim. – Parece que o sétimo dia não deve ser considerado como o do acabamento das obras divinas.

1. – Pois, tudo o que neste século se realizou se inclui nas obras divinas. Ora, além de ser a consumação dos séculos, no fim do mundo, como diz a Escritura, o tempo da encarnação de Cristo também é tempo de um certo acabamento; pois, diz a mesma: tempo da plenitude; e o próprio Cristo, moribundo, disse: Tudo está consumado. Logo, o acabamento das obras divinas não foi próprio do sétimo dia.

2. Demais. – Quem completa a sua obra faz alguma cousa. Ora, não se lê que Deus tivesse feito alguma cousa no sétimo dia; mas, antes, que descansou de todas as obras. Logo, o acabamento das obras não é próprio do sétimo dia.

3. Demais. – Sendo perfeito o que não carece de nada do que deve ter não se pode considerar completo aquilo a que muitas coisas, não supérfluas, se acrescentam. Ora, depois do sétimo dia, foram feitas muitas coisas e produzidos muitos indivíduos; e mesmo certas espécies novas, que frequentemente aparecem, sobretudo, de animais gerados da putrefacção. E também Deus cria quotidianamente novas almas e foi nova a obra da encarnação, da qual diz a Escritura: O Senhor criou uma causa nova sobre a terra. Novas são as obras milagrosas, das quais diz a mesma Escritura: Renova os teus prodígios e faze novas maravilhas. Muitas causas por fim são inovadas na glorificação dos santos, conforme o passo: E o que estaca sentado no trono disse: Eis que eu renovo todas as causas. Logo, o acabamento das obras divinas não deve ser atribuído ao sétimo dia. Mas, em contrário, diz a Escritura: E Deus acabou no sétimo dia a obra que tinha feito.

SOLUÇÃO. – Dupla é a perfeição de uma cousa: a primeira e a segunda. A primeira torna perfeitas as coisas, na sua substância; e essa perfeição é a forma do todo, resultante da integridade das partes. Porém a perfeição segunda é fim. E este ou é operação; é assim que o fim do citarista é tocar cítara; ou é algo a que se chega pela operação; assim, o fim do edificador é a casa que edifica. Ora, como a forma é o princípio da operação, a perfeição primeira é a causa da segunda. A perfeição última, porém, fim de todo o universo, é a perfeita beatitude dos santos, que existirá na consumação última do século. Ora, a perfeição atribuída ao sétimo dia, e que foi a da primeira instituição das coisas, é a primeira, consistente na integridade do universo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como se disse, a perfeição primeira é a causa da segunda. Ora, a consecução da beatitude requer duas condições: a natureza e a graça; sendo que a perfeição mesma da beatitude será no fim do mundo, como se disse. Mas esta consumação preexistiu causalmente: quanto à natureza, na primeira instituição das coisas; quanto à graça, na encarnação de Cristo, pois, a graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo, como diz a Escritura. Assim que, no sétimo dia, foi a consumação da natureza; na encarnação de Cristo, a da graça; no fim do mundo, a da glória.

RESPOSTA À SEGUNDA. – No sétimo dia Deus fez alguma cousa. Não, criando novas criaturas, mas governando–as e movendo–as às suas operações próprias; o que, de algum modo, já pertence a uma certa incoação da perfeição segunda. Por onde, consumação das obras, segundo a nossa tradução, é atribuída ao sétimo dia. Mas, segundo outra tradução, é atribuída ao sexto. E ambas estas traduções se podem admitir, sendo, no sexto dia, a consumação quanto à integridade das partes do universo; e no sétimo, quanto à operação das partes. – Ou se pode dizer, que, no movimento contínuo, enquanto uma cousa ainda puder mover–se, não se pode considerar o movimento como perfeito, antes do repouso; pois, este é que indica a consumação do movimento. Ora Deus, podendo fazer mais criaturas, além das que fez, nos seis dias, o fato mesmo de ter cessado, no sétimo, de criar novas, se considera como a consumação das suas obras.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Nada do que, a seguir, foi feito por Deus é de maneira totalmente nova, que não tenha preexistido, de algum modo, nas obras dos seis dias. Assim, certas coisas preexistiram materialmente, como a formação da mulher da costela de Adão. Outras, porém, preexistiram, nas obras dos seis dias, não só material, mas também causalmente; assim, os indivíduos agora gerados preexistiram, nos primeiros indivíduos das suas espécies. Porém, se aparecerem algumas espécies novas, essas preexistiram em certas virtudes ativas; assim, os animais gerados da putrefação são produzidos pelas virtudes das estrelas e dos elementos, virtudes que desde o princípio eles receberam, mesmo se forem produzidas novas espécies de tais animais. Também certos animais de nova espécie nascem, por vezes, da união de animais especificamente diversos; assim, do asno e da égua é gerado o mulo. E esses animais também preexistiram, nas obras dos seis dias. Outros, porém, preexistiram pela semelhança; assim, as almas, que são criadas; e, semelhantemente, a obra da encarnação, pois, corno diz a Escritura, o Filho de Deus foi feito por semelhança com os homens. E também a glória espiritual preexistiu, por semelhança, nos anjos; e a corporal, no céu, sobretudo no empíreo. Por onde diz a Escritura: Não há nada novo debaixo do sol... porque ela já existiu nos séculos que passaram antes de nós.

Art. 2 — Se Deus descansou de todas as suas obras no sétimo dia.

O segundo discute–se assim. – Parece que Deus não descansou de todas as suas obras, no sétimo dia.

1. – Pois, diz a Escritura: Meu Pai até agora não cessa de obrar, e eu obro também incessantemente. Logo, não descansou de todas as suas obras, no sétimo dia.

2. Demais. – O repouso se opõe ao movimento ou ao trabalho, que às vezes é causado do movimento. Ora, Deus produziu as suas obras, imóvel e sem trabalho. Logo, não se pode dizer que tivesse descansado delas no sétimo dia.

3. Se se disser que Deus descansou no sétimo dia, porque mandou ao homem descansar, responde–se o seguinte: o descanso contrapõe–se à operação. Ora o dito: Deus criou, ou fez isto ou aquilo não se interpreta como significando que Deus mandou criar ou fazer. Logo, também não é interpretação satisfatória dizer, que Deus descansou porque mandou o homem descansar. Mas, em contrário, diz a Escritura: Descansou no sétimo dia de toda a obra que tinha jeito.

SOLUÇÃO. – O repouso se opõe propriamente, ao movimento e, por consequente, ao trabalho, resultante do movimento. Mas, embora este, em acepção própria, seja próprio aos corpos, todavia aplica–se também às coisas espirituais, de duplo modo. Primeiro, enquanto que toda operação é chamada movimento; assim, mesmo a bondade divina, de certo modo, se move e dirige para as coisas, porque a elas se comunica, como diz Dionísio. Segundo, o desejo tendente a um objeto se chama de certo modo movimento. Por onde, também o repouso pode ser tomado em dupla acepção; como cessação das obras ou como satisfação do desejo. – Ora, de ambos os modos se diz que Deus descansou no sétimo dia. Do primeiro, por ter cessado, nesse dia, de criar novas criaturas; pois, nada fez a seguir que não estivesse incluído, de algum modo, nas primeiras obras, como se disse. Do segundo, porque Deus tendo a sua beatitude no gozo de si mesmo não precisava das coisas que criou. Por isso não se diz que, feitas as obras, nelas repousou, como se delas precisasse, para a sua beatitude; mas, sim que repousou delas, isto é, em si mesmo, pois a si se basta e satisfaz o seu desejo. E embora repousasse em si mesmo abeterno, contudo, o tê–lo feito, depois das obras, é o próprio do sétimo dia; e é isso a que Agostinho chama repousar das obras.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Deus até agora não cessa de obrar, conservando e administrando as criaturas criadas, e não criando novas.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O repouso não se opõe ao trabalho ou ao movimento; mas à produção de novas coisas e ao desejo tendente a algum objeto, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como Deus só em si mesmo repousa e tem no gozo de si a sua beatitude, assim também nós nos tomamos felizes unicamente pela fruição de Deus. E por isso, faz–nos repousar nele, das suas e das nossas obras. Por onde, embora seja exposição aceitável dizer que Deus repousou, porque nos manda repousar, todavia não é a única, sendo mesmo, a outra, principal e primeira.

Art. 3 — Se a benção e a santificação são próprias do sétimo dia.

O terceiro discute–se assim. – Parece que a bênção e a santificação não são próprias do sétimo dia.

1. – Pois, costuma–se considerar abençoado e santo qualquer tempo em que aconteça algum bem, ou em que se evite algum mal. Ora, para Deus nada acresce ou deperece; quer opere, quer cesse de operar. Logo, não é próprio ao sétimo dia especial bênção e santificação.

2. Demais. – Bênção vem de bondade. Ora, o bem é difusivo e comunicativo de si, segundo Dionísio. Logo, mais deviam ser abençoados os dias em que produziu as criaturas, do que quando cessou de produzi–las.

3. Demais. – Cada um dos dias em que foram criadas as novas criaturas é comemorado por uma bênção, pois, de cada um deles se diz : E Deus viu que era bom. Logo, não era necessário que, após a produção de todas as criaturas, fosse abençoado o sétimo dia. Mas, em contrário, diz a Escritura: Abençoou o dia sétimo, e o santificou, porque nele tinha cerrado de toda a sua obra.

SOLUÇÃO. – Como se disse antes, o repouso de Deus, no sétimo dia, se compreende em dupla acepção. Pela primeira, significa que cessou Deus de fazer novas obras, conservando e governando, apenas as criaturas já criadas. Pela segunda, repousou em si mesmo, depois das obras. Assim, pela primeira, a benção é própria do sétimo dia; pois, como antes se disse, ela supõe a multiplicação. Por onde, foi dito às criaturas abençoadas: Crescei e multiplicai–vos. Ora, a multiplicação das coisas se faz pela atividade das criaturas; em virtude da qual se geram os semelhantes dos semelhantes. – Pela segunda, é própria ao sétimo dia a santificação. E a santificação máxima de um ser, consistindo no repousar em Deus, chamam–se santas as coisas consagradas a Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A santificação do sétimo dia não está em poder alguma cousa crescer ou decrescer, para Deus; mas em que, para as criaturas, alguma cousa acresce, pela multiplicação e pelo repouso, em Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nos primeiros seis dias foram produzidas as coisas, nas suas primeiras causas; mas depois, por essas primeiras causas, as coisas se multiplicam e conservam; o que também pertence à bondade divina, cuja perfeição se ostenta, sobretudo, em que, só nela, Deus repousa; bem como nós, gozando–a.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O bem comemorado em cada um dos seis dias pertence à instituição primeira da natureza; porém, a bênção pertence ao sétimo dia, para a propagação da natureza.