Suma Teológica

Summa Theologiae Quaestiones

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Quaestiones
prima pars secundae Q.56 →

Do sujeito da virtude.

Em seguida devemos tratar do sujeito da virtude. E sobre esta questão seis artigos se discutem:

Art. 1 — Se a virtude existe na potência da alma como sujeito.

(III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 4, qª 1; De Virtut., q. 1 a. 3). O primeiro discute-se assim. — Parece que a virtude não existe na potência da alma como sujeito.

1. — Pois, diz Agostinho, que a virtude é que nos leva a viver retamente. Ora, nós não vivemos pela potência da alma, mas pela sua essência. Logo, a virtude tem sua sede nesta e não naquela.

2. Demais. — O Filósofo diz: a virtude torna bom tanto quem a possui, como as suas obras. Ora, como a obra é realizada pela potência, assim o virtuoso o é pela essência da alma. Logo, a virtude não reside antes na potência que na essência da alma.

3. Demais. — A potência pertence à segunda espécie de qualidade. Ora, a virtude é uma qualidade, como já se disse. E como não pode haver qualidade de qualidade, a virtude não pode existir na potência da alma, como sujeito. Mas, em contrário. — A virtude é o que, na potência, é último, como se disse. Ora, o que em alguma coisa é último nessa existe. Logo, a virtude existe na potência da alma.

SOLUÇÃO. — Por três razões pode-se tornar manifesto que a virtude pertence à potência da alma. A primeira se funda na essência mesma da virtude, que implica a perfeição da potência; ora, a perfeição existe naquilo a que pertence. A segunda, naquilo mesmo que constitui um hábito operativo, como já dissemos. Ora, toda operação procede da alma mediante alguma potência. A terceira, na disposição para o que é ótimo; ora, este é o fim que é, ou uma operação do ser, ou algo consecutivo à operação procedente da potência. Por onde, a virtude humana existe na potência da alma como sujeito.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O termo — viver pode ser tomado em duplo sentido. Às vezes significa o ser mesmo que vive, e assim, pertence à essência da alma, que é, para o vivente, o princípio do existir. Outras vezes viver significa a operação do ser vivo, e assim vivemos retamente pela virtude, enquanto que por ela obramos retamente.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O bem ou é o fim ou é considerado como ordenado para o fim. Logo, como o bem do operador consiste na operação, esse mesmo efeito da virtude, que é tornar bom o operador, é relativo à operação, e por conseqüente à potência.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Quando se diz que um acidente existe em outro como num sujeito isto não significa que um, por si mesmo, pode sustentar outro, mas que um existe na substância mediante outro; assim, a cor existe no corpo mediante a superfície, e por isso dizemos que esta é o sujeito da cor. E desse mesmo modo, dizemos que a potência da alma é sujeito da virtude.

Art. 2 — Se uma virtude pode existir em duas potências.

(Infra. Q. 60, ª 5: IV Sent., dist. XIV. Q. 1. a 3. qª 1: De Verit., q.14. ª 4. ad 7) O segundo discute-se assim. — Parece que uma virtude pode existir em duas potências.

1. — Pois, os hábitos conhecem-se pelos atos. Ora, um mesmo ato procede diversamente de diversas potências; assim, o ato de andar procede da razão como dirigente, da vontade como motora, e da potência motiva como exeqüente. Logo, também o mesmo hábito da virtude pode existir em várias potências.

2. Demais. — O Filósofo diz, que três elementos são exigidos pela virtude, que são: saber, querer e operar imovelmente. Ora, saber é próprio do intelecto e querer, da vontade. Logo, a virtude pode existir em várias potências.

3. Demais. — A prudência existe na razão, pois é a razão reta do que devemos praticar, como diz Aristóteles. Logo, existe também na vontade, porque não pode ir junto com a vontade perversa, como na mesma obra se diz. Logo, a mesma virtude pode existir em duas potências. Mas, em contrário. — A virtude está na potência da alma como num sujeito. Ora, um mesmo acidente não pode existir em vários sujeitos. Logo, a mesma virtude não pode existir em várias potências da alma.

SOLUÇÃO. — De dois modos pode uma realidade existir em duas outras. — De um modo, existindo em ambas igualmente. Ora, assim é impossível uma virtude existir em duas potências, porque a diversidade destas é considerada relativamente às condições gerais dos objetos; ao passo que a diversidade dos hábitos é relativa às condições especiais dos mesmos; e assim, onde há diversidade de potências há também a dos hábitos, mas não inversamente. — De outro modo, pode uma realidade existir em duas ou várias outras, não igualmente, mas numa certa ordem. E assim, a mesma virtude pode pertencer a várias potências, mas de maneira que pertença a uma, principalmente, e se estenda às outras a modo de difusão ou disposição, sendo uma potência movida por outra, e sendo uma receptiva em relação à outra.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um mesmo ato não pode pertencer a diversas potências, igualmente e na mesma ordem; mas, segundo razões e ordem diversas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A virtude moral preexige o saber porque obra segundo a razão reta. Mas, essencialmente, a virtude moral se funda no apetite.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A prudência, realmente, está na razão como no seu sujeito; mas, pressupõe a retidão da vontade, como princípio, conforme a seguir se dirá.

Art. 3 — Se o intelecto é o sujeito da virtude.

(III Sent. Dist. XXIII. q. 1, a. 4 qª 1., De Virtut., q. 1 a. 7; C.G. III, XXVI). O terceiro discute-se assim. — Parece que o intelecto não é o sujeito da virtude.

1. — Pois, diz Agostinho, que toda virtude é amor. Ora, o sujeito do amor não é o intelecto, senão a potência apetitiva. Logo, nenhuma virtude existe no intelecto.

2. Demais. — A virtude ordena-se para o bem, como do sobredito resulta. Ora, o bem é objeto, não do intelecto, mas da potência apetitiva. Logo, o sujeito da virtude não é o intelecto, mas esta última potência.

3. Demais. — A virtude torna bom quem a tem, como diz o Filósofo. Ora, o hábito, que aperfeiçoa o intelecto, não torna bom quem o tem; pois, não é pela ciência nem pela arte que o homem é considerado bom. Logo, o intelecto não é sujeito da virtude. Mas, em contrário, a mente é, por excelência, considerada como intelecto. Ora, ela é o sujeito da virtude, como é claro pela definição desta supra-referida. Logo, o intelecto é o sujeito da virtude.

SOLUÇÃO. — Como já dissemos, a virtude é um hábito pelo qual obramos retamente. Ora, de dois modos um hábito pode ordenar-se ao ato reto. — De um modo, enquanto, por esse hábito, adquirimos a faculdade de praticar o ato reto; assim, pelo hábito da gramática temos a faculdade de falar retamente, embora a gramática não faça com que sempre falemos retamente, pois um gramático pode cometer barbarismos ou solecismos. E o mesmo se pode dizer das outras ciências e artes. — De outro modo, um hábito não só dá a faculdade de agir bem, mas ainda nos leva a usar retamente dessa faculdade; assim, a justiça não só nos torna de vontade pronta a obrar justamente, mas também faz com que obremos justamente. E como nada se chama bem, assim como ser absolutamente falando, pelo que tem de potencial, senão enquanto atual, assim também tais hábitos levam o homem, absolutamente, a obrar o bem e a ser bom; assim se dá com o que é justo temperante, ou tem virtudes semelhantes. E, como a virtude torna bom quem a possui, e boa a sua obra, tais hábitos se chamam em si mesmos, virtudes por tornarem boa a obra atualizada e bom, simplesmente, quem a pratica. Os hábitos primeiros porém não se consideram em si mesmos, virtudes, por não tornarem boa à obra senão de uma faculdade determinada; nem tornam simplesmente bons quem os possui. Assim, nenhum homem é considerado absolutamente bom por ser sábio ou artífice, senão só relativamente, como bom gramático ou bom ferreiro; e, por isto freqüentemente a ciência e a arte se opõem à virtude, e às vezes se consideram virtudes, como já se disse. Por onde, o sujeito do hábito considerado relativamente como virtude pode ser o intelecto, não só o prático, mas também o especulativo, sem nenhuma ordenação relativa à vontade; e assim o Filósofo considera a ciência, a sabedoria, a inteligência e mesmo a arte como virtudes intelectuais. O sujeito do hábito porém, considerado absolutamente como virtude, não pode ser senão à vontade, ou alguma potência movida por ela. E a razão é que a vontade move todas as demais faculdades, de certo modo racionais, para os seus atos, como já dissemos. E portanto é por ter boa vontade que o homem age bem. Logo, a virtude que nos leva a agir bem atualmente, e não só em possibilidade, é necessário exista ou na vontade mesma, ou em alguma potência enquanto movida por esta. Ora, o intelecto, como as demais potências, pode ser movido pela vontade, pois consideramos alguma coisa atualmente porque queremos. E portanto, o intelecto, enquanto ordenado à vontade, pode ser sujeito da virtude, em si mesma. E deste modo o intelecto especulativo ou razão é sujeito da fé, pois o intelecto é movido a assentir ao que pertence à fé, pelo império da vontade, pois ninguém crê senão porque quer. O intelecto prático, por seu lado, é sujeito da prudência. E como esta é a razão reta do que devemos praticar, exige que o homem leve em conta os princípios dessa razão referentes ao que deve praticar, que são os fins, aos quais ele bem se adapta pela retidão da vontade, assim como aos princípios das coisas especulativas, pelo lume natural do intelecto agente. Por onde, assim como o sujeito da ciência, que é a razão reta das coisas especulativas, é o intelecto especulativo, ordenado ao intelecto agente, assim o sujeito da prudência é o intelecto prático, ordenado à vontade reta.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As palavras de Agostinho devem entender-se da virtude absolutamente considerada; não que toda virtude dessa natureza seja, absolutamente falando, amor, mas porque depende dele de certo modo, enquanto depende da vontade, cujo primeiro afeto é o amor, como já se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O bem de cada ser é o seu fim. E portanto, como a verdade é o fim do intelecto, conhecê-la é o ato reto deste; por onde, o hábito, que aperfeiçoa o intelecto para conhecer a verdade, tanto na ordem especulativa como na prática, chama-se virtude.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A objeção colhe quanto à virtude absolutamente considerada.

Art. 4 — Se o irascível e o concupiscível podem ser sujeitos da virtude.

(Infra, a. 5, ad 1; III Sent., dist. XXXIII, q. 2, a. 4, qª 2 ; De Verit. q. 24, a. 4, ad 9; De Virtut., q. 1, a. 10, ad 5). O quarto discute-se assim. — Parece que o irascível e o concupiscível não podem ser sujeitos da virtude.

1. — Pois, essas potências são comuns aos homens e aos brutos. Ora, por enquanto tratamos da virtude própria ao homem, chamada por isso humana. Logo, o irascível e o concupiscível, partes do apetite sensitivo, como já dissemos na Primeira Parte, não podem ser sujeitos da virtude.

2. Demais. — O apetite sensitivo é uma potência que se serve de órgão corpóreo. Ora, o bem da virtude não pode ter sua sede no corpo do homem; pois diz o Apóstolo, (Rm 7,18): eu sei que na minha carne não habita o bem. Logo, para apetite sensitivo não pode ser sujeito da virtude.

3. Demais. — Agostinho prova que a virtude não tem a sua sede no corpo, mas na alma, porque aquele é governado por esta; e assim, é pela alma que usamos bem do corpo, do mesmo modo que eu sou a causa de um auriga, que me obedece, dirigir bem os cavalos. Ora, assim como a alma rege o corpo, assim também a razão o apetite sensitivo. Logo, é totalmente pela razão que o irascível e o concupiscível são retamente governados. Ora, pela virtude é que vivemos retamente, como antes se disse. Logo, não há virtude no irascível e no concupiscível, mas só na parte racional.

4. Demais. — O ato principal da virtude moral é a eleição, como já se disse. Ora, a eleição não pertence ao irascível e ao concupiscível, mas à razão, como já se disse. Logo, a virtude moral pertence a esta e não aqueles. Mas, em contrário, atribuímos a fortaleza ao irascível e a temperança, ao concupiscível. E por isso o Filósofo diz, que tais virtudes são próprias das partes irracionais.

SOLUÇÃO. — O irascível e o concupiscível são susceptíveis de dupla consideração. — Em si mesmos, como partes do apetite sensitivo, e então não podem ser sujeitos da virtude. Ou como participantes da razão, por lhes ser natural obedecer a ela. E assim podem ser sujeitos da virtude humana, pois enquanto participantes da razão são princípio dos atos humanos. E é necessário admitir a existência de virtudes nessas potências; pois é claro que elas aí existem. Porque o ato procedente de uma potência movida por outra não pode ser perfeito sem ambas as potências estarem bem dispostas ao ato; assim, o ato do artífice não pode ser congruente se ele não estiver bem disposto a agir, assim como o seu instrumento. Por onde, para o irascível e o concupiscível, enquanto movidos pela razão, operarem acertadamente, é necessário o hábito que os aperfeiçoa e leva a bem agir existir, não só na razão, mas também neles. E como a boa disposição da potência motora e movida depende da conformidade com a potência motora, a virtude do irascível e do concupiscível não é senão uma conformidade habitual dessas potências com a razão.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O irascível e o concupiscível em si mesmos considerados, como partes do apetite sensitivo, nos são comuns com os brutos. Mas enquanto racionais por participação, por obedientes à razão, são potências próprias ao homem. E deste modo podem ser sujeitos da virtude humana.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como o corpo do homem, não tendo por si mesmo o bem da virtude, torna-se contudo instrumento de atos virtuosos, quando, pelo movimento da razão, aplicamos os nossos membros a servir à justiça; assim também o irascível e o concupiscível não tem, certamente, por si mesmos o bem da virtude, mas antes, a contaminação do fomes; quando, porém, se conformam com a razão, gera-lhes o bem da virtude moral.

RESPOSTA À TERCEIRA. — De um modo é o corpo governado pela razão, e de outro por esta o irascível e o concupiscível. — Pois, o corpo obedece ao nuto da alma, sem contradição, em tudo o que lhe é natural ser movido por ela. Por onde, diz o Filósofo, que a alma rege o corpo com governo despótico, i. é, como o senhor, o escravo. E portanto todo movimento do corpo é referido à alma, e por isso naquele não há virtudes, mas só nesta. — O irascível e o concupiscível porém, não obedecem ao nuto da razão, mas tem os seus movimentos próprios, às vezes, repugnantes à razão. Por isso no mesmo livro, o Filósofo diz que a razão rege o irascível e o concupiscível com um governo político, como o pelo que se governam seres livres, dotados em certos casos de vontade própria. E por isso é preciso haja no concupiscível e no irascível certas virtudes pelas quais essas potências fiquem bem dispostas ao ato.

RESPOSTA À QUARTA. — Dois elementos há na eleição: a intenção do fim, pertencente à virtude moral; e a aceitação prévia do conducente ao fim, pertencente à prudência, como já se disse. Ora, é pela boa disposição do irascível e do concupiscível que a eleição nutre a intenção reta do fim, no atinente às paixões da alma. E portanto as virtudes morais relativas às paixões tem sua sede no irascível e no concupiscível; ao passo que a prudência é própria da razão.

Art. 5 — Se nas potências sensitivas apreensivas internas pode haver virtude.

(Supra, q. 50, a . 3, ad 3; III Sent., dis. XXXIII, q. 2, a. 4, qª 2, ad 6; De Virtut., q. 1, a. 4, ad 6). O quinto discute-se assim. — Parece que nas potências sensitivas internas pode haver virtude.

1. — Pois, o apetite sensitivo pode ser sujeito da virtude, enquanto obedece à razão. Ora, as potências sensitivas apreensivas internas obedecem à razão; pois sob o império desta é que obra a imaginativa, a cogitativa e a memorativa. Logo, nestas potências pode haver virtude.

2. Demais. — Assim como o apetite racional, que é à vontade, pode ter o seu ato impedido ou também coadjuvado pelo apetite sensitivo, assim o intelecto ou razão pode ter o seu impedido ou, pelo contrário, coadjuvado pelas preditas potências. E portanto, assim como pode haver virtude nas potências sensitivas apetitivas, assim também o pode nas apreensivas.

3. Demais. — A prudência é uma virtude, da qual Túlio considera a memória como parte. Logo, também a potência memorativa é susceptível de virtude. E pela mesma razão, as demais potências internas apreensivas. Mas, em contrário, todas as virtudes ou são intelectuais ou morais, como se disse. Ora, todas as virtudes morais têm sua sede na parte apetitiva; e as intelectuais, por seu lado, no intelecto ou razão, como bem se vê em Aristóteles. Logo, nenhuma virtude existe nas potências sensitivas apreensivas internas.

SOLUÇÃO. — Há certos hábitos existentes nas potências sensitivas apreensivas internas. O que se evidencia, principalmente, pelo Filósofo dizer que por obra do costume, que é uma quase segunda natureza, lembramo-nos das coisas umas depois das outras; pois, o hábito consuetudinal não é mais do que um hábito adquirido pelo costume, que é uma quase natureza. Por isso, Túlio diz que a virtude é um hábito, a modo de natureza, consentâneo com a razão. Ora, aquilo que a nossa memória ou as outras virtudes sensitivas apreensivas adquirem por costume não é, em si mesmo, hábito, mas algo anexo aos hábitos da parte intelectiva, como já dissemos antes. Contudo, se alguns hábitos existem em tais potências, não se podem chamar virtudes. Pois, a virtude é um hábito perfeito pelo qual não podemos obrar senão o bem. Por onde, necessariamente, a virtude há de existir na potência que consuma a boa obra. Ora, o conhecimento da verdade não se consuma nas potências sensitivas apreensivas, que são potências quase preparatórias do conhecimento intelectivo. E portanto, não nessas potências, mas antes, no intelecto ou razão, é que existem as virtudes pelas quais conhecemos a verdade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O apetite sensitivo se comporta para com a vontade, que é apetite racional, como por ela movida. Portanto a obra da potência apetitiva se consuma no apetite sensitivo, e por isso este é sujeito da virtude. — As virtudes sensitivas apreensivas, porém, comportam-se antes como motoras, em relação ao intelecto, porque os fantasmas estão para a alma intelectiva como as cores para a vista, conforme se disse. Logo, a atividade cognoscitiva termina no intelecto, e por isso no intelecto ou razão é que têm sua sede as virtudes cognoscitivas. E daqui consta com clareza à RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A memória não é considerada parte da prudência, como a espécie o é do gênero, quase como se fosse uma virtude, por si mesma; mas porque a bondade da memória é um daqueles elementos exigidos para a prudência; de modo que ela se comporta como parte integrante.

Art. 6 — Se a vontade é sujeito de alguma virtude.

(III Sent., dist. XXIII, q. 1, a. 4, qª 1; dist XXVII, q. 2, a. 3, ad 5.; De Verit., q. 24, a. 4, ad 9; De Virtut., q. 1, a. 5; a. 12, ad 10; q. 2, a 2). O sexto discute-se assim. — Parece que a vontade não é sujeito de nenhuma virtude.

1. — Pois, nenhum hábito é necessário no concernente a uma potência, em virtude da própria natureza desta. Ora, a vontade, por sua própria natureza, fundando-se na razão, conforme o Filósofo, há de tender ao bem racional, para o qual se ordenam todas as virtudes, porque cada ser naturalmente deseja o próprio bem; ora, a virtude é um hábito, a modo da natureza, consentâneo com a razão, no dizer de Túlio. Logo, a vontade não é sujeito da virtude.

2. Demais. — Toda virtude ou é intelectual ou é moral, como já se disse. Ora, a virtude intelectual tem como sujeito o intelecto e a razão, mas não à vontade; a virtude moral, por outro lado, tem como sujeito o irascível e o concupiscível, que são racionais por participação. Logo, nenhuma virtude tem a vontade como sujeito.

3. Demais. — Todas os atos humanos, aos quais se ordenam as virtudes, são voluntários. Se pois há alguma virtude na vontade, em relação a certos atos humanos, pela mesma razão haverá relativamente a todos. E então, ou não haverá nenhuma virtude em nenhuma outra potência, ou duas virtudes hão-se de ordenar a um mesmo ato; ora, isto é inadmissível. Logo, a vontade não pode ser sujeito da virtude. Mas, em contrário, o motor exige maior perfeição que o movido. Ora, a vontade move o irascível e o concupiscível. Logo, a virtude há de existir, com maior razão, na vontade, do que no irascível e no concupiscível.

SOLUÇÃO. — Como o ato da potência se aperfeiçoa pelo hábito, ela precisa desse hábito que é uma virtude, para bem agir com perfeição, quando para isso ela, pela sua própria natureza, não baste. Ora, toda potência por natureza se ordena ao seu objeto. Por onde, sendo, como já se disse, o objeto da vontade o bem da razão à vontade proporcionado, esta última não precisa, por este lado, da virtude que aperfeiçoa. Mas dela precisa quando ao homem se lhe apresenta à vontade um bem que o excede, pela desproporção, quer relativamente a toda a espécie humana, como o bem divino, que transcende os limites da natureza humana, quer quanto ao indivíduo, como o bem do próximo. Por onde, tais virtudes, como a caridade, a justiça e outras, que ordenam o afeto do homem para Deus ou para o próximo, tem como sujeito a vontade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção tem cabido relativamente à virtude que ordena ao bem próprio do sujeito que quer, como a temperança e a fortaleza, e outras semelhantes, que versam sobre as paixões humanas, conforme do sobredito se colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Racional por participação não é só o irascível e o concupiscível, mas, em absoluto, i. é, universalmente, o apetitivo, como já se disse. Ora, no apetitivo está compreendida a vontade. E portanto, se há nesta alguma virtude, há de ser moral, se não for teológica, como a seguir se demonstrará.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Certas virtudes se ordenam ao bem da paixão moderada, o que é próprio a cada homem em particular. E nessas não é necessário haver nenhuma virtude na vontade, pois, para tal, basta à natureza da potência, como já se disse; senão só naquelas virtudes ordenadas a um bem extrínseco.