Em seguida, depois do pertencente a vinda de Cristo ao mundo ou ao seu princípio, resta tratar do mais da sua vida. E primeiro, devemos considerar o gênero de vida que levou. Segundo, a sua tentação. Terceiro, a doutrina. Quarto, os milagres. Na primeira questão discutem-se quatro artigos:
O primeiro discute-se assim. — Parece que Cisto não devia participar da natureza humana, mas viver uma vida solitária.
1. — Pois, Cristo, na sua vida, devia mostrar que era não somente homem, mas também Deus. Ora, a Deus não cabe participar da sociedade humana, como diz a Escritura: Exceto os deuses, que não tem comércio com os homens. E o Filósofo diz que quem vive solitário, ou é um animal feroz, isto é, se o fizer por selvageria, ou é Deus, se o fizer a fim de contemplar a verdade. Logo, parece que não devia Cristo participar da sociedade humana.
2. Demais. — Cristo enquanto viveu a vida mortal, devia tê-la vivido perfeitíssima. Ora a perfeitíssima das vidas é a contemplativa, como se estabeleceu na Segunda Parte. Ora, a vida contemplativa é por excelência uma vida solitária, segundo aquilo da Escritura: Eu o levarei à soledade e lhe falarei ao coração. Logo, parece que Cristo devia viver uma vida solitária.
3. Demais. — O gênero de vida de Cristo devia ser uniforme, pois, devia sempre aparecer como a mais perfeita. Ora, às vezes Cristo procurava lugares solitários, fugindo à multidão; donde o dizer Remígio: Como lemos no Evangelho, o Senhor tinha três refúgios - a barca, o monte, o deserto, e a um deles se acolhia sempre que a multidão o cercava. Logo, devia viver sempre uma vida solitária. Mas, em contrário, a Escritura: Depois disto foi ele visto na terra e conversou com os homens.
SOLUÇÃO. — O gênero de vida de Cristo devia ser tal que se enquadrasse nos fins da Encarnação para a qual veio ao mundo. Pois, veio ao mundo: primeiro, para manifestar a verdade, como ele próprio o disse: Eu para isso nasci e ao que vim ao mundo foi para dar testemunho da verdade. Logo, não devia ocultar-se, levando uma vida solitária, mas aparecer em público, pregando publicamente. Por isso, diz no Evangelho aos que queriam retê-lo: Às outras cidades é necessário também que eu anuncie o reino de Deus; que para isso é que fui enviado. - Segundo, veio para livrar os homens do pecado, segundo aquilo do Apóstolo: Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores. Donde o dizer Crisóstomo: Embora fixando-se num lugar qualquer, Cristo pudesse atrair todos a si para lhe ouvirem a pregação, contudo não o fez, dando-nos o exemplo, a fim de perambularmos na busca dos que correm o risco de perecer, como o pastor procura a ovelha perdida e o médico procura curar o doente. - Terceiro, veio para nos fazer entrar na posse de Deus, no dizer do Apóstolo. Por isso, vivendo na familiaridade dos homens, era conveniente lhes inspirasse a confiança para se lhe achegarem a ele. Donde o dizer o Evangelho: E aconteceu que estando Jesus sentado à mesa numa casa, eis que, vindo muitos publicanos e pecadores, se sentaram a comer com ele e com os seus discípulos. Expondo o que, diz Jerónimo: Os pecadores, vendo o publicano converter-se dos seus pecados para uma vida melhor, tendo feito penitência a eles também não desesperavam da sua salvação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo quis pela sua humanidade manifestar a divindade. Por isso, convivendo com os homens, como é próprio do homem, manifestou a todos a sua divindade, pregando e fazendo milagres, e vivendo uma vida inocente e justa no meio deles.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos na Segunda Parte, a vida contemplativa, absolutamente considerada, é melhor que a ativa, cuja atividade versa sobre coisas materiais. Mas a vida ativa, pela qual, pregando e ensinando, se transmite aos outros o fruto da contemplação, é mais perfeita que a puramente contemplativa; porque uma tal vida pressupõe as riquezas da contemplação. Por isso Cristo escolheu tal vida.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A atividade de Cristo foi para instrução nossa. E assim, a fim de dar exemplo aos pregadores, que nem sempre devem se apresentar em público, às vezes o Senhor se retraía da multidão. E assim procedeu por três razões, como lemos no Evangelho. - Umas vezes, para o seu repouso corporal. Assim, lemos que o Senhor disse aos seus discípulos = Vinde, retirai-vos a algum lugar deserto e descansai um pouco. Porque eram muitos os que entravam e saíam e não tinham tempo para comerem. - Outras vezes, porém, por causa de oração, conforme aquele passo: E aconteceu naqueles dias, que saiu ao monte a orar e passou toda a noite em oração a Deus. Ao que diz Ambrósio: Leva-nos pelo seu exemplo aos preceitos da virtude. - Enfim, outras vezes, para nos ensinar a evitar os favores humanos. Donde aquilo do Evangelho - Vendo Jesus a grande multidão do povo, subiu a um monte - diz Crisóstomo: Preferindo o monte e a solidão à cidade e à praça pública, ensinou-nos a não fazer nada por ostentação e a fugir da agitação, sobretudo quando devermos tratar das coisas necessárias.
O segundo discute-se assim - Parece que Cristo devia levar uma vida austera neste mundo.
1. — Pois, Cristo muito mais que João pregou a perfeição da vida. Ora. João levou uma vida austera, para com o seu exemplo despertar nos homens o desejo de uma vida perfeita. Assim, diz Mateus: O mesmo João tinha um vestido de peles de camelo e uma cinta de couro em roda dos seus rins; e a sua comida eram gafanhotos e mel silvestre. Expondo o que diz Crisóstomo: Era admirável ver tão grande mortificação num corpo humano, o que mais lhe atraía os judeus. Logo, parece, com muito maior razão, que a Cristo convinha a austeridade de vida.
2. Demais. — A abstinência se ordena à continência; assim, diz a Escritura - Comerão e não ficarão fartos; eles se deram à fornicação e não cuidaram de se retirar dela. Ora, Cristo guardava continência e propunha a ser observada pelos outros, como lemos no Evangelho: Há uns castrados que a si mesmos se castraram por amor do reino dos céus. O que é capaz de compreender isto compreenda-o. Logo, parece que tanto Cristo como os seus discípulos deviam levar uma vida de austeridades.
3. Demais. — É risível começar alguém uma vida austera para depois passar a vive-Ia às soltas; contra esse poderíamos aplicar o lugar do Evangelho, este homem começou a praticar e não no pode acabar. Ora, Cristo viveu uma vida rigorosíssima, depois do batismo, permanecendo no deserto e jejuando quarenta dias e quarenta noites. Logo, não era admissível que depois de tão grandes austeridades passasse a viver uma vida comum. Mas, em contrário, o Evangelho: Veio o Filho do homem, que come e bebe.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, convinha aos fins da Encarnação que Cristo não vivesse uma vida solitária, mas participasse da sociedade humana. Ora, quem convive com outros é convenientíssimo que se conforme com o gênero de vida deles, segundo o Apóstolo: Fiz-me tudo para todos. Por isso, foi convenientíssimo que Cristo tomasse comida e bebida como os homens comumente o fazem. Donde o dizer Agostinho. O Evangelho refere que João não comia nem bebia, porque não tomava aquela alimentação de que os judeus se serviam. E se o Senhor não usasse de alimentos, o Evangelho não diria que, comparado com João, ele comia e bebia.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Senhor, no gênero de vida que abraçou, deu exemplo de perfeição em tudo o que respeita à salvação de maneira essencial. Ora, a abstinência da comida e da bebida não é de necessidade essencial para a salvação, segundo aquilo do Apóstolo: O reino de Deus não é comida nem bebida. E expondo o lugar do Evangelho - a sabedoria foi justificada por seus filhos - diz Agostinho: Porque os santos Apóstolos entendem que o reino de Deus não consiste em comida nem bebida, mas em sofrer com equanimidade, de modo que nem a abundância os ensoberbeça nem os deprima a pobreza. E acrescenta, que não é o uso de tais causas, mas a sensualidade com que é feito, que constitui culpa. Pois, tanto uma como outra vida são lícitas e louváveis: guardarmos a abstinência, separados da convivência habitual com os homens; e vivermos a vida comum na sociedade dos outros. Por isso o Senhor quis nos dar o exemplo de ambos esses gêneros de vida. Ao passo que João, como diz Crisóstomo, não tinha por si mais que a sua vida e a sua santidade, Cristo tinha o testemunho dos seus milagres. Deixando, pois, a João os rigores do jejum escolheu um caminho contrário, sentando-se à mesa dos publicanos, a comer e beber com eles.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como os outros homens alcançam, pela abstinência, a virtude da continência, assim Cristo, em si e nos seus discípulos, continha a carne pela virtude da sua divindade. Donde o dizer o Evangelho: Os fariseus e os discípulos de João jejuavam, mas não os discípulos de Cristo. Explicando o que Beda diz, que João não bebia vinho nem outra alguma bebida que pudesse embriagar; assim, não dispondo de nenhum poder superior à natureza, ganha um aumento de mérito na abstinência. Ao passo que o Senhor, tendo por natureza o poder de perdoar os pecados, porque havia de afastar-se dos homens que podia tornar mais puros do que os entregues à abstinência?
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Crisóstomo, para aprenderes quão grande éo bem do jejum, e que escudo é contra o diabo e o quanto, depois do batismo, devemos nos dar ao jejum e fugir a sensualidade, Cristo jejuou, não por precisar, mas para nos instruir. Mas não ultrapassou os limites do jejum marcados pelos exemplos de Moisés e de Elias, para não inspirar nenhuma dúvida sobre a realidade da carne que assumiu. - No sentido místico, porém, Gregório explica, que o número quarenta é observado, no jejum, ao exemplo de Cristo, porque a virtude do decálogo se exerce nos quatro livros do santo Evangelho; e o número dez, quatro vezes repetidos, produz o de quarenta. Ou porque o nosso corpo mortal consta de quatro elementos, e pelos prazeres sensíveis resistimos aos preceitos do Senhor, que nos foram transmitidos pelo Decálogo. - Ou, segundo Agostinho: Todas as regras da sabedoria se reduzem a conhecer o Criador e a Criatura. O Criador é a Trindade, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Quanto à criatura, uma parte dela, a alma, é invisível, a qual é atribuído o número ternário; pois, o mandamento nos ordena amar a Deus de três modos - de todo o coração, de todo a alma e de todo o entendimento; a outra parte - o corpo, é visível, e se lhe atribui o número quaternário, por causa do calor, da humildade, da frigidez e da secura. Por onde, o número dez, que resume toda a disciplina, multiplicado por quatro, isto é, pelo número atribuído ao corpo - pois, por meio do corpo é que a alma governa - forma o número quarenta. Por isso, o tempo durante o qual gememos e sofremos é designado pelo número quarenta. - Nem por isso houve inconveniente em Cristo, depois do jejum no deserto, voltar à vida comum. Pois esse é o gênero de vida conveniente aquele que deve transmitir aos outros o fruto da contemplação; e tal foi a vida que Cristo assumiu: primeiro, vacar à contemplação, para depois descer a agir em público, convivendo com os outros. Por isso diz Beda: Cristo jejuou, para não transgredir o preceito: comeu com os pecadores a fim de sentindo os efeitos da sua graça, tu lhe reconheças o poder.
O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não devia viver neste mundo uma vida pobre.
1. — Pois, Cristo devia assumir a vida mais digna de escolha. Ora, a vida mais digna de escolha é a média, entre as riquezas e a pobreza, conforme àquilo da Escritura: Não me dês nem a pobreza nem as riquezas; dá-me somente o que for necessário para viver. Logo, Cristo não devia viver uma vida pobre, mas medíocre.
2. Demais. — As riquezas exteriores se ordenam a alimentar e vestir o corpo. Ora, Cristo alimentava-se e vestia-se de acordo com a vida ordinária daqueles com quem convivia. Logo parece que devia viver do modo comum, uma vida mediana entre rica e pobre, e não na extrema pobreza.
3. Demais. — Cristo nos deu a todos o exemplo da humildade, segundo aquilo do Evangelho: Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. Ora, sobretudo aos ricos é que se deve pregar a humildade, no dizer do Apóstolo: Manda os ricos deste mundo que não sejam altivos. Logo, parece que Cristo não devia levar uma vida pobre. Mas, em contrário, o Evangelho: O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. Como se dissesse, segundo o explica Jerônimo: Desejais seguir-me por causa das riquezas e dos bens do século, a mim tão pobre que nem mesmo tenho um tugúrio e vivo sob o teto alheio? E aquilo do Evangelho - Para que os não escandalizemos, vai ao mar - diz Jerônimo: Entendidas essas palavras pelo que significam, são uma edificação para o ouvinte, advertindo-o ter sido tão grande a pobreza do Senhor a ponto de não ter com que pagasse o tributo por si e pelo Apóstolo.
SOLUÇÃO. — Convinha a Cristo viver neste mundo uma vida pobre. - Primeiro, por condizer com o ofício da pregação, por causa da qual disse ter vindo ao mundo: Vamos para as aldeias e cidades circunvizinhas, porque também quero lá pregar; que a isso é que vim. Pois, os pregadores da palavra de Deus hão de dar-se totalmente à pregação, desapegados completamente do cuidado das coisas seculares. O que não podem fazer os possuidores de riquezas. Por isso, o próprio Senhor, enviando os Apóstolos a pregar, disse-lhes: Não possuais ouro nem prata: E os próprios Apóstolos diziam: Não é justo que nós deixemos a palavra de Deus e que sirvamos às mesas. - Segundo, porque assim como sujeitou seu corpo à morte para nos conquistar a vida espiritual, assim sofreu a pobreza de bens materiais, para nos conquistar as riquezas espirituais, segunda aquilo do Apóstolo: Sabeis que graça não foi a de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vosso amor, a fim de que vós fosseis ricos pela sua pobreza. - Terceiro, porque, se tivesse riquezas, podiam atribuir-lhe a pregação à cobiça. Por isso, diz Jerônimo, que se os discípulos tivessem riquezas, pareceria pregarem não com a vista na salvação dos homens. mas no ganho. - Quarto, para tanto mais manifestar a grandeza da sua divindade, quanto mais pobre a vida que levava. Por isso se diz no Concílio Efesino: Escolheu uma vida pobre e humilde, tudo o que constitui mediania e obscuridade para o maior número para que se visse que foi a divindade quem transformou a face da terra. Por isso, escolheu como sua mãe uma pobrezinha, uma pátria paupérrima e foi pobre de bens; e isso mesmo te mostra o seu presépio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A superabundância das riquezas e a mendicidade, enquanto ocasiões de pecar, devem ser cortadas pelos que querem viver uma vida virtuosa. Pois, a abundância de riquezas é ocasião de soberba; a mendicidade, de roubo e de mentira ou ainda de perjúrio. Ora, como Cristo era isento de todo pecado, não devia evitar uma e outra causa pela mesma causa por que as evitava Salomão. Nem, além disso, qualquer mendicidade é ocasião de furto e de perjúrio, como no mesmo lugar o ensina Salomão, mas só a que nos contraria a vontade para evitar a qual o homem furta e perjura. Pois, a pobreza voluntária não tem esse perigo. E foi essa a escolhida por Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Alimentar-se e vestir-se ao modo ordinário qualquer o pode, não só possuindo riquezas, mas ainda recebendo dos ricos o necessário. O que também se deu com Cristo. Assim, como o Evangelho diz certas mulheres que seguiam a Cristo, que lhe assistiam de suas posses. Pois, como diz Jerônimo, era uso dos judeus e em nada colidia com o costume antigo desse povo, que as mulheres fornecessem de seus próprios bens o alimento e a roupa aos que as instruíam. Mas, como isso podia causar escândalo aos gentios, Paulo declarou que rejeitou tais auxílios. Assim, pois, comum subsistência podia existir sem os cuidados impedientes do dever da pregação; mas não a posse das riquezas.
RESPOSTA À TERCEIRA. - No pobre por necessidade a humildade não é muito meritória. Mas no pobre voluntário, como Cristo, a própria pobreza é sinal de uma humildade máxima.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não viveu segundo a lei.
1. — Pois, a lei ordenava que nenhuma obra se fizesse no sábado, assim como Deus descansou no sétimo dia de toda obra que fizera. Ora, Cristo curou um homem no sábado e mandou-o levar o seu leito. Logo, parece que não viveu segundo a lei.
2. Demais. — Cristo fez o que ensinou, segundo a Escritura: Jesus começou a fazer e a ensinar. Mas, ele próprio ensinou que não é o que entra pela boca o que faz imundo o homem, o que vai contra o preceito da lei, que dizia tornar-se o homem imundo por comer certos animais e ter contacto com eles. Logo, parece que não viveu segundo a lei.
3. Demais. — Julgamos do mesmo modo tanto quem faz como quem consente, conforme aquilo do Apóstolo: Não somente os que estas coisas fazem, senão também os que consentem aos que as fazem. Ora, Cristo consentiu pelos excusar, os seus discípulos transgredirem a lei, quando arrancavam as espigas no sábado. Logo, parece que Cristo não viveu segundo a lei. Mas, em contrário, o Evangelho: Não julgueis que vim destruir a lei ou os profetas. Expondo o que, Crisóstomo diz: Cumpriu a lei - primeiro, por não ter transgredido nenhuma das suas injunções; segundo, justificando pela fé, o que a letra da lei não podia fazer.
SOLUÇÃO. — Cristo conformou totalmente a sua vida aos preceitos da lei. E para prová-la, quis circuncidar-se: ora, a circuncisão é uma demonstração de cumprimento da lei, segundo aquilo do Apóstolo: Protesto a todo homem que se circuncida que está obrigado a guardar toda a lei. - Ora, Cristo quis viver obediente à lei: primeiro para assim aprovar a lei antiga. - Segundo, a fim de, observando-a, consumá-la em si mesmo e terminá-la, mostrando como ela a si se ordenava. - Terceiro, para não dar aos judeus ocasião de caluniá-lo. - Quarto, para livrar os homens da escravidão da lei, segundo o Apóstolo: Enviou Deus a seu Filho, feito sujeito à lei, a fim de remir aqueles que estavam debaixo da lei.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Nessa matéria, o Senhor se excusa de haver transgredido a lei por três razões. - Primeiro, porque o preceito da santificação do sábado não proíbe as obras divinas, mas, as humanas. Assim, embora Deus tivesse cessado de produzir novas criaturas no sétimo dia, sempre porém a sua ação aparece na conservação e no governo das coisas. Ora, os milagres operados por Cristo eram obras divinas. Donde o dizer o Evangelho: Meu Pai até agora não cessa de obrar e eu obro também incessantemente. - Segundo, excusa-se por não proibir o referido preceito as obras necessárias à saúde do corpo. Assim, ele próprio o disse: Não desprende cada um de vós nos sábados o seu boi ou o seu jumento e não os tira da estribaria para os levar a beber? E mais adiante: Quem há de entre vós que se o seu jumento ou o seu boi cair num poço em dia de sábado, o não tire logo no mesmo dia? Ora, é manifesto que as obras milagrosas, feitas por Cristo, tinham em vista a saúde do corpo e da alma. - Terceiro, porque esse preceito não proíbe as obras relativas ao culto de Deus. Donde o 'dizer o Evangelho: Ou não tendes lido na lei que os sacerdotes nos sábados, no templo quebrantam o sábado e ficam sem pecado? E noutro lugar diz que recebe um homem a circuncisão em dia de sábado. Quanto ao fato de ter Cristo mandado ao paralítico levar o seu leito, no sábado, isso era em vista do culto a Deus, isto é, para louvor da virtude divina. - Por onde é claro que não violava a lei do sábado; embora os judeus falsamente lh’o exprobrassem, quando diziam: Este homem, que não guarda o sábado não é de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Com as palavras citadas, Cristo quis mostrar que a alma do homem não se torna imunda pelo uso de nenhuns alimentos, quanto à natureza mesma deles, senão só quanto a alguma significação que tenham. Por isso, diz Agostinho: A quem perguntar se o porco e o cordeiro são de natureza pura, respondemos que toda criatura de Deus é pura; mas, em certo sentido, o cordeiro é puro e o porco, impuro.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Também os discípulos, quando, por terem fome, arrancaram as espigas ao sábado, ficam excusados da transgressão à lei, pela necessidade da fome; assim como Davi não foi transgressor da lei quando, ungido pela fome, comeu os pães que lhes era lícito comer.