Em seguida devemos tratar do efeito da paixão de Cristo. E, primeiro do modo pelo qual o produziu. Segundo, do efeito em si. Na primeira questão discutem-se seis artigos:
O primeiro discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não causou a nossa salvação a modo de mérito.
1. — Pois, os princípios das paixões não estão em nós. Ora, ninguém merece nem é louvado senão em virtude de um princípio em si existente. Logo, a Paixão de Cristo nada operou em nós a modo de mérito.
2. Demais. — Cristo desde o princípio da sua concepção mereceu tanto para si como para nós, segundo se disse. Ora, é supérfluo merecer alguém de novo o que já antes merecera. Logo, Cristo pela sua Paixão não mereceu a nossa salvação.
3. Demais. — A raiz do mérito é a caridade. Ora, a caridade de Cristo não aumentou mais na Paixão, que antes. Logo, não mereceu a nossa salvação mais, sofrendo, que antes. Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo — Pelo que Deus o exaltou - diz Agostinho: A humildade da paixão é o mérito da glória; a glória é o prêmio da humildade. Ora, Cristo foi o glorificado, não só em si mesmo, mas também nos seus fiéis, como ele próprio o disse. Logo, parece que Cristo mereceu a salvação dos seus fiéis.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, a Cristo foi dada à graça, não só como a uma pessoa singular, mas enquanto cabeça da Igreja, de modo que dele redundasse para os membros dela. Por isso as obras de Cristo estão para o mesmo e para as suas obras, assim como estão às obras de um homem constituído em graça para com ele próprio. Ora, é manifesto que quem, constituído em graça, sofre pela justiça, por isso mesmo merece para si a salvação, segundo aquilo do Apóstolo: Bem-aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça. Por onde, Cristo, pela sua paixão, merecem a salvação não somente para si mas também para todos os seus membros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Apaixão, como tal, procede de um princípio exterior. Mas, enquanto sofrida por um paciente voluntariamente, procede de um princípio interno.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, desde o princípio da sua concepção, mereceu-nos a salvação eterna. Mas, de nosso lado, certos impedimentos constituíam um obstáculo a conseguirmos o efeito dos méritos precedentes. Por isso, a fim de remover esses impedimentos é que Cristo teve de sofrer, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo teve certo efeito que não tiveram os méritos precedentes; não por causa de uma caridade maior, mas pelo gênero da obra, que era concordante com esse efeito, como ficou claro pelas razões supra - aduzidas referentes à conveniência da Paixão de Cristo.
O segundo discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não causou a nossa salvação a modo de satisfação.
1. — Quem pecou é que deve dar satisfação, como demonstram as outras partes da penitência; assim, quem pecou deve arrepender-se e confessar o pecado. Ora, Cristo não pecou segundo o diz a Escritura: O qual não cometeu pecado. Logo, não satisfez pela sua Paixão própria.
2. Demais. — Não satisfazemos a ninguém por meio de uma ofensa maior. Ora, a ofensa máxima foi a perpetrada na Paixão de Cristo; pois, pecaram gravissimamente os que o mataram como dissemos. Logo, parece que pela Paixão de Cristo não podia Deus ser satisfeito.
3. Demais. — A satisfação implica uma certa igualdade com a culpa, por ser um ato de justiça. Ora, parece que a Paixão de Cristo não foi igual a todos os pecados do gênero humano, porque Cristo não sofreu nas divindades, mas na sua carne, segundo aquilo da Escritura: Havendo, pois, Cristo padecido na carne. Ora, a alma que é a contaminada pelo pecado, é superior à carne. Logo, pela sua Paixão Cristo não satisfez pelos nossos pecados. Mas, em contrário, da sua pessoa diz a Escritura: Paguei então o que não tinha roubado. Ora, não pagou o que perfeitamente não satisfez. Logo, pela sua Paixão Cristo satisfez perfeitamente pelos nossos pecados.
SOLUÇÃO. — Propriamente satisfaz pela ofensa, quem oferece o que ama tanto ou mais oque odeia a ofensa. Ora, Cristo, sofrendo por obediência e caridade, ofereceu a Deus um bem maior do que o exigido pela recompensa da ofensa total do gênero humano. Assim, primeiro, pela grandeza da caridade, pelo qual sofria. Segundo, pela dignidade de sua vida, que oferecia em satisfação, que era a vida de Deus e do homem. Terceiro, por causa da generalidade da Paixão e da grandeza da dor assumida, como dissemos. Por onde, a Paixão de Cristo foi uma satisfação só suficiente, mas também superabundante pelos pecados do gênero humano, segundo aquilo do Evangelho: Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A cabeça e os membros constituem uma como pessoa mística. Por isso a satisfação de Cristo pertence a todos os fiéis, como aos seus membros. Assim, também quando dois homens estão unidos pela caridade, um pode satisfazer por outro, como a seguir se dirá. Mas o mesmo não se dá com a confissão e o arrependimento; porque a satisfação consiste num ato exterior, para o qual se podem empregar instrumentos, entre os quais se contam também os amigos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Maior foi à caridade de Cristo na sua Paixão do que a malícia dos que o crucificaram. Por isto Cristo pôde satisfazer mais pela sua Paixão, do que ofendê-lo os que o crucificaram e o mataram. Porquanto a Paixão de Cristo foi suficiente e superabundante para satisfazer pelos pecados dos que o mataram.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A dignidade da carne de Cristo não deve ser a validade só pela natureza da carne, mas pela pessoa assumente; isto é, enquanto carne de Deus, donde lhe derivava a dignidade infinita.
O terceiro discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não se realizou a modo de sacrifício.
1. — Pois, a realidade deve corresponder à figura. Ora, nos sacrifícios da lei antiga, que eram a figura de Cristo, nunca era oferecida a carne humana; ao contrário, esses sacrifícios eram considerados como nefandos, segundo se lê na Escritura: Derramavam o sangue inocente, o sangue de seus filhos e de suas filhas, que haviam sacrificado aos ídolos de Canaam. Logo, parece que a Paixão de Cristo não pode ser chamada sacrifício.
2. Demais. — Agostinho diz que o sacrifício visível é o sacramento, isto é, sacro sinal do sacrifício invisível. Ora, a Paixão de Cristo não é um sinal, mas antes, foi significada por outros sinais. Logo, parece que a Paixão de Cristo não foi um sacrifício.
3. Demais. — Quem quer que ofereça um sacrifício faz algo de sagrado, como o demonstra a palavra mesma de sacrifício. Ora, os que mataram a Cristo nada fizeram de sagrado; ao contrário, perpetraram uma grande malícia. Logo a Paixão de Cristo foi antes um malefício que um sacrifício. Mas, em contrário, o Apóstolo: Entregou-se a si mesmo por nós outros, como oferenda e hóstia a Deus em odor de suavidade.
SOLUÇÃO. — Chama-se sacrifício em sentido próprio o que é feito como uma honra propriamente devida a Deus, com o fim de o aplacar. E por isso diz Agostinho: É verdadeiramente sacrifício toda obra feita com o fim de nos unirmos com Deus numa sociedade santa; isto é, uma obra referida ao fim bom, cuja posse é capaz de nos dar verdadeiramente a felicidade. Ora, Cristo, como no mesmo lugar se acrescenta, se ofereceu a si mesmo a sofrer por nós; e o próprio fato de ter padecido voluntàriamente a sua Paixão foi sobremaneira aceito de Deus, como proveniente de uma caridade máxima. Por onde é manifesto, que a Paixão de Cristo foi um verdadeiro sacrifício. E como Agostinho acrescenta a seguir, no mesmo livro, os sacrifícios primitivos dos santos foram sinais variados e múltiplos desse verdadeiro sacrifício, esse sacrifício único foi simbolizado por numerosos sacrifícios, do mesmo modo que uma mesma realidade é designada por numerosas palavras, a fim de que fosse grandemente recomendado, sem nenhum inútil encarecimento. Mas, continua Agostinho, consideramos quatro elementos num sacrifício: aquele a quem o oferecemos, quem o oferece, o que é oferecido e por quem o é. Assim, o mesmo, só único e verdadeiro mediador, reconciliando-nos com Deus pelo sacrifício da paz, devia permanecer uno com aquele a quem oferecia esse sacrifício, reunir em si, numa unidade, aqueles por quem o oferecia, e ser simultânea e identicamente o oferente e a oferenda.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora a realidade corresponda à figura, de certo modo, não corresponde totalmente, pois, a verdade há de necessàriamente ultrapassar a figura. Por isso e convenientemente a figura deste sacrifício pelo qual a carne de Cristo é oferecida por nós, foi a carne, não dos homens, mas de animais irracionais que significavam a carne de Cristo. A carne de Cristo é o perfeitíssimo dos sacrifícios pelas razões seguintes. Primeiro porque, sendo carne de natureza humana, é convenientemente oferecida pelos homens, que a tomam sob a forma de sacramento. Segundo, porque, sendo passível e mortal, era apta para a imolação. Terceiro, porque, sendo isenta de pecado, tinha a eficiência para purificar dos pecados. Quarto, porque, sendo a carne mesma do oferente, era aceita de Deus por causa da caridade com que a oferecia. Donde o dizer Agostinho: Que oferenda podiam os homens tomar, que lhes fosse mais adaptada, que uma carne humana? Que de mais apto à imolação do que uma carne mortal? Que haveria de mais puro para delir os vícios dos mortais que uma carne nascida sem o contágio da concupiscência carnal, de um ventre e de um ventre virginal? Que poderia ser oferecido e aceito com mais graça que a carne de nosso sacrifício, tornado o corpo de nosso Sacerdote?
RESPOSTA À SEGUNDA. — Agostinho, no lugar aduzido, refere-se aos sacrifícios visíveis figurados. E, contudo a Paixão mesma de Cristo, embora fosse significada por outros sacrifícios figurados, é contudo o sinal de uma realidade que nós devemos guardar, segundo aquilo da Escritura: Havendo pois Cristo padecido na carne, armai-vos também vós outros desta mesma consideração: que aquele que padeceu na carne cessou de pecados; de sorte que o tempo que lhe resta da vida mortal, ele não vive mais segundo as paixões do homem, mas segundo a vontade de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo, relativamente aos que o mataram, foi um malefício; foi porém um sacrifício por parte dele mesmo, que sofreu levado da caridade. Por isso se diz, que quem ofereceu esse sacrifício foi o próprio Cristo e não os que o mataram.
O quarto discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não obrou a nossa salvação a modo de redenção.
1. — Pois, ninguém compra ou redime o que nunca deixou de lhe pertencer. Ora, os homens nunca deixaram de ser de Deus, conforme aquilo da Escritura: Do Senhor é a terra e tudo o que a enche, a redondeza da terra e todos os seus habitantes. Logo, parece que Cristo não nos remiu com a sua Paixão.
2. Demais. — Como diz Agostinho, Cristo devia vencer o demônio pela justiça. Ora, a justiça exige, que quem se apoderou dolosamente da coisa alheia deve ser privado dela, porque a ninguém deve aproveitar a fraude e o dolo, como também o exigem as leis humanas. Logo, tendo o diabo enganado e a si subjugado dolosamente o homem, criatura de Deus, parece que não devia o homem ser-lhe arrebatado ao pode por meio da redenção.
3. Demais. — Quem compra ou redime uma coisa paga o preço a quem antes a possuía. Ora, Cristo não pagou o seu sangue, considerado preço da nossa redenção, ao diabo, que nos retinha captívos. Logo, Cristo não nos remiu com a Paixão. Mas, em contrário, a Escritura: Não por ouro nem por prata, que são coisas corruptíveis, haveis sido resgatados da vossa vã conversação que recebestes de vossos pais; mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e sem contaminação alguma. Noutro lugar: Cristo nos remiu da maldição da lei, feito ele mesmo maldição por nós. E dito do Apóstolo — feito maldição por nós — significa que sofreu por nós no madeiro, como antes se disse. Logo, pela sua Paixão nos remiu.
SOLUÇÃO. — Pelo pecado o homem estava escravizado, de dois modos. — Primeiro pela servidão do pecado; pois, todo o que comete pecado é escravo do pecado; e todo o que é vencido é escravo daquele que venceu - como se lê na Escritura. Ora, como o diabo venceu ao homem, induzindo-o ao pecado, o homem foi feito escravo do diabo. — Segundo, quanto ao reato da pena pelo qual o homem estava ligado, segundo a justiça de Deus. E esta também é uma escravidão; pois, é próprio do escravo sofrer o que não quer, ao contrário do homem livre, que pode dispor de si mesmo como quer. Por onde, sendo a Paixão de Cristo uma satisfação suficiente e superabundante pelo pecado e pelo reato do gênero humano, a sua Paixão foi um como preço, pelo qual fomos livrados de uma e outra escravidão. Assim, a satisfação pela qual satisfazemos por nós ou por outrem é considerada um preço pelo qual nos remimos do pecado e da pena, segundo a Escritura: Redime os teus pecados com a esmola. Ora, Cristo satisfez não certo dando dinheiro nem por qualquer forma semelhante, mas dando-se a ele próprio - bem máximo - por nós. Por isso é que se diz ser a Paixão de Cristo a nossa redenção.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — De dois modos dizemos que o homem pertence a Deus. Primeiro, por lhe estar sujeito ao poder. E, neste sentido, o homem nunca deixa de pertencer a Deus, segundo aquilo da Escritura: o Excelso tem debaixo da sua dominação os reinos dos homens e os dá a quem lhe aprazo Noutro sentido, pela união da caridade com ele, segundo o dito do Apóstolo: Se algum não tem o Espírito de Cristo, este tal não é dele. — Ora, do primeiro modo o homem nunca deixou de ser de Deus. Mas, do segundo, o deixa, pelo pecado. Por onde, quando liberado do pecado, pela Paixão satisfaciente de Cristo, dizemos que o homem foi remido pela Paixão de Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O homem, pecando, contraiu uma obrigação tanto para com Deus como para o diabo. Pois, pela culpa, ofendeu a Deus e, sujeitou-se ao diabo, pelo seu consentimento. E assim, em razão da culpa, não se tornou servo de Deus; mas antes, afastando-se doseu serviço, incorreu na servidão do diabo, por justa permissão de Deus, por causa da ofensa contra ele cometida. Mas, quanto à pena, o homem contraiu principalmente uma obrigação para com Deus, como supremo juiz; e para com o diabo, como seu algoz, segundo aquilo do Evangelho: Para que não suceda que o teu adversário te entregue ao juiz e que o juiz te entregue ao seu ministro, isto é, ao anjo cruel da pena, como interpreta Crisóstomo. Embora, pois, o diabo retivesse, injustamente e na medida do seu poder, sob o seu jugo o homem, enganado pela sua fraude, tanto quanto à culpa como quanto à pena, contudo, era justo que isso o homem o sofresse, por permissão de Deus, quanto à culpa, e pela ordem do mesmo Deus, quanto à pena. Por onde, relativamente a Deus, a justiça exigia fosse o homem redimido; não, porém relativamente ao diabo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como a redenção era necessária para a liberação do homem, relativamente a Deus, mas não relativamente ao diabo, o preço não devia ser pago ao diabo, mas a Deus. Por isso, não se diz que Cristo tivesse oferecido ao diabo, mas a Deus o seu sangue, que é o preço da nossa redenção.
O quinto discute-se assim. — Parece que ser Redentor não é próprio de Cristo.
1. — Pois, diz a Escritura: Tu me remiste Senhor Deus da Verdade. Ora, Deus da verdade toda a Trindade o é. Logo, não é próprio de Cristo.
2. Demais. — Redime quem paga o preço da redenção. Ora, Deus Padre deu o seu Filho como redentor pelos nossos pecados, segundo a Escritura: O Senhor enviou ao seu povo redenção, isto é, diz a Glosa, Cristo, que dá a redenção aos cativos. Logo, não só Cristo, mas também Deus Padre nos remiu.
3. Demais. — Não só a Paixão de Cristo, mas também a dos outros santos, foi profícua ànossa salvação segundo o Apóstolo: Eu me alegro nas penalidades que sofro por vós e cumpro na minha carne o que resta a padecer a Jesus Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja. Logo, não só Cristo, mas também os outros santos devem ser considerados o Redentor. Mas, em contrário, o Apóstolo: Cristo nos remiu na maldição da lei, feito ele maldição por nós. Ora, só Cristo foi feito maldição por nós. Logo, só ele deve ser considerado nosso Redentor.
SOLUÇÃO. — Para alguém redimir duas condições se requerem: o ato de pagar e o preço pago. Assim, pois, não dizemos que redime principalmente, quem paga, para remir uma coisa, um dinheiro que não é seu, mas de outrem; e antes, o redentor aquele que pagou o preço. Ora, o preço da nossa redenção é o sangue de Cristo, ou a sua vida corpórea, que estava no sangue; e esse preço Cristo mesmo o pagou. Por onde, o ato de pagamento e o preço do pagamento pertenceu imediatamente a Cristo, enquanto homem; mas a toda a Trindade como àcausa primeira e remota, a quem pertencia a vida mesma de Cristo, como primeiro autor dela; e também porque foi a Trindade que inspirou ao homem Cristo sofrer por nós. Por isso ser imediatamente o Redentor é próprio de Cristo, enquanto homem; embora a redenção mesma possa ser atribuída a toda a Trindade como àcausa primeira.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Otexto citado a Glosa assim o expõe: Tu, ó Deus de verdade, me remiste em Cristo, que exclamou: — Nas tuas mãos Senhor entrega o meu espírito. Assim, a redenção pertenceu imediatamente ao homem Cristo; mas, como causa principal dela, a Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O preço da nossa redenção o homem Cristo o pagou imediatamente; mas, por mandado do Pai, como autor primordial.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os sofrimentos dos santos aproveitam à Igreja, não certo a modo de redenção, mas a modo de exemplo e de exortação, segundo aquilo do Apóstolo: Se somos atribulados, para vossa exortação e é salvação.
O sexto discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não obrou a nossa salvação a modo de eficiência.
1. — Pois, a causa eficiente da nossa salvação é a grandeza da virtude divina, segundo aquilo da Escritura: Eis ai está que a mão do Senhor não é abreviada para não poder salvar. Ora, Cristo foi crucificado por enfermidade. Logo, a Paixão de Cristo não obrou eficientemente a nossa salvação.
2. Demais. — Nenhum agente material age eficientemente senão por contato; assim, o próprio Cristo curou o leproso tocando-o, para mostrar que a sua carne tinha uma virtude curativa, como diz Crisóstomo (Teofilacto). Ora, a Paixão de Cristo não podia estar em contato com todos os homens. Logo, não podia obrar eficientemente a salvação de todos.
3. Demais. — Não pode um mesmo agente obrar o modo de mérito e de eficiência; porque quem merece espera receber o efeito, de outrem. Ora, a Paixão de Cristo obrou a nossa salvação a modo de mérito. Logo, não a modo de eficiência. Mas, em contrário, o Apóstolo diz que a palavra da cruz é a virtude de Deus para os que se salvam. Ora, a virtude de Deus obra eficientemente a nossa salvação. Logo, a Paixão de Cristo na cruz obrou eficientemente a nossa salvação.
SOLUÇÃO. — Há uma dupla espécie de eficiência: a principal e a instrumental. Ora, o eficiente principal da salvação humana é Deus. Sendo, porém a humanidade de Cristo o instrumento da divindade, como se disse, por isso e consequentemente, todas as ações e paixões de Cristo obram instrumentalmente, em virtude de divindade, para a salvação humana. E, a esta luz, a Paixão de Cristo causa eficientemente a salvação humana.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A paixão de Cristo, referida àcarne de Cristo, convinha àenfermidade que assumiu. Referida, porém àdivindade, resulta dela uma virtude infinita, segundo aquilo do Apóstolo: O que parece em Deus uma fraqueza é mais forte que os homens. Isto é, porque a enfermidade mesma de Cristo, enquanto de Deus, tem uma virtude excedente a toda virtude humana.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A Paixão de Cristo, embora fosse a do seu corpo, contudo tem uma virtude espiritual procedente da divindade que lhe estava unida. E desse contato espiritual lhe advém a eficácia; isto é, pela fé e pelos sacramentos da fé, segundo aquilo do Apóstolo: Ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo referida àsua divindade, age a modo de eficiência. Referida, porém àvontade da alma de Cristo, age a modo de mérito, Referida ainda àcarne mesma de Cristo age a modo de satisfação, enquanto que por ela somos liberados do reato da pena; mas a modo de redenção, enquanto por ela somos liberados da servidão da culpa; e enfim a modo de sacrifício, enquanto fomos por ela reconciliados com Deus, como a seguir se dirá.