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Suma Teológica

Summa Theologiae

Questões

Quaestiones
tertia pars Q.48

Do modo da paixão de Cristo

Em seguida devemos tratar do efeito da paixão de Cristo. E, primeiro do modo pelo qual o produziu. Segundo, do efeito em si. Na primeira questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se a Paixão de Cristo causou a nossa salvação a modo de mérito.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não causou a nossa salvação a modo de mérito.

1. — Pois, os princípios das paixões não estão em nós. Ora, ninguém merece nem é louvado senão em virtude de um princípio em si existente. Logo, a Paixão de Cristo nada operou em nós a modo de mérito.

2. Demais. — Cristo desde o princípio da sua concepção mereceu tanto para si como para nós, segundo se disse. Ora, é supérfluo merecer alguém de novo o que já antes merecera. Logo, Cristo pela sua Paixão não mereceu a nossa salvação.

3. Demais. — A raiz do mérito é a caridade. Ora, a caridade de Cristo não aumentou mais na Paixão, que antes. Logo, não mereceu a nossa salvação mais, sofrendo, que antes. Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo — Pelo que Deus o exaltou - diz Agostinho: A humildade da paixão é o mérito da glória; a glória é o prêmio da humildade. Ora, Cristo foi o glorificado, não só em si mesmo, mas também nos seus fiéis, como ele próprio o disse. Logo, parece que Cristo mereceu a salvação dos seus fiéis.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, a Cristo foi dada à graça, não só como a uma pessoa singular, mas enquanto cabeça da Igreja, de modo que dele redundasse para os membros dela. Por isso as obras de Cristo estão para o mesmo e para as suas obras, assim como estão às obras de um homem constituído em graça para com ele próprio. Ora, é manifesto que quem, constituído em graça, sofre pela justiça, por isso mesmo merece para si a salvação, segundo aquilo do Apóstolo: Bem-aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça. Por onde, Cristo, pela sua paixão, merecem a salvação não somente para si mas também para todos os seus membros.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Apaixão, como tal, procede de um princípio exterior. Mas, enquanto sofrida por um paciente voluntariamente, procede de um princípio interno.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, desde o princípio da sua concepção, mereceu-nos a salvação eterna. Mas, de nosso lado, certos impedimentos constituíam um obstáculo a conseguirmos o efeito dos méritos precedentes. Por isso, a fim de remover esses impedimentos é que Cristo teve de sofrer, como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo teve certo efeito que não tiveram os méritos precedentes; não por causa de uma caridade maior, mas pelo gênero da obra, que era concordante com esse efeito, como ficou claro pelas razões supra - aduzidas referentes à conveniência da Paixão de Cristo.

Art. 2 — Se a Paixão de Cristo causou a nossa salvação a modo de satisfação.

O segundo discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não causou a nossa salvação a modo de satisfação.

1. — Quem pecou é que deve dar satisfação, como demonstram as outras partes da penitência; assim, quem pecou deve arrepender-se e confessar o pecado. Ora, Cristo não pecou segundo o diz a Escritura: O qual não cometeu pecado. Logo, não satisfez pela sua Paixão própria.

2. Demais. — Não satisfazemos a ninguém por meio de uma ofensa maior. Ora, a ofensa máxima foi a perpetrada na Paixão de Cristo; pois, pecaram gravissimamente os que o mataram como dissemos. Logo, parece que pela Paixão de Cristo não podia Deus ser satisfeito.

3. Demais. — A satisfação implica uma certa igualdade com a culpa, por ser um ato de justiça. Ora, parece que a Paixão de Cristo não foi igual a todos os pecados do gênero humano, porque Cristo não sofreu nas divindades, mas na sua carne, segundo aquilo da Escritura: Havendo, pois, Cristo padecido na carne. Ora, a alma que é a contaminada pelo pecado, é superior à carne. Logo, pela sua Paixão Cristo não satisfez pelos nossos pecados. Mas, em contrário, da sua pessoa diz a Escritura: Paguei então o que não tinha roubado. Ora, não pagou o que perfeitamente não satisfez. Logo, pela sua Paixão Cristo satisfez perfeitamente pelos nossos pecados.

SOLUÇÃO. — Propriamente satisfaz pela ofensa, quem oferece o que ama tanto ou mais oque odeia a ofensa. Ora, Cristo, sofrendo por obediência e caridade, ofereceu a Deus um bem maior do que o exigido pela recompensa da ofensa total do gênero humano. Assim, primeiro, pela grandeza da caridade, pelo qual sofria. Segundo, pela dignidade de sua vida, que oferecia em satisfação, que era a vida de Deus e do homem. Terceiro, por causa da generalidade da Paixão e da grandeza da dor assumida, como dissemos. Por onde, a Paixão de Cristo foi uma satisfação só suficiente, mas também superabundante pelos pecados do gênero humano, segundo aquilo do Evangelho: Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A cabeça e os membros constituem uma como pessoa mística. Por isso a satisfação de Cristo pertence a todos os fiéis, como aos seus membros. Assim, também quando dois homens estão unidos pela caridade, um pode satisfazer por outro, como a seguir se dirá. Mas o mesmo não se dá com a confissão e o arrependimento; porque a satisfação consiste num ato exterior, para o qual se podem empregar instrumentos, entre os quais se contam também os amigos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Maior foi à caridade de Cristo na sua Paixão do que a malícia dos que o crucificaram. Por isto Cristo pôde satisfazer mais pela sua Paixão, do que ofendê-lo os que o crucificaram e o mataram. Porquanto a Paixão de Cristo foi suficiente e superabundante para satisfazer pelos pecados dos que o mataram.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A dignidade da carne de Cristo não deve ser a validade só pela natureza da carne, mas pela pessoa assumente; isto é, enquanto carne de Deus, donde lhe derivava a dignidade infinita.

Art. 3 — Se a Paixão de Cristo se realizou a modo de sacrifício.

O terceiro discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não se realizou a modo de sacrifício.

1. — Pois, a realidade deve corresponder à figura. Ora, nos sacrifícios da lei antiga, que eram a figura de Cristo, nunca era oferecida a carne humana; ao contrário, esses sacrifícios eram considerados como nefandos, segundo se lê na Escritura: Derramavam o sangue inocente, o sangue de seus filhos e de suas filhas, que haviam sacrificado aos ídolos de Canaam. Logo, parece que a Paixão de Cristo não pode ser chamada sacrifício.

2. Demais. — Agostinho diz que o sacrifício visível é o sacramento, isto é, sacro sinal do sacrifício invisível. Ora, a Paixão de Cristo não é um sinal, mas antes, foi significada por outros sinais. Logo, parece que a Paixão de Cristo não foi um sacrifício.

3. Demais. — Quem quer que ofereça um sacrifício faz algo de sagrado, como o demonstra a palavra mesma de sacrifício. Ora, os que mataram a Cristo nada fizeram de sagrado; ao contrário, perpetraram uma grande malícia. Logo a Paixão de Cristo foi antes um malefício que um sacrifício. Mas, em contrário, o Apóstolo: Entregou-se a si mesmo por nós outros, como oferenda e hóstia a Deus em odor de suavidade.

SOLUÇÃO. — Chama-se sacrifício em sentido próprio o que é feito como uma honra propriamente devida a Deus, com o fim de o aplacar. E por isso diz Agostinho: É verdadeiramente sacrifício toda obra feita com o fim de nos unirmos com Deus numa sociedade santa; isto é, uma obra referida ao fim bom, cuja posse é capaz de nos dar verdadeiramente a felicidade. Ora, Cristo, como no mesmo lugar se acrescenta, se ofereceu a si mesmo a sofrer por nós; e o próprio fato de ter padecido voluntàriamente a sua Paixão foi sobremaneira aceito de Deus, como proveniente de uma caridade máxima. Por onde é manifesto, que a Paixão de Cristo foi um verdadeiro sacrifício. E como Agostinho acrescenta a seguir, no mesmo livro, os sacrifícios primitivos dos santos foram sinais variados e múltiplos desse verdadeiro sacrifício, esse sacrifício único foi simbolizado por numerosos sacrifícios, do mesmo modo que uma mesma realidade é designada por numerosas palavras, a fim de que fosse grandemente recomendado, sem nenhum inútil encarecimento. Mas, continua Agostinho, consideramos quatro elementos num sacrifício: aquele a quem o oferecemos, quem o oferece, o que é oferecido e por quem o é. Assim, o mesmo, só único e verdadeiro mediador, reconciliando-nos com Deus pelo sacrifício da paz, devia permanecer uno com aquele a quem oferecia esse sacrifício, reunir em si, numa unidade, aqueles por quem o oferecia, e ser simultânea e identicamente o oferente e a oferenda.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora a realidade corresponda à figura, de certo modo, não corresponde totalmente, pois, a verdade há de necessàriamente ultrapassar a figura. Por isso e convenientemente a figura deste sacrifício pelo qual a carne de Cristo é oferecida por nós, foi a carne, não dos homens, mas de animais irracionais que significavam a carne de Cristo. A carne de Cristo é o perfeitíssimo dos sacrifícios pelas razões seguintes. Primeiro porque, sendo carne de natureza humana, é convenientemente oferecida pelos homens, que a tomam sob a forma de sacramento. Segundo, porque, sendo passível e mortal, era apta para a imolação. Terceiro, porque, sendo isenta de pecado, tinha a eficiência para purificar dos pecados. Quarto, porque, sendo a carne mesma do oferente, era aceita de Deus por causa da caridade com que a oferecia. Donde o dizer Agostinho: Que oferenda podiam os homens tomar, que lhes fosse mais adaptada, que uma carne humana? Que de mais apto à imolação do que uma carne mortal? Que haveria de mais puro para delir os vícios dos mortais que uma carne nascida sem o contágio da concupiscência carnal, de um ventre e de um ventre virginal? Que poderia ser oferecido e aceito com mais graça que a carne de nosso sacrifício, tornado o corpo de nosso Sacerdote?

RESPOSTA À SEGUNDA. — Agostinho, no lugar aduzido, refere-se aos sacrifícios visíveis figurados. E, contudo a Paixão mesma de Cristo, embora fosse significada por outros sacrifícios figurados, é contudo o sinal de uma realidade que nós devemos guardar, segundo aquilo da Escritura: Havendo pois Cristo padecido na carne, armai-vos também vós outros desta mesma consideração: que aquele que padeceu na carne cessou de pecados; de sorte que o tempo que lhe resta da vida mortal, ele não vive mais segundo as paixões do homem, mas segundo a vontade de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo, relativamente aos que o mataram, foi um malefício; foi porém um sacrifício por parte dele mesmo, que sofreu levado da caridade. Por isso se diz, que quem ofereceu esse sacrifício foi o próprio Cristo e não os que o mataram.

Art. 4 — Se a Paixão de Cristo obrou a nossa salvação a modo de redenção.

O quarto discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não obrou a nossa salvação a modo de redenção.

1. — Pois, ninguém compra ou redime o que nunca deixou de lhe pertencer. Ora, os homens nunca deixaram de ser de Deus, conforme aquilo da Escritura: Do Senhor é a terra e tudo o que a enche, a redondeza da terra e todos os seus habitantes. Logo, parece que Cristo não nos remiu com a sua Paixão.

2. Demais. — Como diz Agostinho, Cristo devia vencer o demônio pela justiça. Ora, a justiça exige, que quem se apoderou dolosamente da coisa alheia deve ser privado dela, porque a ninguém deve aproveitar a fraude e o dolo, como também o exigem as leis humanas. Logo, tendo o diabo enganado e a si subjugado dolosamente o homem, criatura de Deus, parece que não devia o homem ser-lhe arrebatado ao pode por meio da redenção.

3. Demais. — Quem compra ou redime uma coisa paga o preço a quem antes a possuía. Ora, Cristo não pagou o seu sangue, considerado preço da nossa redenção, ao diabo, que nos retinha captívos. Logo, Cristo não nos remiu com a Paixão. Mas, em contrário, a Escritura: Não por ouro nem por prata, que são coisas corruptíveis, haveis sido resgatados da vossa vã conversação que recebestes de vossos pais; mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e sem contaminação alguma. Noutro lugar: Cristo nos remiu da maldição da lei, feito ele mesmo maldição por nós. E dito do Apóstolo — feito maldição por nós — significa que sofreu por nós no madeiro, como antes se disse. Logo, pela sua Paixão nos remiu.

SOLUÇÃO. — Pelo pecado o homem estava escravizado, de dois modos. — Primeiro pela servidão do pecado; pois, todo o que comete pecado é escravo do pecado; e todo o que é vencido é escravo daquele que venceu - como se lê na Escritura. Ora, como o diabo venceu ao homem, induzindo-o ao pecado, o homem foi feito escravo do diabo. — Segundo, quanto ao reato da pena pelo qual o homem estava ligado, segundo a justiça de Deus. E esta também é uma escravidão; pois, é próprio do escravo sofrer o que não quer, ao contrário do homem livre, que pode dispor de si mesmo como quer. Por onde, sendo a Paixão de Cristo uma satisfação suficiente e superabundante pelo pecado e pelo reato do gênero humano, a sua Paixão foi um como preço, pelo qual fomos livrados de uma e outra escravidão. Assim, a satisfação pela qual satisfazemos por nós ou por outrem é considerada um preço pelo qual nos remimos do pecado e da pena, segundo a Escritura: Redime os teus pecados com a esmola. Ora, Cristo satisfez não certo dando dinheiro nem por qualquer forma semelhante, mas dando-se a ele próprio - bem máximo - por nós. Por isso é que se diz ser a Paixão de Cristo a nossa redenção.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — De dois modos dizemos que o homem pertence a Deus. Primeiro, por lhe estar sujeito ao poder. E, neste sentido, o homem nunca deixa de pertencer a Deus, segundo aquilo da Escritura: o Excelso tem debaixo da sua dominação os reinos dos homens e os dá a quem lhe aprazo Noutro sentido, pela união da caridade com ele, segundo o dito do Apóstolo: Se algum não tem o Espírito de Cristo, este tal não é dele. — Ora, do primeiro modo o homem nunca deixou de ser de Deus. Mas, do segundo, o deixa, pelo pecado. Por onde, quando liberado do pecado, pela Paixão satisfaciente de Cristo, dizemos que o homem foi remido pela Paixão de Cristo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O homem, pecando, contraiu uma obrigação tanto para com Deus como para o diabo. Pois, pela culpa, ofendeu a Deus e, sujeitou-se ao diabo, pelo seu consentimento. E assim, em razão da culpa, não se tornou servo de Deus; mas antes, afastando-se doseu serviço, incorreu na servidão do diabo, por justa permissão de Deus, por causa da ofensa contra ele cometida. Mas, quanto à pena, o homem contraiu principalmente uma obrigação para com Deus, como supremo juiz; e para com o diabo, como seu algoz, segundo aquilo do Evangelho: Para que não suceda que o teu adversário te entregue ao juiz e que o juiz te entregue ao seu ministro, isto é, ao anjo cruel da pena, como interpreta Crisóstomo. Embora, pois, o diabo retivesse, injustamente e na medida do seu poder, sob o seu jugo o homem, enganado pela sua fraude, tanto quanto à culpa como quanto à pena, contudo, era justo que isso o homem o sofresse, por permissão de Deus, quanto à culpa, e pela ordem do mesmo Deus, quanto à pena. Por onde, relativamente a Deus, a justiça exigia fosse o homem redimido; não, porém relativamente ao diabo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como a redenção era necessária para a liberação do homem, relativamente a Deus, mas não relativamente ao diabo, o preço não devia ser pago ao diabo, mas a Deus. Por isso, não se diz que Cristo tivesse oferecido ao diabo, mas a Deus o seu sangue, que é o preço da nossa redenção.

Art. 5 — Se ser Redentor é próprio de Cristo.

O quinto discute-se assim. — Parece que ser Redentor não é próprio de Cristo.

1. — Pois, diz a Escritura: Tu me remiste Senhor Deus da Verdade. Ora, Deus da verdade toda a Trindade o é. Logo, não é próprio de Cristo.

2. Demais. — Redime quem paga o preço da redenção. Ora, Deus Padre deu o seu Filho como redentor pelos nossos pecados, segundo a Escritura: O Senhor enviou ao seu povo redenção, isto é, diz a Glosa, Cristo, que dá a redenção aos cativos. Logo, não só Cristo, mas também Deus Padre nos remiu.

3. Demais. — Não só a Paixão de Cristo, mas também a dos outros santos, foi profícua ànossa salvação segundo o Apóstolo: Eu me alegro nas penalidades que sofro por vós e cumpro na minha carne o que resta a padecer a Jesus Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja. Logo, não só Cristo, mas também os outros santos devem ser considerados o Redentor. Mas, em contrário, o Apóstolo: Cristo nos remiu na maldição da lei, feito ele maldição por nós. Ora, só Cristo foi feito maldição por nós. Logo, só ele deve ser considerado nosso Redentor.

SOLUÇÃO. — Para alguém redimir duas condições se requerem: o ato de pagar e o preço pago. Assim, pois, não dizemos que redime principalmente, quem paga, para remir uma coisa, um dinheiro que não é seu, mas de outrem; e antes, o redentor aquele que pagou o preço. Ora, o preço da nossa redenção é o sangue de Cristo, ou a sua vida corpórea, que estava no sangue; e esse preço Cristo mesmo o pagou. Por onde, o ato de pagamento e o preço do pagamento pertenceu imediatamente a Cristo, enquanto homem; mas a toda a Trindade como àcausa primeira e remota, a quem pertencia a vida mesma de Cristo, como primeiro autor dela; e também porque foi a Trindade que inspirou ao homem Cristo sofrer por nós. Por isso ser imediatamente o Redentor é próprio de Cristo, enquanto homem; embora a redenção mesma possa ser atribuída a toda a Trindade como àcausa primeira.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Otexto citado a Glosa assim o expõe: Tu, ó Deus de verdade, me remiste em Cristo, que exclamou: — Nas tuas mãos Senhor entrega o meu espírito. Assim, a redenção pertenceu imediatamente ao homem Cristo; mas, como causa principal dela, a Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O preço da nossa redenção o homem Cristo o pagou imediatamente; mas, por mandado do Pai, como autor primordial.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os sofrimentos dos santos aproveitam à Igreja, não certo a modo de redenção, mas a modo de exemplo e de exortação, segundo aquilo do Apóstolo: Se somos atribulados, para vossa exortação e é salvação.

Art. 6 — Se a Paixão de Cristo obrou a nossa salvação a modo de eficiência.

O sexto discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não obrou a nossa salvação a modo de eficiência.

1. — Pois, a causa eficiente da nossa salvação é a grandeza da virtude divina, segundo aquilo da Escritura: Eis ai está que a mão do Senhor não é abreviada para não poder salvar. Ora, Cristo foi crucificado por enfermidade. Logo, a Paixão de Cristo não obrou eficientemente a nossa salvação.

2. Demais. — Nenhum agente material age eficientemente senão por contato; assim, o próprio Cristo curou o leproso tocando-o, para mostrar que a sua carne tinha uma virtude curativa, como diz Crisóstomo (Teofilacto). Ora, a Paixão de Cristo não podia estar em contato com todos os homens. Logo, não podia obrar eficientemente a salvação de todos.

3. Demais. — Não pode um mesmo agente obrar o modo de mérito e de eficiência; porque quem merece espera receber o efeito, de outrem. Ora, a Paixão de Cristo obrou a nossa salvação a modo de mérito. Logo, não a modo de eficiência. Mas, em contrário, o Apóstolo diz que a palavra da cruz é a virtude de Deus para os que se salvam. Ora, a virtude de Deus obra eficientemente a nossa salvação. Logo, a Paixão de Cristo na cruz obrou eficientemente a nossa salvação.

SOLUÇÃO. — Há uma dupla espécie de eficiência: a principal e a instrumental. Ora, o eficiente principal da salvação humana é Deus. Sendo, porém a humanidade de Cristo o instrumento da divindade, como se disse, por isso e consequentemente, todas as ações e paixões de Cristo obram instrumentalmente, em virtude de divindade, para a salvação humana. E, a esta luz, a Paixão de Cristo causa eficientemente a salvação humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A paixão de Cristo, referida àcarne de Cristo, convinha àenfermidade que assumiu. Referida, porém àdivindade, resulta dela uma virtude infinita, segundo aquilo do Apóstolo: O que parece em Deus uma fraqueza é mais forte que os homens. Isto é, porque a enfermidade mesma de Cristo, enquanto de Deus, tem uma virtude excedente a toda virtude humana.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A Paixão de Cristo, embora fosse a do seu corpo, contudo tem uma virtude espiritual procedente da divindade que lhe estava unida. E desse contato espiritual lhe advém a eficácia; isto é, pela fé e pelos sacramentos da fé, segundo aquilo do Apóstolo: Ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo referida àsua divindade, age a modo de eficiência. Referida, porém àvontade da alma de Cristo, age a modo de mérito, Referida ainda àcarne mesma de Cristo age a modo de satisfação, enquanto que por ela somos liberados do reato da pena; mas a modo de redenção, enquanto por ela somos liberados da servidão da culpa; e enfim a modo de sacrifício, enquanto fomos por ela reconciliados com Deus, como a seguir se dirá.