Em seguida devemos tratar de Cristo enquanto sentado à direita do Pai. E nesta questão discutem-se quatro artigos:
O primeiro discute-se assim. — Parece que não deve Cristo sentar-se à direita de Deus Padre.
1. — Pois, à direita e a esquerda são diferentes posições dos corpos. Ora, a Deus nada de corpóreo convém, como diz o Evangelho. Logo parece que Cristo não está sentado à direita do Pai.
2. Demais. — Quem se assenta àdireita de outrem tem-no a esse à esquerda. Se, pois, Cristo está sentado à direita do Padre resulta que o Padre está sentado àesquerda de Cristo – o que é inconveniente.
3. Demais. — Sentar e estar de pé entre si se opõem. Ora, Estevam diz: Eis estou eu vendo os céus abertos e o Filho do homem que está em pé à direita de Deus. Logo, parece que Cristo não está sentado à direita do Padre. Mas, em contrário, o Evangelho: Na realidade o Senhor Jesus, depois de assim lhes haver falado, foi assunto ao céu, onde está assentado à mão direita de Deus.
SOLUÇÃO. — Pela expressão — estar sentado podemos entender duas coisas: o repouso, segundo aquilo do Evangelho - Ficai de assento na cidade; e também o poder real ou judiciário, segundo aquele outro lugar - O rei que está assentado no seu trono de justiça, dissipa todo o mal só com o seu olhar. Ora, de ambos os modos convém a Cristo estar sentado à direita do Pai. — Primeiro, enquanto permanece eternamente incorruptível na beatitude do Pai, denominada à sua direita, segundo a Escritura: Deleitações à tua direita para sempre. Por isso diz Agostinho: Está sentado à direita do Pai. Estar sentado significa habitar, no sentido em que dizemos de alguém — habita naquela terra há três anos. Por estar, pois, Cristo sentado à direita do Padre, entendei que é bem-aventurado, sendo a dextra do Padre o nome da sua felicidade. - De outro modo dizemos que Cristo está sentado à direita do Pai, porque reina com ele, recebendo dele o seu poder de julgar; assim como quem se senta à direita do rei assiste-o nas suas funções de reinar e julgar. Donde o dizer Agostinho: Pela direita entendei o poder que Cristo homem recebeu de Deus, a fim de vir a julgar quem veio antes a ser julgado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como ensina Damasceno, não supomos um lugar material quando falamos na direita do Pai. Pois, como poderia ocupar a direita, enquanto lugar, aquele que é incircunscriptível? Porque direita e esquerda, materialmente falando, são propriedades dos seres circunscriptíveis. Por onde, o que entendemos pela direita do Padre é a glória e a honra da divindade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção colhe, entendendo-se que Cristo está materialmente sentado à direita do Padre. Por isso diz Agostinho: Se entendermos que Cristo está corporalmente sentado à direita do Pai, então lhe estará à esquerda. Pois, lá, isto é, na bem-aventurança eterna, só há direita, porque não existe aí nenhuma miséria.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz Gregório: Estar sentado é próprio do juiz, ao passo que estar de pé o é de quem combate ou serve. Por isso Estevam, no meio dos trabalhos da luta, viu de pé quem o fortalecia. Marcos, porém refere que o viu sentado depois da ascensão; porque o juiz será visto ao fim, depois da glória da sua ascensão.
O segundo discute-se assim. — Parece que estar sentado à direita do Padre não convém a Cristo enquanto Deus.
1. — Pois Cristo, enquanto Deus é à direita do Padre. Ora, ser a direita de alguém e estar-lhe sentado à direita não é o mesmo. Logo, Cristo, enquanto Deus, não está sentado à direita do Padre.
2. Demais. — O Evangelho diz: O Senhor Jesus foi assunto ao céu onde está sentado à mão direita de Deus. Ora, Cristo não foi assunto do céu enquanto Deus. Logo, também não é como Deus que está sentado à direita de Deus.
3. Demais. — Cristo, enquanto Deus é igual ao Padre e ao Espírito Santo. Logo, se Cristo, enquanto Deus, está sentado à direita do Padre, pela mesma razão o Espírito Santo estará sentado à direita do Pai e do Filho; e o próprio Pai, à direita do Filho. O que não se lê em nenhum lugar da Escritura. Mas, em contrário, diz Damasceno: Chamamos direita do Padre à glória e às honras da divindade, onde o Filho de Deus tem o seu lugar antes de todos os séculos como Deus e consubstancial com o Pai.
SOLUÇÃO. — Como do sobredito se colige, ao vocábulo — direita — podemos atribuir três sentidos: primeiro, conforme Damasceno, a glória da divindade; segundo, de acordo com Agostinho, a beatitude do Padre; terceiro, ainda de acordo com o mesmo, o poder judiciário. Ora, o fato de estar sentado, como se disse, designa uma habitação, ou uma dignidade régia ou judiciária. Por onde, estar sentado à direita do Padre outra causa não é senão participar simultaneamente com ele da glória da divindade, da beatitude e do poder judiciário, e isso de modo imutável e como rei. Ora, isso convém ao Filho enquanto Deus. Por onde, é manifesto que Cristo, enquanto Deus, está sentado àdireita do Padre: contanto que a preposição a, (ad) que é transitiva, signifique a ordem da origem, e não o grau de natureza ou de dignidade, que nenhum existe nas Pessoas divinas, como estabelecemos na Primeira Parte.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Filho de Deus é chamado a direita do Padre em sentido próprio, do mesmo modo por que também é chamado a virtude do Pai. Ora, a direita do Padre, nas três significações supra-referidas, é algo de comum às três Pessoas.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, enquanto homem foi assunto à honra divina, que supõe o fato de estar sentado àdireita do Padre. Contudo, essa honra convém por disposição divina, a Cristo enquanto Deus, não em virtude de qualquer assunção, mas pela origem eterna.
RESPOSTA À TERCEIRA. — De nenhum modo podemos dizer que o Padre está sentado àdireita do Filho ou do Espírito Santo; porque o Filho e o Espírito Santo tiram a sua origem do Pai e não inversamente. Mas o Espírito Santo podemos propriamente dizer, que está sentado à direita do Pai ou do Filho, no sentido referido; embora por uma certa apropriação o estar sentado seja atribuído ao Filho, de quem é próprio a igualdade; porque, como dizAgostinho, ao Padre é própria a unidade, ao Filho a igualdade e ao Espírito Santo a conexão entre a unidade e a igualdade.
O terceiro discute-se assim. — Parece que estar sentado àdireita do Padre não convém a Cristo enquanto homem.
1. — Pois, como diz Damasceno, chamamos direita do Padre à glória e às honras da divindade. Ora, a glória e as honras da divindade não convém a Cristo enquanto homem. Logo parece que Cristo, enquanto homem, não está sentado à direita do Pai.
2. Demais. — O fato de estar sentado àdireita de quem reina parece que exclui a sujeição; porque o sentado àdireita de quem reina de certo modo reina com ele. Ora, Cristo enquanto homem, está sujeito ao Pai, segundo o Apóstolo. Logo, parece que Cristo, enquanto homem, não está sentado à direita do Pai.
3. Demais. — Aquilo do Apóstolo - Que está à mão direita de Deus, diz a Glosa: isto é, igual ao Pai pela honra em virtude da qual o Pai é Deus; ou, à direita do Pai. isto é, participante dos mais elevados dons de Deus. E àquele outro lugar: Está sentado à direita da majestade nas alturas. comenta: isto é. como tendo a igualdade com o Padre. acima de iodos os seres, pelo lugar e pela dignidade. Ora. ser igual a Deus não convém a Cristo enquanto homem, pois nessa qualidade, ele próprio o disse: O Pai é maior do que eu. Logo, parece que estar sentado à direita do Pai não convém a Cristo enquanto homem. Mas, em contrário, diz Agostinho: Pela direita entendei o poder que tinha Cristo, recebido de Deus, pelo qual virá a julgar, ele que viera para ser julgado.
SOLUÇÃO. — Como dissemos pela direita do Padre entende-se ou a glória mesma de Cristo, ou a sua bem-aventurança eterna ou o seu poder judiciário e real. Pois a preposição - a - designa de certo modo o acesso à direita, o que implica a conveniência com uma certa distinção, como se disse. O que de três modos pode ser. — Primeiro, sendo a conveniência da natureza e a distinção da pessoa. E assim, Cristo, como Filho de Deus está sentado àdireita do Padre porque tem a mesma natureza que ele. Por onde, a conveniência e a distinção referidas cabem essencialmente tanto ao Filho como ao Pai. E isso é ter o Filho a igualdade com o Pai. — De outro modo, pela graça da união; e esta implica, ao inverso, a distinção de natureza e a unidade de pessoa. E, por aí, Cristo, enquanto homem, é o Filho de Deus e, por consequência, está sentado àdireita do Pai; mas de modo que a expressão enquanto não designe a condição da natureza, mas a unidade do suposto como já expusemos. — Em terceiro sentido, o referido acesso pode ser entendido segundo a graça habitual, mais abundante em Cristo que em todas as demais criaturas por ter a natureza humana de Cristo, em si mesma maior beatitude que a das outras criaturas: e por ter ainda sobre todas o poder real e judiciário. Assim, pois, a expressão enquanto, designando a condição da natureza, Cristo, enquanto Deus, está sentado à direita do Padre, isto é, tem igualdade com o Padre. Mas, enquanto homem, está sentado àdireita do Padre, isto é, participa dos bens paternos mais elevados que os de todas as criaturas, isto é, tem uma beatitude maior e exerce o poder judiciário. Se porém — enquanto — designa a unidade de suposto, então também, enquanto homem, está sentado à direita do Padre, pela igualdade de honras, isto é, enquanto que em nossa veneração atribuímos as mesmas honras ao Filho de Deus e à natureza assumida como dissemos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A humanidade de Cristo, segundo as condições da sua natureza, não tem a glória ou as honras da divindade; tem-nas porém, em razão da pessoa a que está unida. Por isso Damasceno acrescenta no mesmo lugar: Dela, isto é, da glória da divindade, o Filho de Deus frui, antes de todos os séculos, enquanto Deus; e, com a sua carne glorificada, está sentado à dextra do Pai com quem é consubstancial. Assim, todas as criaturas lhe atribuem a mesma adoração, como Deus e homem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, enquanto homem está sujeito ao Padre, designando - enquanto - a condição da natureza. E, assim não lhe cabe estar sentado à direita do Padre, por uma razão de igualdade que, como homem, não lhe assiste. Mas, cabe-lhe estar sentado à direita do Padre, entendendo-se por isso a excelência de beatitude e o seu poder judiciário sobre todas as criaturas.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Fruir da igualdade com o Padre não convém à natureza humana de Cristo em si mesma, senão só à pessoa assumente. Mas, participar dos dons mais elevados de Deus, enquanto excedentes às demais criaturas, isso o pode a natureza assumida, em si mesma.
O quarto discute-se assim. — Parece que estar sentado à direita do Padre não é próprio de Cristo.
1. — Pois, diz o Apóstolo: Deus nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus com Jesus Cristo. Ora, ser ressuscitado não convém a Cristo. Logo, nem, pela mesma razão, estar sentado à direita de Deus, nas alturas.
2. Demais. — Como diz Agostinho, o estar Cristo sentado à direita do Padre é participar-lhe da beatitude. Ora isso o podem muitas criaturas. Logo, parece que estar sentado à direita do Padre não é próprio de Cristo.
3. Demais. — O próprio Cristo disse: Aquele que vencer eu o farei assentar comigo no meu trono, assim como eu mesmo, também depois que venci, me assentei igualmente com meu Pai no seu trono. Ora, Cristo está sentado à direita do Padre por lhe estar sentado no trono. Logo, também os outros que vencem estão sentados à direita do Padre.
4. Demais. — O Senhor diz: Terdes assento à minha mão direita ou à esquerda não me pertence a mim o dar-vo-lo, mas isso é para quem está preparado por meu Pai. Ora, tê-Ia-ia dito em vão se isso a ninguém estivesse preparado. Logo, estar sentado à direita do Padre não convém só a Cristo. Mas, em contrário, o Apóstolo pergunta: A qual dos anjos disse alguma vez - Senta-te àminha direita, isto é, participa dos meus melhores bens, ou se o meu igual pela divindade? E como que responde: A nenhum. Ora, os anjos são superiores às outras criaturas. Logo, com maior razão, a ninguém mais, senão a Cristo, convém ter assento à direita do Pai.
SOLUÇÃO. — Como explicamos, dizemos que Cristo está sentado à direita do Padre, por ser igual a ele, pela sua natureza divina; e, pela sua natureza humana, frui de modo excelente, mais que qualquer outra criatura, dos bens divinos. Ora, uma e outra causa só a Cristo compete. Por onde, ninguém mais, nem anjo nem homem, pode sentar-se à direita do Padre, senão Cristo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Sendo Cristo a nossa cabeça, tudo o que lhe é conferido, também a nós o é por meio dele. E por isso, tendo já ressuscitado, diz o Apóstolo que de certo modo nos ressuscitou consigo, que contudo ainda não ressuscitamos, mas havemos de ressuscitar, segundo aquilo do Apóstolo: Aquele que ressuscitou dos mortos a Jesus Cristo também dará vida aos vossos corpos mortais. E, conforme do mesmo modo de exprimir-se, acrescenta que nos fez assentar nos céus, isto é, pelo fato mesmo de aí estar sentado Cristo, nossa cabeça.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Sendo a direita a felicidade divina, estar sentado àdireita não significa somente gozar da felicidade mas fruí-la, de certo modo com poder dominical, como própria e natural. O que só a Cristo convém, e a nenhuma outra criatura. — Podemos porém dizer, quetodo santo que goza da bem-aventurança está constituído à direita de Deus. Por isso diz o Evangelho: Porá as ovelhas àdireita.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Trono, no lugar aduzido, significa o poder judiciário que Cristo tem, do Padre. E nesse sentido se diz que está sentado no trono do Pai. Os outros santos, porém, recebem o poder judiciário, de Cristo. E nessa acepção se diz que estão sentados no trono de Cristo conforme aquilo do Evangelho: Bastareis sentados sobre doze tronos e julgareis as doze tribos de Israel.
RESPOSTA À QUARTA. — Como explica Crisóstomo, esse lugar, isto é, o de quem está sentado à direita, é inacessível a todos, não só aos homens, mas também aos anjos. Pois, Paulo nos mostra o privilégio do Unigênito quando pergunta: A qual dos anjos disse alguma vez - senta-te à minha direita? O Senhor, assim, responde para condescender à suplicação dos que o interrogavam, e não que houvesse certos que haveriam de se assentar à direita do Padre. Pois, o que só pediam era ocupar ao lado dele lugar superior aos dos outros. - Mas também podemos dizer, que os filhos de Zebedeu pediam terem maior excelência que os outros, por participarem do poder judiciário de Cristo. E assim, não pediam os fizesse sentar à direita ou à esquerda do Padre, mas à direita ou à esquerda de Cristo.