Suma Teológica

Summa Theologiae Quaestiones

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Quaestiones
tertia pars Q.68 →

Dos que recebem o batismo

Em seguida devemos tratar dos que recebem o batismo. E nesta questão discutem-se doze artigos:

Art. 1 — Se todos estão obrigados a receber o batismo.

O primeiro discute-se assim. — Parece que nem todos estão obrigados a receber o batismo.

1. — Pois, Cristo não veio dificultar aos homens a salvação. Ora, antes do advento de Cristo os homens podiam salvar-se sem o batismo. Logo, também depois do advento de Cristo.

2. Demais. — O batismo foi instituído sobretudo, como remédio ao pecado original. Ora, o batizado, não tendo pecado original, não pode transmiti-lo aos filhos. Logo, os filhos dos batizados parece que não devem ser batizados.

3. Demais. — O batismo é conferido para que, pela graça, sejamos purificados do pecado. Ora, isso o conseguem os que foram santificados no ventre materno, sem batismo. Logo, esses não estão obrigados a receber o batismo. Mas em contrário, o Evangelho: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus. E no livro De Eccl. dogmatibus: Cremos que o caminho da salvação é aberto só aos batizados.

SOLUÇÃO. — Estamos obrigados ao batismo, sem o que não podemos alcançar a salvação. Ora, é manifesto que ninguém pode alcançar a salvação senão por Cristo. Donde o dizer o Apóstolo: Assim como pela desobediência de um só homem foram muitos feitos pecadores, assim também pela obediência de um só, muitos se tornaram justos. Ora, o batismo é conferido para que, regenerados por ele, nos incorporemos com Cristo, tornando-nos membros dele. Por isso diz o Apóstolo: Todos os que fostes batizados em Cristo revestiste-vos de Cristo. Por onde é manifesto que todos estão obrigados ao batismo e sem ele não nos podemos salvar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Nunca os homens puderam salvar-se, mesmo antes da vinda de Cristo, sem se tornarem seus membros. Porque, como diz a Escritura, nenhum outro nome foi dado aos homens pela qual nós devamos ser salvos. Ora, antes da vinda de Cristo, os homens se incorporavam com Cristo pela fé no seu futuro advento; e dessa fé a circuncisão era o sinal, como diz o Apóstolo. Mas antes de ser instituída a circuncisão, só pela fé, no dizer de Gregório, com a oferenda de sacrifícios, pelos quais os antigos Patriarcas manifestavam a sua fé, os homens eram incorporados com Cristo. E também depois do advento de Cristo, os homens se incorporavam com ele pela fé, segundo aquilo do Apóstolo: Para que Cristo habite pela fé em vossos corações. Mas, a fé numa realidade presente se manifesta por um sinal diferente do com que se manifestava quando era futura, assim como por palavras diferentes significamos o presente, o pretérito e o futuro. Por onde, embora o sacramento mesmo do batismo nem sempre fosse necessário à salvação, contudo a fé, da qual o batismo é o sacramento, sempre foi necessária.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como se disse na segunda Parte, os batizados são renovados pelo batismo, em espírito; o corpo porem permanece sujeito à vetustez do pecado conforme àquilo do Apóstolo: O corpo verdadeiramente está morto pelo pecado, mas o espírito vive pela justificação. E por isso, como Agostinho o prova, não é batizado tudo quanto há no homem. Ora, é manifesto, que o homem não gera carnalmente, segundo o espírito, mas segundo a carne. Por onde, os filhos dos batizados nascem com o pecado original, e portanto, precisam ser batizados.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os santificados no ventre materno alcançam por certo a graça que purifica do pecado original; nem por isso, contudo, recebem o caráter pelo qual se configuram com Cristo. Por onde, quem agora fosse santificado no ventre materno teria necessidade de ser batizado a fim de, tendo recebido o caráter, conformar-se com os outros membros de Cristo.

Art. 2 — Se nos podemos salvar sem batismo.

O segundo discute-se assim. — Parece que sem batismo ninguém pode salvar-se.

1. — Pois, diz o Senhor: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus. Ora, só se salvam os que entram no reino de Deus. Logo, ninguém pode salvar-se sem o batismo que nos regenera pela água e pelo Espírito Santo.

2. Demais. — Foi dito: Cremos que nenhum catecúmeno, embora morto com boas obras, alcança a vida eterna, exceto pelo martírio, que dá a plenitude à virtude do sacramento do batismo. Ora, se alguém pudesse salvar-se sem batismo, seriam sobretudo os catecúmenos que praticaram boas obras, possuidores da fé que obra por caridade. Logo, parece que sem batismo ninguém pode salvar-se.

3. Demais. — Como se disse, o sacramento do batismo é necessário à salvação. Ora, necessário é aquilo sem o que uma coisa não pode existir, como diz Aristóteles. Logo, parece que sem batismo ninguém pode alcançar a salvação. Mas, em contrário, Agostinho: Certos receberam, e com proveito, a santificação invisível, fora dos sacramentos visíveis; mas a santificação visível, que opera o sacramento visível, pode ser conferida, embora não aproveite sem a santificação invisível. Ora, o sacramento do batismo, sendo uma santificação visível, sem ele ninguém pode alcançar a santificação, pela santificação invisível.

SOLUÇÃO. — O sacramento do batismo pode faltar-nos de dois modos. - Primeiro realmente e por vontade, como no caso dos que não foram batizados nem querem sê-lo. E isso implica manifesto desprezo do sacramento, nos que têm o uso do livre arbítrio. Portanto, aqueles que não receberam o batismo por essa razão não podem salvar-se; pois, nem mental nem sacramentalmente estão incorporados com Cristo, causa única da salvação. - De outro modo, pode alguém não ter recebido o sacramento do batismo, realmente, mas não por desejo. Tal o caso de quem, desejando ser batizado, é tomado de improviso pela morte, antes de receber o batismo. Mas esse pode alcançar a salvação, sem ter sido batizado, por causa do desejo do batismo, procedente da fé que obra por caridade, pela qual Deus nos santifica interiormente pela caridade. Por isso diz Ambrósio, de Valentiniano, morto catecúmeno: Perdi a quem deveria ser regenerado; mas ele não perdeu a graça que pediu.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz a Escritura, o homem vê o que está patente, mas o Senhor olha para o coração. Ora, quem deseja pelo batismo ser regenerado pela água e pelo Espírito Santo, é por certo regenerado de coração, embora não corporalmente. Assim, diz o Apóstolo: A circuncisão do coração é no espírito, não segundo a letra; cujo louvor não vem dos homens, senão de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Ninguém chega à vida eterna, senão absolvido de toda culpa e reato da pena. E essa absolvição universal é efeito do batismo e do martírio. Por isso se diz que o martírio dá a plenitude a todas a ação sacramental do batismo, isto é, quanto à plena libertação da culpa e da pena. O catecúmeno, pois que tiver o desejo do batismo - porque do contrário não morreria com boas obras - que não podem existir sem a fé que obra por caridade, esse, morrendo, não chega logo à vida eterna, mas sofrerá as penas pelos pecados passados. Mas o tal será salvo, se bem desta maneira como por intervenção do fogo, diz o Apóstolo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Dissemos que o batismo é de necessidade para a salvação, no sentido em que ninguém pode se salvar sem ao menos ter disso o desejo, o que Deus considera uma realidade (Agost.)

Art. 3 — Se o batismo deve ser diferido.

O terceiro discute-se assim. — Parece que o batismo deve ser diferido.

1. — Pois, Leão Papa diz: Dois tempos - o da Páscoa e o de Pentecostes - foram legalmente estabelecidos pelo Romano Pontífice, para batizar. Por isso advertimos a vossa Dilecção, não confirais esse sacramento em nenhum outro tempo. Logo, parece que não se deve batizar ninguém logo, mas diferir o batismo até os tempos preditos.

2. Demais. — O Concílio Agatense dispõe: Os judeus, cuja perfídia frequentemente volta ao vômito, se quiserem viver dentro das leis católicas, permaneçam com os catecúmenos oito meses, no limiar da Igreja; e se se reconhecer que vêm de boa fé, enfim mereçam a graça do batismo. Logo, ninguém deve ser batizado logo, mas o batismo deve ser diferido até certo tempo.

3. Demais. — Diz a Escritura: Todo este fruto se reduz a que seja tirado o pecado. Ora, o pecado se tira melhor e mesmo diminui, se o batismo for diferido longamente. Primeiro, porque os que pecam depois do batismo pecam mais gravemente, segundo aquilo do Apóstolo: Quanto maiores tormentos credes que merece o que tiver em conta de profano o sangue do testamento em que foi santificado, pelo batismo? Segundo, porque o batismo dele os pecados passados, mas não os futuros; portanto, quanto mais for diferido, tanto mais pecados apagará. Logo parece que o batismo deve ser diferido o mais possível. Mas, em contrário, a Escritura: Não tardes em te converter ao Senhor e não o difiras de dia em dia. Ora; a perfeita conversão para Deus é a dos regenerados em Cristo pelo batismo. Logo o batismo não deve ser diferido de um dia para outro.

SOLUÇÃO. — Nesta matéria devemos distinguir se se trata de batismo de infantes ou de adultos. Assim, se o batizando é uma criança, não deve o batismo ser diferido. - Primeiro, porque não se pode esperar de crianças uma instrução maior ou uma conversão mais plena. - Segundo, por causa do perigo de morte: pois, não se lhe pode dar nenhum outro remédio senão o do sacramento do batismo. Ao passo que os adultos podem supri-lo pelo batismo de desejo, como se disse. Por isso, aos adultos não se lhes deve conferir o batismo logo depois da conversão, mas é mister diferi-lo ate certo tempo. - Primeiro, para cautela da Igreja: Não vá enganar-se conferindo o sacramento aos que o recebem simuladamente, segundo aquilo do Evangelho: Não creiais a todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus. E essa prova se tira dos que se achegam ao batismo, quando se lhes examinam durante algum tempo a fé e os costumes. - Segundo tal é necessário para utilidade dos batizados, que precisam de um espaço de tempo para serem plenamente instruídos na fé e exercitados nas práticas da vida cristã. - Terceiro, é necessário por uma certa reverência para com o sacramento; assim, a admissão ao batismo nas solenidades mais principais, da Páscoa e de Pentecostes, faz com que seja recebido mais devotadamente o sacramento. Mas essa dilação deve ser posta de parte por duas razões. - Primeiro, quando os que vão ser batizados mostram-se perfeitamente instruídos na fé e aptos para o batismo; assim Filipe batizou imediatamente o Eunuco e Pedro, a Cornélio e aos seus companheiros, como refere a Escritura. - Segundo, por enfermidade ou em perigo de morte. Por isso Leão Papa diz: Os acometidos pela morte, pela doença, pela guerra, pela perseguição ou em perigo de naufrágio devem ser batizados sem consideração de tempo. Quanto aos que, esperando o tempo instituído pela Igreja, foram salteados pela morte, a ponto de lhes ser impossível receber o batismo esses se salvam, embora pelo fogo, como dissemos. Pecam porem se dilatarem a recepção do batismo além do tempo instituído pela Igreja, a não ser por uma causa necessária e com licença dos prelados da Igreja. Contudo esse pecado pode ser delido com os outros pela subsequente contrição, que faz as vezes do batismo, como dissemos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Esse mandamento de Leão Papa, sobre a observância dos dois tempos, para o batismo, entende-se dos adultos, salvo em perigo de morte, que sempre se deve temer nas crianças, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa disposição sobre os judeus a Igreja a estabeleceu como cautela, a fim de não corromperem a fé dos simples se não se converterem plenamente. E contudo como no mesmo lugar se aconselha, se antes do tempo prescrito correm perigo de alguma doença, devem ser batizados.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O batismo pela graça que confere, não só dele os pecados passados, mas também nos impede de cometer os futuros. Pois, o que sobretudo é pura desejar é que os homens não pequem; depois, que os pecados sejam menos graves e que sejam delidos, segundo aquilo da Escritura: Filhinhos meus, eu vos escrevo estas causas para que não pequeis; mas se algum ainda pecar, temos como advogado para com o Padre a Jesus Cristo justo; porque ele é a propiciação pelos nossos pecados.

Art. 4 — Se os pecadores devem ser batizados.

O quarto discute-se assim. Parece que os pecadores devem ser batizados.

1. — Pois, diz a Escritura: Naqueles dias haverá uma fonte patente para a casa de Davi e os habitantes de Jerusalém, para se lavarem nela as imundícias do pecador e da mulher menstruada - o que se entende da fonte batismal. Logo parece que o sacramento do batismo deve ser conferido também aos pecadores.

2. Demais. — O Senhor diz: Os sãos não têm necessidade de médico mas sim os enfermos. Ora, os pecadores são enfermos. Logo, sendo o batismo o remédio do médico espiritual que é Cristo parece que aos pecadores deve ser conferido o sacramento do batismo.

3. Demais. — Os pecadores não devem ser privados de nenhum socorro. Ora, os pecadores batizados, têm um socorro espiritual no próprio caráter batismal, que é uma certa disposição para a graça. Logo, parece que aos pecadores se deve conferir o sacramento do batismo. Mas, em contrário, Agostinho: Quem te fez sem ti não te justificará sem ti. Ora, o pecador, não tendo a vontade disposta, não coopera com Deus. Logo, em vão se lhe confere o batismo para a sua justificação.

SOLUÇÃO. — De dois modos pode um ser pecador. Ou pela mácula e o reato passado. E então deve-se conferir o sacramento do batismo aos pecadores, pois, foi para isso especialmente instituído, para purificá-los das suas misérias, segundo aquilo do Apóstolo: Para a purificar, isto é, a Igreja, no batismo de água pela palavra da vida. Noutro sentido pode um ser considerado pecador pela vontade de pecar com o propósito de perseverar no pecado. E, a tais pecadores não se lhes deve conferir o sacramento do batismo. Primeiro, porque pelo batismo nos encorporamos com Cristo, segundo aquilo do Apóstolo: Todos os que fostes batizados em Cristo revestistes-vos de Cristo. Ora, enquanto alguém está na vontade de pecar, não pode estar unido a Cristo, segundo aquilo do Apóstolo: Que união pode haver entre a justiça e a iniquidade? Por isso diz Agostinho: Ninguém que esteja de posse do livre arbítrio pode começar uma vida nova sem se arrepender da antiga. - Segundo, porque em matéria de obras de Cristo e da Igreja nada devemos fazer em vão. E vão é o que não consegue o fim visado. Portanto, quem está na vontade de pecar não pode simultaneamente purificar-se do pecado, que é o fim do batismo; pois isso seria querer a existência simultânea dos contraditórios. - Terceiro, porque os sinais sacramentais não devem encerrar nenhuma falsidade. E é falso o sinal a que não corresponde à realidade significada. Ora, quem vai lavar-se nas águas do batismo dá a entender que se dispõe à ablução interior; o que não se dá com quem está no propósito de persistir no pecado. Por onde é manifesto que a tais não deve ser conferido o sacramento do batismo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essa autoridade deve ser entendida dos pecadores que têm a vontade de deixar o pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, médico espiritual, obra de dois modos. De um modo, interiormente e por si mesmo. E assim prepara a vontade do homem a querer o bem e a odiar o mal. - De outro modo, obra pelos seus ministros, conferindo exteriormente os sacramentos. E assim dá a perfeição ao que foi externamente começado. Por onde, o sacramento do batismo não deve ser conferido senão a quem manifesta algum sinal de conversão interior; assim como não se dá remédio a um doente senão enquanto manifesta algum movimento de natureza vital

RESPOSTA À TERCEIRA. — O batismo é o sacramento da fé. Ora, a fé informe não basta à salvação, nem é mesmo o fundamento desta. Mas só a fé informada, que obra por caridade, como diz Agostinho. Por onde nem o sacramento do batismo pode conferir a salvação, se existe a vontade de pecar, que exclui a forma da fé. Pois, pela impressão do caráter batismal não se dispõe à graça quem manifesta a vontade de pecar. Porque Deus não compele ninguém à virtude, como diz Damasceno.

Art. 5 — Se aos pecadores batizados se lhes devem impor obras satisfatórias.

O quinto discute-se assim. — Parece que aos pecadores batizados se lhes devem impor obras satisfatórias.

1. — Pois, a justiça de Deus requer a punição do pecador, pelo seu pecado, conforme a Escritura: De tudo quanto se comete fará Deus dar no seu juízo. Ora, as obras satisfatórias são impostas aos pecadores como penas dos pecados passados. Logo, parece que aos pecadores batizados se lhes devem impor obras satisfatórias.

2. Demais. — Pelas obras satisfatórias os pecadores recém-convertidos se exercitam na justiça, livrando- se das ocasiões de pecar; pois, satisfazer é destruir as causas dos pecados e não mais lhes dar entrada. Ora, isto sobretudo é o necessário aos recém-batizados. Logo, parece que aos batiza dos se lhes deve impor obras satisfatórias.

3. Demais. — Não devemos satisfazer menos a Deus que ao próximo. Ora, aos recém-batizados se lhes impõe a satisfação pelos próximos, que lesaram. Logo, também se lhes deve impor que satisfaçam a Deus pelas obras de penitência. Mas, em contrário, Ambrósio, aquilo do Apóstolo - Os dons e a vocação de Deus são imutáveis - diz: A graça de Deus no batismo não requer gemidos nem prantos, nem qualquer obra; mas só a fé e tudo dá gratuitamente.

SOLUÇÃO. — Como diz o Apóstolo, todos os que fomos batizados em Cristo fomos batizados na sua morte; porque nós fomos sepultados com ele para morrer ao pecado pelo batismo. De modo que pelo batismo nós nos incorporamos com a morte mesma de Cristo. Ora, é manifesto pelo sobredito que a morte de Cristo foi suficientemente satisfatória pelos pecados, não só nossos, mas também de todo o mundo, como diz o Evangelho. Portanto ao batizado não se lhe deve impor, por quaisquer pecados, nenhuma satisfação. Pois isso seria fazer injúria à paixão e à morte de Cristo, como se ela não fosse suficiente à plenária satisfação pelos pecados dos batizados.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Agostinho, o valor do batismo está em incorporar os batizados com Cristo e torná-los seus membros. Por isso a pena mesma sofrida por Cristo foi satisfatória pelos pecados dos batizados, assim como a pena de um membro pode ser satisfatória pelo pecado de outro. Donde o dizer a Escritura: Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os recém-batizados devem exercitar-se na justiça, mas por obras fáceis e não por obras penais, a fim de, começando pelo como leite de um fácil exercício, chegarem à prática da perfeição, conforme o diz a Glosa àquilo da Escritura: Como o menino apartado já do leite da mãe. Por isso o Senhor excusou do jejum os seus discípulos recém-convertidos, como o refere o Evangelho. E é o que diz a Escritura: Como meninos recém-nascidos desejai o leite racional, sem dolo, para com ele crescerdes para a salvação.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Restituir o que se retirou aos próximos indevidamente e dar-lhes satisfação pelas injustiças contra eles cometidas é cessar de pecar. Pois, o fato mesmo de reter o alheio e não satisfazer ao próximo lesado é pecado. Por isso, aos pecadores batizados se lhes deve impor que satisfaçam aos próximos assim como que deixem de pecar. Não se lhes deve impor porém nenhuma pena, a sofrer pelos pecados passados.

Art. 6 — Se os pecadores que se apresentam ao batismo devem confessar os seus pecados.

O sexto discute-se assim. — Parece que os pecadores, que se apresentam ao batismo, devem confessar os seus pecados.

1. — Pois, diz o Evangelho, que muitos, confessando os seus pecados, eram batizados no Jordão por João. Ora, o batismo de Cristo é mais perfeito que o de João. Logo, com muito maior razão, os batizados pelo batismo de Cristo devem confessar os seus pecados.

2. Demais. — A Escritura diz: Aquele que esconde as suas maldades não será bem sucedido; aquele porém que as confessar e retirar delas alcançará misericórdia. Ora, somos batizados para alcançar misericórdia pelos nossos pecados. Logo, os batizados devem confessar os seus pecados.

3. Demais. — A penitência é necessária antes do batismo, segundo o diz a Escritura: Fazei penitência e cada um de vós seja batizado. Ora, a confissão faz parte da penitência. Logo, parece que a confissão dos pecados é necessária antes do batismo. Mas, em contrário a confissão dos pecadores deve ser acompanhada de lágrimas. Assim, diz Agostinho: Toda esta inconstância deve ser confessada e chorada. Ora, como diz Ambrósio (Anón.), a graça de Deus no batismo não requer gemidos nem prantos. Logo, aos que vão ser batizados não se exige a confissão dos pecados.

SOLUÇÃO. — Dupla é a confissão dos pecados. - Uma, interior, feita a Deus. E essa é necessária antes do batismo, de modo que, repassando os nossos pecados deles nos arrependemos. Pois, não pode começar vida nova quem não faz penitência da vida passada, como diz Agostinho. Outra: porém, é a confissão exterior dos pecados, feita ao sacerdote. E essa não é necessária antes do batismo. - Primeiro, porque essa confissão, sendo feita ao ministro, pertence ao sacramento da penitência; o que não é requerido antes do batismo, porta de todos os sacramentos. - Segundo porque a confissão exterior feita ao sacerdote tem por fim a absolvição dos pecados dada por ele ao confitente, ao mesmo tempo que o adstringe às obras satisfatórias, as quais não se devem impor aos que vão ser batizados, como dissemos. Nem além disso os batizados precisam da remissão dos pecados pelas chaves da Igreja, pois, a eles tudo fica perdoado pelo batismo. - Terceiro, porque a própria confissão feita particularmente a um homem é penosa, por causa da vergonha do confitente. Ora, ao batizado não se lhe impõe nenhuma pena exterior. Portanto, não devem eles fazer uma confissão especial dos pecados; mas basta a geral, que fazem quando, segundo o rito da Igreja, renunciam a Satanás e a todas as suas obras. E deste modo, diz uma Glosa de Mateus, que batismo de João dá aos que vão ser batizados exemplo da confissão dos pecados e da promessa de melhor vida. - Mas, se quem se apresenta ao batismo quiser por devoção confessar os pecados, devia-se-lhe ouvir a confissão; não para que se lhes impusesse uma satisfação, mas para se lhe dar direção espiritual a fim de combaterem os pecados habituais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O batismo de João não perdoava os pecados, mas era um batismo de penitência. Por isso os que iam receber esse batismo convenientemente confessavam os pecados, a fim de, segundo a qualidade destes, se lhes determinar a penitência. Ao passo que o batismo de Cristo não tem nenhuma penitência exterior, como diz Ambrósia. Logo, o símile não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Aos batizados basta a confissão interior feita a Deus e também a exterior geral, para receberem a direção e alcançarem misericórdia. Nem é necessária uma confissão exterior especial, como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A confissão faz parte da penitência sacramental e não é necessária antes do batismo, como dissemos, mas é necessária a virtude da penitência interna.

Art. 7 — Se da parte do batizado é necessário a intenção de receber o sacramento do batismo.

O sétimo discute-se assim. — Parece que da parte do batizado não é necessária a intenção de receber o sacramento do batismo.

1. — Pois, o batizado se comporta como paciente no sacramento. Ora, a intenção é necessária da parte do agente e não da do paciente. Logo, parece que da parte do batizado não é necessária a intenção de receber o batismo.

2. Demais. — Se se omitir um elemento essencial do batismo, por exemplo, a invocação trinitária é preciso renovar o batismo como se disse. Ora, ninguém deve ser rebatizado por não ter tido a intenção de receber o batismo. Do contrário, como não se pode julgar da intenção do batizado, qualquer poderia pedir que, por falta de intenção, se lhe reiterasse o batismo. Logo, parece que não é necessária a intenção, da parte do batizado, para receber o batismo.

3. Demais. — O batismo é remédio contra o pecado original. Ora, o pecado original se contrai sem intenção do nascido. Logo, parece que o batismo não requer a intenção, por parte do batizado. Mas, em contrário, segundo o rito da Igreja os que se apresentam ao batismo confessam que o pedem à Igreja. E assim revelam a intenção de recebê-lo.

SOLUÇÃO. — Pelo batismo morremos à vida passada do pecado e começamos vida nova, segundo aquilo do Apóstolo: Nós fomos sepultados com Cristo para morrer ao pecado pelo batismo; para que como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Padre, assim também nós andemos em novidade de vida. Portanto, assim como para morrermos à vida passada é necessária, em quem tem o uso do livre arbítrio, segundo Agostinho, a vontade pela qual se arrependa da antiga vida, assim também é necessária a vontade de começar uma vida nova, cujo princípio é o fato mesmo de receber o sacramento. Por isso, da parte do batizado, é necessária à vontade ou a intenção de receber o sacramento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Na justificação pelo batismo a paixão não é coacta, mas voluntária. Por isso é necessária a intenção de receber o que é dado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O adulto que não tivesse a intenção de receber o batismo devia ser rebatizado. Se porém não se lhe soubesse da intenção se lhe deveria dizer: Se não és batizado eu te batizo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O batismo não só é um remédio contra o pecado original, mas também contra os atuais, causados pela vontade e pela intenção.

Art. 8 — Se a fé é necessária da parte do batizado.

O oitavo discute-se assim. — Parece que a fé é necessária da parte do batizado.

1. Pois, o sacramento do batismo foi instituído por Cristo. Ora, Cristo, quando determinou a forma do batismo, exigiu antes a fé: Quem crer e for batizado será salvo. Logo, parece que sem fé não pode haver batismo.

2. Demais. — Nada há de vão nos sacramentos da Igreja. Ora, segundo o rito da Igreja, quem recebe o batismo é interrogado sobre a fé, quando se lhe pergunta: Crês em Deus Padre omnipotente? Logo, parece que a fé é necessária ao batismo.

3. Demais. — Para o batismo é necessária a intenção de receber o sacramento. Ora, isso se não pode dar e sem uma fé perfeita, por ser o batismo o sacramento dessa fé, pois nos incorpora com Cristo, como diz Agostinho. O que não é possível sem tal fé, segundo aquilo do Apóstolo: Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações. Logo, quem não tem fé perfeita não pode receber o sacramento do batismo.

4. Demais. — A infidelidade é um gravíssimo pecado, como se estabeleceu na Segunda Parte. Ora, os que perseveram no pecado não devem ser batizados. Logo, nem os que perseveram na infidelidade. Mas, em contrário, Gregório, escrevendo ao Bispo Quirino, diz: Sabemos pela instituição dos antigos patriarcas que os batizados pelos heréticos o nome da Trindade, quando voltarem ao seio da Igreja devem ser nela recebidos pela unção da crisma ou pela imposição das mãos ou pela só profissão da fé. Ora, isso não se daria se a fé fosse a fé necessária para receber o batismo.

SOLUÇÃO. — Como do sobre dito se colhe, dois efeitos causa o batismo na alma: o caráter e a graça. Logo duas necessidades incluem o batismo. A do que é indispensável para se obter a graça, que é o efeito último do sacramento; e deste modo a fé perfeita é necessária ao batismo; porque, como diz o Apóstolo, a justiça de Deus é infundida pela fé de Jesus Cristo - A outra é a sem a qual o caráter do batismo não pode ser impresso. E assim, a fé perfeita do batizado não é necessàriamente exigida para receber o batismo, como nem a fé perfeita de quem batiza, contanto que se realizem as outras condições necessárias para o sacramento Pois, este não se perfaz pela justiça de quem o confere nem do que o recebe, mas por virtude de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Senhor se refere ao batismo enquanto nos conduz à salvação pela graça justificante, o que não pode ser sem a fé perfeita. Por isso diz sinaladamente: Quem crê e for batizado será salvo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A Igreja confere o batismo com a intenção de nos purificar do pecado, segundo aquilo da Escritura: Todo este fruto se reduz a que seja tirado o seu pecado. Por onde da sua parte, não tem a intenção de conferir o batismo senão aos de fé perfeita, sem a qual não há perdão dos pecados. E por isso interroga aos que se apresentam ao batismo, se crêem. Quem receber porem o batismo sem fé perfeita, fora da Igreja, não o recebe para sua salvação. Por isso diz Agostinho: A comparação da Igreja com o Paraíso nos indica que mesmo os que não lhe pertencem ao grêmio podem receber o batismo, mas ninguém pode fora dela receber nem conservar a beatitude.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Mesmos os que não têm uma fé verdadeira em relação aos outros artigos, podem tê-la sobre o sacramento do batismo; o que, pois, não os impede tenham a intenção de receber esse sacramento. Mas se mesmo sobre esse não tivessem uma fé esclarecida, basta para recebê-lo a intenção geral de o fazer, como o instituiu Cristo e o ensina a Igreja.

RESPOSTA À QUARTA. — Assim como o sacramento do batismo não deve ser conferido a quem não quiser deixar o pecado, assim também não o deve a quem não quiser abandonar a infidelidade. Ambos, porém, receberão o sacramento se lhes for conferido, mas não para salvação.

Art. 9 — Se as crianças devem ser batizadas.

O nono discute-se assim. — Parece que não devem as crianças ser batizadas.

1. — Pois, de quem se apresenta ao batismo exige-se a intenção de recebê-lo, como se disse. Ora, tal intenção não na podem ter as crianças, que não têm o uso do livre arbítrio. Logo, parece que não podem receber o sacramento do batismo.

2. Demais. — O batismo é o sacramento da fé, como se disse. Ora, as crianças não têm fé, que consiste na vontade do crente, como diz Agostinho. Nem se pode dizer que se salvem pela fé dos pais; pois estes às vezes são infiéis e, então, seriam antes condenadas pela infidelidade deles. Logo, parece que as crianças não podem ser batizadas.

3. Demais. — A Escritura diz: O batismo nos salva; não a purificação das imundícies da carne, mas a promessa da boa consciência para com Deus. Ora, as crianças, não tendo o uso da razão, não têm consciência boa nem má; nem podem ser convenientemente interrogados por não terem compreensão. Logo, as crianças não devem ser batizadas. Mas, em contrário, diz Dionísio: Os nossos divinos chefes, isto é, os Apóstolos aprovaram que as crianças recebessem o batismo.

SOLUÇÃO. — Como diz o Apóstolo se pelo pecado de um reinou a morte por um só homem, isto é, por Adão, muito mais reinarão em vida por um só, que é Jesus Cristo, os que recebem abundância da graça e do dom e da justiça. Ora, as crianças, pelo pecado de Adão, contraem o pecado original, como o mostra o fato de estarem sujeitos à morte que, pelo pecado do primeiro homem passou para todos, na linguagem do Apóstolo. Logo, com muito maior razão, podem elas, mediante Cristo, receber a graça, para reinarem na vida eterna. Pois, o próprio Senhor diz: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus. Por isso é necessário batizá-las, para que, assim como por Adão incorreram na condenação ao nascer, assim, renascendo, consigam a salvação por Cristo. - É também conveniente sejam as crianças batiza das a fim de, educa das desde a puerícía nas verdades da vida cristã mais firmemente nela perseverem - segundo aquilo da Escritura: O homem, segundo o caminho que tomou sendo mancebo, dele se não apartará, ainda quando for velho. E essa razão a apresenta Dionísio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — - A regeneração espiritual produzida pelo batismo, é de certo modo semelhante à natividade carnal. Pois, assim como as crianças, formadas no ventre materno, não se nutrem por si mesmas, mas se sustentam da nutrição materna, assim também as que ainda não têm o uso da razão, como se fossem constituídas no ventre da madre Igreja, alcançam a salvação, não por si mesmas, mas por ato da Igreja. Donde o dizer Agostinho: A Madre Igreja deixa os seus filhinhos se servirem da sua boca maternal, para que se abeberem dos sagrados mistérios; pois, ainda não podem crer de próprio coração na justiça, nem por boca própria confessar a fé, para se salvarem. Se porém podem ser chamados fiéis por proclamarem de certo modo a sua fé pela boca de quem os traz no seu seio, por que não podem também ser considerados como penitentes, pois, por essa mesma boca, mostraram ter renunciado ao diabo e a este mundo? E pela mesma razão podemos dizer que têm intenção, não por ato próprio, pois, às vezes se lhe opõem e choram, mas pelo ato de quem os apresenta.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, escrevendo a Bonifácio, na Igreja do Salvador, as crianças crêem pelos outros, como pelos outros é que contraíram os pecados de que os livra o batismo. Nem lhes impede a salvação o fato de serem os pais infiéis. Pois, como diz Agostinho, escrevendo ao mesmo Bonifácio, as crianças são apresentadas a receberem a graça espiritual, não tanto pelos que os carregam nos braços (embora também por eles, se forem bons fiéis), como por toda a sociedade dos santos e dos fiéis. E temos razão de crer que os apresentam todos aqueles a quem é agradável que sejam oferecidos e por cuja caridade são admitido à comunhão do Espírito Santo. Quanto à infidelidade mesma dos pais, mesmo se depois do batismo dos filhos se esforçarem pelos iniciar no culto dos demônios, ela não prejudica aos filhos. Pois, como diz Agostinho no mesmo lugar, a criança, uma vez gerada por vontade alheia, não pode depois ficar adstrita ao vínculo da alheia iniquidade, a que de nenhum modo deu o consentimento da sua vontade, segundo aquilo da Escritura assim como é minha a alma do pai, assim também o é a da filha, a alma que pecar, essa morrerá. E se a alma contraiu de Adão a mácula de que o pecado há de lavar, é que ela não vivia ainda por si mesma. Ora a fé de um só, antes, de toda a Igreja, aproveita a criança por obra do Espírito Santo, que une a Igreja e comunica o bem de um aos outros.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como a criança batizada não crê por si mesma, mas por outrem, assim não por si mesma, mas por outrem é interrogada; e os interrogados confessam a fé da Igreja· na pessoa da criança, a qual é a ela incorporada pelo sacramento da fé. Quanto à boa consciência a criança a tem por si mesma, não certo em ato, mas por hábito pela graça justificante.

Art. 10 — Se os filhos dos judeus ou de outros infiéis devem ser batizados, mesmo contra a vontade dos pais.

O décimo discute-se assim. — Parece que os filhos dos judeus ou de outros infiéis devem ser batizados, mesmo contra a vontade dos pais.

1. — Pois, o homem deve ser preservado, antes contra o perigo da morte eterna, que contra o da morte temporal. Ora, a criança em perigo de morte temporal, deve ser preservada, mesmo se por malícia os pais a isso se opuserem. Logo, com maior razão, deve-se preservar às crianças filhos dos infiéis, pelo batismo, contra o perigo de morte eterna, mesmo contra a vontade dos pais.

2. Demais. — Os filhos dos escravos são servos e estão sob o poder do senhor. Ora, os judeus são escravos dos reis e dos príncipes, bem como quaisquer outros infiéis. Logo, sem nenhuma injustiça podem os príncipes fazer batizar os filhos dos judeus ou de outros escravos infiéis.

3. Demais. — Qualquer homem pertence mais a Deus, de quem recebeu a alma, do que do pai carnal, de quem recebeu o corpo. Logo, não é injusto tirar as crianças, filhos de infiéis, aos pais carnais, para as consagrar a Deus pelo batismo. Mas, em contrário, uma Decretal assim dispõe: O santo Sínodo, ordena que, no futuro, nenhum judeu sela compelido por força a crer, pois, não devem ser salvos contra a vontade, mas se o quiserem, para ser integral a forma da justiça.

SOLUÇÃO. — As crianças, filhos de infiéis, ou têm ou não têm o uso da razão. - Se a têm, já então, no concernente ao direito divino natural começam a depender de si mesmas. E portanto, podem, por vontade própria e contra a dos pais, receber o batismo, bem como contrair matrimônio. E portanto, podem licitamente ser advertidas e induzidas a receber o batismo. - Se porém não têm ainda o uso do livre arbítrio, estão por direito natural sujeitas à direção dos pais, enquanto não puderem se bastar a si mesmos. Por isso se diz que os filhos dos antigos se salvavam na fé dos pais. Seria portanto contra a justiça natural se essas crianças fossem batizadas contra a vontade dos pais, como o seria batizar contra a vontade a quem tem o uso da razão. Alem disso seria perigoso batizar desse modo os filhos dos infiéis, pois facilmente voltariam à infidelidade, pelo afeto natural para com os pais. Por isso, a Igreja não tem o costume de batizar os filhos dos infiéis contra a vontade destes.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Ninguém deve ser subtraído à condenação à morte, contra as exigências da lei civil; assim, o condenado à morte pelo juiz competente ninguém o deve livrar dela com violência. Por onde, ninguém deve violar a ordem do direito natural, pelo qual o filho está sob o poder do pai, a fim de o arrancar ao perigo da morte eterna.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os judeus são escravos dos príncipes por uma servidão civil, não exclusiva ela ordem do direito natural ou divino.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O homem se ordena a Deus pela razão, pela qual pode conhecê-lo. Por isso, a criança, antes do uso da razão, ordena-se naturalmente para Deus pela razão dos pais, de quem por natureza depender. E é a disposição deles que indica como se deve agir com ela no concernente às coisas divinas.

Art. 11 — Se se deve batizar as crianças ainda no ventre materno.

O undécimo discute-se assim. — Parece que se deve batizar as crianças ainda no ventre materno.

1. — Pois, mais eficaz é o dom de Cristo para a nossa salvação que o pecado de Adão para nos condenar, como diz o Apóstolo. Ora, as crianças ainda no ventre materno são condenadas por causa do pecado de Adão. Logo e muito mais, podem se salvar pelo dom de Cristo.

2. Demais. — A criança ainda no ventre materno faz parte da mãe. Ora batizada a mãe, tudo o nela existente está batizado. Logo, batizada a mãe estará batizada a criança existente no ventre.

3. Demais. — A morte eterna é pior que a do corpo. Ora, de dois males devemos escolher o menor. Se, pois, a criança no ventre materno não pode ser batizada, melhor seria abrir o ventre e extrair a criança do que deixá-la condenar-se eternamente, morrendo sem batismo.

4. Demais. — Acontece às vezes uma parte da criança nascer primeiro. Assim, lemos na Escritura: No parto de Tamar, na mesma ação de parir os meninos, um deitou fora a mão, na qual a parteira atou uma fita encarnada, dizendo - este sairá primeiro. Porém, recolhendo ele a mão, saiu o outro. Outras vezes é iminente em tal caso o perigo de morte. Logo, parece dever ser batizada a parte susceptível de atingir- se, embora a criança esteja ainda no ventre materno. Mas, em contrário, diz Agostinho: Ninguém renasce senão depois de haver nascido. Ora, o batismo é de certo modo um renascimento espiritual. Logo, ninguém deve ser batizado antes de nascer do ventre.

SOLUÇÃO. — Para o batismo ser válido é necessário ser o corpo do batizando de certo modo abluído com água, pois, o batismo é uma ablução, como se disse. Ora, o corpo da criança, antes de nascer do ventre materno, não pode receber a ablução da água; salvo se se disser que a ablução batismal, lavando o ventre materno, atinge o filho nele existente. Mas isto não pode ser, quer por ser a alma da criança, a cuja santificação se ordena o batismo, distinta da alma da mãe; quer por ser o corpo da criança animada já formado e por consequência distinto do corpo da mãe. E portanto o batismo recebido pela mãe não redunda em benefício do filho existente no ventre. Por isso diz Agostinho: Se se considera o feto como pertencendo à mãe a ponto de fazer parte dela, tendo esta sido já batizada, a criança não deve ser batizada mesmo se, durante a gravidez, sobrevier perigo de morte. Como entretanto costuma-se batizar a criança, é por não fazer parte da mãe, mesmo enquanto ainda no ventre. Donde se conclui que de nenhum modo as crianças ainda existentes no ventre materno podem ser batizadas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As crianças existentes no ventre materno ainda não vieram à luz, para fazer parte da sociedade humana. Não podem portanto estar sujeitas à ação dos homens de modo a receberem por ministério deles, os sacramentos da salvação. Podem, porém sofrer a ação de Deus, junto de quem vivem, de modo a conseguirem a santificação por um privilégio da graça; tal o caso dos santificados no ventre materno.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os órgãos internos da mãe fazem parte dela pela continuidade e unidade da parte material com o todo. Mas, o feto existente no ventre da mãe faz parte desta por uma ligação de dois corpos distintos. Logo, a comparação não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não façamos males para que venham bens, diz o Apóstolo. Logo, não se deve matar a mãe para batizar o filho. Se porém, morta a mãe, ainda lhe sobrevive o filho no ventre, deve este ser aberto e a criança batizada.

RESPOSTA À QUARTA. — É preciso esperar a total expulsão do filho do ventre materno, para batizá-lo, salvo se houver perigo de morte. Se porém se mostrar primeiro a cabeça, sede de todos os sentidos, deve-se batizar, em perigo de morte; nem se reiterará o batismo, se vier a criança a nascer perfeita. E se deve fazer o mesmo seja qual for a parte que nasça primeiro, havendo perigo de morte. Como porem a integridade da vida em nenhum dos membros externos se manifesta como na cabeça, certos opinam que, na dúvida, seja qual for a parte do corpo em que se tiver feito a ablução, a criança deve, depois de totalmente nascida, ser batizada sob esta forma: Se não és batizada, eu te batizo, etc.

Art. 12 — Se os loucos e os dementes devem ser batizados.

O duodécimo discute-se assim. — Parece que os loucos e os dementes não devem ser batizados.

1. — Pois, quem vai ser batizado deve ter a intenção de receber o batismo, como se disse. Ora, os loucos e os dementes, não tendo o uso da razão, não podem ter senão uma intenção desordenada. Logo, não devem ser batizados.

2. Demais. — O homem supera os brutos por ter o uso da razão. Ora, os loucos e os dementes não têm esse uso; e às vezes nem mesmo se pode esperar que o venham a ter, como sabemos que o terão as crianças. Logo, não podendo os irracionais ser batizados, também não o devem ser os loucos e os dementes.

3. Demais. — Mais privados estão do uso da razão os loucos e os dementes que os adormecidos. Ora, não se costuma conferir o batismo aos adormecidos. Logo, não deve ser também conferido aos loucos e aos furiosos. Mas, em contrário, Agostinho refere o caso de ter sido batizado um amigo seu, de quem se tinha desesperado. E contudo, o batismo nele foi válido. Logo, aos sem o uso da razão o batismo deve ser às vezes conferido.

SOLUÇÃO. — Sobre os loucos e os dementes é necessário distinguir. Certos o são de nascença, sem nenhum intervalo lúcido, não manifestando nenhum uso da razão. E esses, quanto ao recebimento do batismo, devemos tratá-los do mesmo modo que as crianças, batizados na fé da Igreja, como se disse. - outros, porém, são dementes, caídos nesse estado depois de terem tido o uso da razão. E a esses devemos tratá-los levando em conta a vontade que tinham quando eram sãos. Assim, se então manifestaram a vontade de receber o batismo, devemos ministrá-lo, quando loucos mesmo se a isso opuserem resistência. Ao contrário, se antes nunca manifestaram a vontade de o receber, quando estavam em juízo perfeito, não devem ser batizados. - Outros há, porém, loucos ou dementes de nascença, dotados contudo de certos intervalos lúcidos, podendo então usar bem da razão se, pois, num desses intervalos quiserem ser batizados, podem sê-lo mesmo quando em estado de loucura; e há dever de lhe conferir o sacramento, estando em caso de perigo; do contrário é melhor esperar o tempo da lucidez, a fim de receberem o batismo com maior devoção. Se, porém, no intervalo de lucidez, não manifestarem o desejo do batismo, não devem ser batizados quando caírem de novo na loucura. Outros há ainda que, embora não sendo totalmente sãos de mente, têm o uso suficiente da razão para poderem pensar na salvação e compreender a virtude do sacramento. E com esses devemos proceder como com os sãos: batizá-los, se o quiserem; mas não, se forem contrários.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os loucos, que nunca tiveram o uso da razão, são batizados de acordo com a intenção da Igreja, assim como por ato da Igreja crêem e fazem penitência, tal como dissemos a respeito das crianças. Os que porém em certo tempo tiveram ou têm o uso da razão são batizados conforme a intenção própria que têm ou tiveram quando estavam sãos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os loucos e os dementes estão privados acidentalmente do uso da razão, isto é, por insuficiência de algum órgão corpóreo; não porem por deficiência da alma racional, como é o caso dos brutos. Logo, a comparação não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os adormecidos não devem ser batizados senão em perigo de morte iminente. E então devem ser batizados, se antes manifestaram o desejo de o ser, como o dissemos a propósito dos loucos. Assim, Agostinho conta, de um seu amigo, que foi batizado sem o saber, por estar em perigo de morte.