Suma Teológica

Summa Theologiae Quaestiones

Questões

Quaestiones
tertia pars Q.79 →

Dos efeitos deste sacramento

Em seguida devemos tratar dos efeitos deste sacramento. E nesta questão discutem-se oito artigos:

Art. 1 — Se este sacramento confere a graça.

O primeiro discute-se assim. — Parece que este sacramento não confere a graça.

1. — Pois, este sacramento é uma nutrição espiritual. Ora, nutrição não se dá senão ao ser vivo. Mas, a vida espiritual, provindo da graça. não pode receber este sacramento senão quem está em graça. Logo, este sacramento não confere a graça a quem ainda não a tem. Semelhantemente, nem vem aumentar a graça, porque o crescimento espiritual é efeito do sacramento da confirmação, como se disse. Logo, este sacramento não confere a graça.

2. Demais. — Este sacramento é conferido a modo de uma como refeição espiritual. Ora, a refeição espiritual implica antes no uso, que na conservação da graça. Logo, parece que este sacramento não confere a graça.

3. Demais. — Como dissemos, neste sacramento é oferecido o corpo de Cristo, para saúde do corpo, e o sangue para saúde da alma. Ora, não o corpo, mas a alma é o sujeito da graça, como se estabeleceu na Segunda Parte. Logo, pelo menos, quanto ao corpo, este sacramento não confere a graça. Mas, em contrário, diz o Senhor: O pão que eu darei é a minha carne, para ser a vida do mundo. Ora, a vida espiritual provém da graça. Logo, este sacramento confere a graça.

SOLUÇÃO. — O efeito deste sacramento deve ser considerado, primária e principalmente, pelo que nele se contém, que é Cristo. O qual, assim como vindo visivelmente ao mundo, deu ao mundo a vida da graça, segundo àquilo do Evangelho — A graça e a verdade foram trazidas por Jesus Cristo; assim também, dando-se-nos sacramentalmente obra em nós a vida da graça, segundo aquilo do Evangelho - O que me come a mim, esse mesmo também viverá por mim. Donde o dizer Cirilo: O verbo vivificante de Deus, unindo-se a si mesmo à nossa carne, tornou-a vivificante. Pois, era-lhe decente unir-se de certo modo dos nossos corpos pela sua carne e pelo seu precioso sangue, que recebemos sob a forma de pão e de vinho, depois da consagração vivificante. Secundariamente, o seu efeito é considerado no que este sacramento representa, o saber, a paixão de Cristo, como se disse. E assim, o efeito produzido para o mundo pela paixão de Cristo, este sacramento o produz em nós. Por isso, aquilo do Evangelho — Imediatamente saiu sangue é água, diz Crisóstomo: Como dai tiveram origem os sagrados mistérios, quando amares o tremendo cálice, fá-lo como se o bebesses do lado mesmo de Cristo. Por isso o próprio Senhor disse: Este é o meu sangue, que será derramado por muito para remissão de pecados. Em terceiro lugar, o efeito deste sacramento é considerado quanto ao modo pelo qual é dado, a saber, a modo de comida e bebida. Por onde, todo o efeito produzido pela comida e pela bebida materiais, quanto à vida do corpo, que é sustentá-lo, fazê-lo crescer; separá-lo e deleitá-lo, todo ele produz este sacramento para a vida espiritual. Por isso, diz Ambrósio: Este é o pão da vida eterna; que sustenta a substância da nossa alma. E Crisóstomo: Dá-se-nos aos que o desejamos, a ser tocado, comido e abraçado. Por onde o próprio Senhor diz: A minha carne verdadeiramente é comida e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Em quarto lugar, o efeito deste sacramento é considerado relativamente às espécies, sob as quais é dado. Por isso, Agostinho diz no mesmo lugar: Nosso Senhor quis usar, para que se transformassem no seu sangue, de coisas que constituem uma unidade formada de muitos elementos. Pois uma — o pão, é unidade constituída de muitos grãos; a outra — o vinho é unidade formada da confluência de muitos. Donde o dizer ele ainda, em outro lugar: O sacramento da piedade, o sinal da unidade, o vínculo da caridade. E sendo Cristo e a sua paixão a causa da graça, e não podendo haver nutrição e caridade espiritual sem graça, de tudo o que dissemos é manifesto, que este sacramento confere a graça.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Este sacramento tem por si mesmo o poder de conferir a graça. Nem há quem tenha a graça antes de recebê-lo, a não ser que disso tenha o desejo, ou por si mesmo - como os adultos, ou por desejo da Igreja - como as crianças, segundo dissemos. Por onde, já é eficácia da sua virtude, que pelo desejo desse sacramento alcancemos a graça, que nos vivifica espiritualmente. Resta, pois, que, ao recebermos realmente o sacramento, a graça aumenta em nós, e a vida espiritual se aperfeiçoa. Mas de modo diferente do que pelo sacramento da confirmação, que nos faz crescer e aperfeiçoar na graça, para arrostar os ataques exteriores dos inimigos de Cristo. Pois, este sacramento nos aumenta a graça e aperfeiçoa a vida espiritual, para em nós mesmos levamos uma existência perfeita, pela união com Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Este sacramento confere a graça espiritualmente, com a virtude da caridade. Por isso Damasceno o compara a brasa que Isaias viu; pois, a brasa não é simples lenha, mas unida ao jogo; assim também o pão da comunhão não é simples pão, mais unido à divindade. Porque como diz Gregório, na homília de Pentecostes, o amor de Deus não é ocioso; e. quando existe em nós obra grandes causas. Por onde, este sacramento tem por si mesmo o poder de nos conferir, não só o hábito da graça e da virtude, mas também o de nos levar a ação, segundo aquilo do Apóstolo: O amor de Cristo nos constrange. Donde vem que, por virtude deste sacramento, a alma se nutre espiritualmente deleitando-se e de certo modo inebriando-se com a doçura da bondade divina. segundo àquilo da Eucaristia: Comei, amigos e bebei e embriagai-vos, caríssimos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os sacramentos, obrando conforme a semelhança que significam, por uma certa assimilação dizemos, que neste sacramento o corpo é oferecido para saúde do corpo; e o sangue, para saúde da alma. Embora o corpo e o sangue operem a saúde do corpo e da alma. pois sob ambas as espécies está Cristo totalmente, como dissemos. E embora não seja o corpo o sujeito imediato da graça, contudo da alma, o efeito da graça redunda no corpo, enquanto que na vida presente os nossos membros como os instrumentos da justiça os oferecemos a Deus, na frase do Apóstolo. E na vida futura o nosso corpo participará da incorrupção e da glória da alma.

Art. 2 — Se o efeito deste sacramento é fazer-nos alcançar a glória.

O segundo discute-se assim. — Parece não ser efeito deste sacramento fazer-nos alcançar a glória.

1. — Pois, o efeito é proporcionado à causa. Ora, este sacramento é próprio dos que viandamos neste mundo, chamando-se por isso viático. Ora, não sendo as viandantes capazes ainda da glória, parece que este sacramento não nos faz alcançar a glória.

2. Demais. — Posta a causa suficiente, resulta o efeito. Ora, muitos recebem este sacramento que nunca chegarão à glória, como o diz Agostinho. Logo, este sacramento não é causa de alcançarmos a glória.

3. Demais. — O mais não pode ser produzido pelo menos, pois a ação de nenhum ser lhe ultrapassa a espécie. Ora, é menos receber a Cristo sob uma espécie alheia, como o recebemos neste sacramento, do que gozá-lo na sua espécie própria, o que constitui a glória. Logo, este sacramento não nos faz alcançar a glória. Mas, em contrário, o Evangelho: Se qualquer comer deste pão viverá eternamente. Ora, a vida eterna é a vida da glória. Logo, o efeito deste sacramento é fazer-nos alcançar a glória.

SOLUÇÃO. — Duas coisas podemos considerar neste sacramento. A causa do efeito, a saber, o próprio Cristo nele contido, e a sua paixão representada. E o meio pelo qual alcançamos o efeito, a saber, a recepção do sacramento e das suas espécies. E, de ambos os modos este sacramento é apto a fazer-nos alcançar a vida eterna. Pois, quanto a Cristo, ele próprio pela sua paixão franqueou-nos a entrada da vida eterna, segundo àquilo do Apóstolo: É mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte, recebam a promessa da herança eterna os que tem sido chamado. Por isso a forma desse sacramento reza: Este é o cálice do meu sangue, do novo e eterno Testamento. - Semelhantemente, também a nutrição da comida espiritual e a unidade, significada pelas espécies do pão e do vinho temo- las por certo nesta vida, mas imperfeitamente; perfeitamente, porém os teremos na vida da glória. Por isso Agostinho, aquilo do Evangelho - A minha carne é verdadeiramente comida diz: Os homens buscamos o comer e o beber para saciarmos a fome e a sede, mas isso só o produz verdadeiramente esta comida e esta bebida, tornando imortais e incorruptíveis os que o tomamos e fazendo-nos entrar na sociedade dos santos, onde haverá paz e unidade plena e perfeita.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — — A paixão de Cristo, por cuja virtude obra este sacramento, é por certo a causa eficiente da glória. não porém de modo que nele nos faça entrar imediatamente, pois devemos primeiro padecer com ele, para que depois sejamos com ele glorificados. Assim também, este sacramento não nos introduz imediatamente na glória. mas nos dá o poder de a ela chegarmos. Por isso se chama viático. E como figura dele lemos na Escritura, que Elias comeu e bebeu e com o vigor daquela comida caminhou quarenta dias e quarenta noites até o monte de Deus, Horeb.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como a paixão de Cristo não produz efeito naqueles. que não estão para com ela na disposição devida, assim também por este sacramento não alcançam a glória os que o recebem indignamente. Por isso Agostinho, expondo aquelas palavras do Evangelho - Comeram o maná e morreram - diz: Uma coisa é o Sacramento e outra, a virtude do sacramento. Muitos se achegam ao altar e dele recebem a morte. Por onde, comei espiritualmente o pão celeste, aproximando-vos do altar vestidos de inocência. Por isso nada há para admirar, se os que não conservam a inocência não recebem o efeito deste sacramento.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O ser Cristo recebido sob espécie alheia, resulta da natureza co sacramento, que atua instrumentalmente. Ora, nada impede uma causa instrumental produzir um efeito mais amplo, como dissemos.

Art. 3 — Se o efeito deste sacramento é a remissão do pecado mortal.

O terceiro discute-se assim. — Parece que o efeito deste sacramento é a remissão do pecado mortal.

1. — Pois, reza uma coleta: Seja este sacramento a ablução dos crimes. Ora, crimes se chamam os pecados mortais. Logo, este sacramento lava dos pecados mortais.

2. Demais. — Este sacramento age em virtude da paixão de Cristo, como o batismo. Ora, pelo batismo se perdoam os pecados mortais, como se disse. Logo, também por este sacramento; sobretudo que a sua forma diz - Que será derramado por muitos para remissão dos pecados.

3. Demais. — Este sacramento confere a graça, como se deve. Ora, a graça nos justifica dos pecados mortais, segundo àquilo do Apóstolo: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça. Logo, por este sacramento se remitem os pecados mortais. Mas, em contrário, o Apóstolo: Todo aquele que come e bebe indignamente, come e bebe para si a condenação. O que a Glosa comenta: Aquele come e bebe indignamente, que vive no crime ou o trata com irreverência o sacramento; e esse come e bebe para si o juízo, isto é, a condenação. Logo, quem está em pecado mortal, recebendo este sacramento, aumenta ainda o seu pecado. em lugar de alcançar a remissão dele.

SOLUÇÃO. — A virtude deste sacramento pode ser considerada a dupla luz. – Primeiro, em si mesmo. E então tem o poder de remitir quaisquer pecados, em virtude da paixão de Cristo, fonte e causa do perdão dos pecados. - Segundo, relativamente a quem recebe este sacramento, conforme está ou não impedido de o fazer. Assim, quem tem consciência de estar em pecado mortal traz em si um impedimento de alcançar o efeito deste sacramento, por não estar em condições de o receber convenientemente. Quer por não viver espiritualmente e, portanto, não digno de um alimento espiritual, de que só quem vive o é. Quer por não poder unir-se com Cristo - efeito deste sacramento, pois tem o afeto de pecar mortalmente. E por isso se diz, que se no coração se aninha o afeto ao pecado, o ato de receber a Eucaristia antes o agrava do que purifica dele. Por onde, este sacramento não produz a remissão do pecado em quem o recebe com a consciência do pecado mortal. Pode porém este sacramento obrar a remissão dos pecados de dois modos. - De um modo, quando não é recebido realmente, mas só em desejo; tal o caso de quem foi primeiro justificado do pecado. - de outro, quando recebido mesmo por quem está em estado de pecado mortal, mas do qual não tem a consciência nem nela põe o seu afeto. Pois, talvez não foi antes suficientemente contrito; mas, achegando-se ao sacramento com devoção e reverência, consegue por ele a graça da caridade, que tornará íntegra o contrição e a remissão do pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Pedimos que este sacramento nos seja a ablução dos crimes, ou de aqueles de que não temos consciência, segundo aquilo da Escritura: Purifica-me dos meus pecados ocultos, Senhor. Ou para que se nos inteire a contrição para a remissão dos pecados. Ou ainda para nos ser concedida a força de os evitar.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O batismo é uma geração espiritual, consistente na mudança do não ser espiritual para o ser espiritual; e é conferido a modo de ablução. Por onde, relativamente a mudança como à ablução não se apresenta inconvenientemente ao batismo que tem a consciência de estar em pecado mortal. Ao passo que neste sacramento recebemos a Cristo como nutrimento espiritual; e isso não é possível a quem está morto pelos pecados. Logo, a comparação não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça é causa suficiente da remissão do pecado mortal; mas não o remite senão depois de tê-la o pecador recebido. Ora, este sacramento não confere tal graça. Logo, a objeção não colhe.

Art. 4 — Se por este sacramento se perdoam os pecados veniais.

O quarto discute- se assim. — Parece que por este sacramento não se perdoam os pecados veniais.

1. — Pois, este sacramento, no dizer de Agostinho, é o sacramento da caridade. Ora, os pecados veniais não contrariam a caridade, conforme se estabeleceu na Segunda Parte. Logo, como os contrários entre si se repelem, parece que os pecados veniais não são perdoados por este sacramento.

2. Demais. — Se os pecados veniais fossem perdoados por este sacramento, da mesma razão se perdoaria um como se perdoariam todos. Ora, parece que todos não se perdoariam porque então seria frequente estarmos sem nenhum pecado venial, contra o dito do Evangelho: Se dissermos que estamos sem pecado nós mesmos nos enganamos. Logo, por este sacramento são perdoados só alguns pecados veniais.

3. Demais. — Os contrários mutualmente se repelem. Ora, os pecados veniais não impedem de receber este sacramento. Assim, Agostinho, aquilo do Evangelho - Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram - diz: Apresentai-vos ao altar vestidos de inocência; pois, os pecados, ainda quotidianos, não são mortais. Logo, nem os pecados veniais são delidos por este sacramento. Mas, em contrário, diz lnocêncio III: Este sacramento dele os pecados veniais e fortifica contra os mortais.

SOLUÇÃO. — Duas coisas podemos considerar neste sacramento; o sacramento mesmo e a sua realidade. E de ambos resulta a sua virtude de remitir os pecados veniais. Pois, este sacramento é recebido sob a espécie de uma comida nutritiva. Ora, a nutrição pela comida é necessária para refazer o calor natural quotidianamente perdido pelo nosso corpo. Assim também, espiritualmente cada dia perdemos, pelos pecados veniais, do calor da concupiscência, que diminuem o fervor da caridade, como na Segunda Parte estabelecemos. Por onde, é próprio deste sacramento remitir-nos os pecados veniais. Por isso diz Ambrósio, que este pão quotidiano nós o comemos, como remédio de uma quotidiana enfermidade. - Quanto à realidade deste sacramento, é a caridade, não só habitual como também atual, que ele desperta; pelo que os pecados veniais são delidos. Por onde é manifesto, que este sacramento tem a virtude de delir os pecados veniais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os pecados veniais, embora não contrariem ao hábito da caridade, contrariam-lhe contudo, o fervor do ato, excitado por este sacramento. Em razão do que, os pecados veniais são delidos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras citadas não devem entender-se no sentido em que não possamos, em nenhum tempo, estar sem o reato do pecado venial; mas como significando que esta vida os santos não o passam, sem pecados veniais.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Maior é o poder da caridade, da qual é este sacramento, que o dos pecados veniais. Pois um ato de caridade dele os pecados veniais, que contudo, não no podem impedir totalmente. E o mesmo se dá com este sacramento.

Art. 5 — Se este sacramento remite totalmente a pena do pecado.

O quinto discute-se assim. — Parece que este sacramento remite totalmente a pena do pecado.

1. — Pois, por este sacramento, assim como pelo batismo, recebemos em nós o efeito da paixão de Cristo, conforme se disse: - Ora, pelo batismo recebemos a remissão total da pena, em virtude da paixão de Cristo, que satisfaz suficientemente por todos os pecados, como do sobredito se colhe. Logo, parece que por este sacramento é-nos remitido totalmente o reato da pena.

2. Demais. — Alexandre Papa (I) diz: Nenhum sacrifício pode ser maior que o do corpo e do sangue de Cristo. Ora, pelos sacrifícios da Lei Velha o homem satisfazia pelos seus pecados. Assim, diz a Escritura: Se o homem pecar, que ofereça (isto ou aquilo) por seu pecado, e será perdoado. Logo, com maior razão, este sacramento tem o poder de remitir totalmente a pena.

3. Demais. — Sabemos que por este sacramento é remitida em parte o reato da pena; por isso é imposta a certos a satisfação de mandar celebrar missas por si. Ora, pela razão por que é remitida uma parte da pena, por essa mesma o será outra; pois, a virtude de Cristo contida no sacramento é infinita. Logo, parece que por este sacramento é totalmente perdoada a pena. Mas, em contrário, se assim fosse, não se devia impor a ninguém nenhuma pena, como não se impõe ao batizado.

SOLUÇÃO. — Este sacramento é simultaneamente sacrifício e sacramento. Mas, tem natureza de sacrifício, quando oferecido, e de sacramento, quando recebido. Por onde, produz o efeito de sacramento em quem o receber e o de sacrifício, em quem o oferecer, ou nos por quem é oferecido. Se, pois, o consideramos como sacramento, produz duplo efeito - um, direto, por força de sacramento; outro, quase por certa concomitância, como o dissemos acerca do conteúdo do sacramento. Por força do sacramento, produz diretamente o efeito para que foi instituído. Ora, não foi instituído para satisfazer; mas para nos nutrir espiritualmente pela união com Cristo e os seus membros, como·a nutrição fica unida ao nutrido. Mas, operando-se essa união pela caridade, por cujo poder alcançamos a remissão tanto da culpa como da pena, daí resulta por consequência e por concomitância com o efeito principal, o alcançarmos, não a remissão total da pena, mas uma remissão relativa a intensidade da nossa devoção e fervor. Por outro lado, enquanto sacrifício tem uma virtude satisfativa. Ora, na satisfação levamos em conta, antes o afeto do oferente, que a quantidade da oblação. Por isso o senhor disse da viúva que ofereceu dois dinheiros, que deu mais que todos. Embora pois, esta oblação baste quantitativamente a satisfazer por toda pena, contudo é satisfatória para aqueles por quem é oferecida; ou também para os oferentes, conforme a intensidade da sua devoção, e não pela totalidade da pena.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O sacramento do batismo se ordena diretamente à remissão da pena e da culpa; não porém a Eucaristia. Porque quando recebemos o batismo como que morremos com Cristo; a Eucaristia porém, por assim dizer nos nutre e aperfeiçoa, por Cristo. Por onde, o símile não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Esses sacrifícios e oblações não operam a remissão total da pena, nem quanto à quantidade do oferecido - como a Eucaristia, nem quanto à devoção do sujeito Donde resulta que também por aí não se livra totalmente da pena.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O ser perdoada parte da pena e não toda, por este sacramento, não é por deficiência da virtude de Cristo, mas da devoção humana.

Art. 6 — Se este sacramento nos preserva dos pecados futuros.

O sexto discute-se assim. – Parece que este sacramento não nos preserva dos pecados futuros.

1. — Pois, muitos dos que recebem dignamente este sacramento depois caem em pecado. Ora, isso não se daria se ele preservasse dos pecados futuros. Logo, o efeito deste sacramento não é preservar dos pecados futuros.

2. Demais. — A Eucaristia é o sacramento da caridade, como se disse. Ora, a caridade podendo, depois de possuída, ser perdida pelo pecado, como se estabeleceu, parece que não preserva dos pecados futuros. Logo, parece que nem este sacramento nos preserva do pecado.

3. Demais. — A origem do pecado em nós é a lei do pecado, que está nos nossos membros, segundo o Apóstolo. Ora, a mitigação da concupiscência, que é a lei do pecado, não é considerada efeito deste sacramento, mas antes, do batismo. Logo, preservar-nos dos pecados futuros não é o efeito deste sacramento. Mas, em contrário, diz o Senhor: Este é o pão que desceu do céu, para que todo o que dele comer não morrer. O que, manifestamente, não se entende da morte do corpo. Logo, entende-se da morte espiritual, causada do pecado, e da qual este sacramento nos preserva.

SOLUÇÃO. — O pecado é uma espiritual morte da alma. Por onde, preservamo-nos do pecado futuro, do mesmo modo pelo qual o nosso corpo é preservado da morte futura. E isso de dois modos se dá. Primeiro, fortificando interiormente a nossa natureza contra as causas internas de corrupção; assim, preservamo-nos da morte pela comida e pelos remédios. De outro modo, defendendo-nos contra os ataques externos; e assim, preservamo-nos pelas armas, defesa do nosso corpo. Ora, de um e de outro modo este sacramento nos preserva do pecado. - Primeiro, unindo-se com Cristo por meio da graça, robustecer-nos a vida espiritual, sendo uma comida, por assim dizer, e um remédio espiritual, segundo àquilo da Escritura; o pão fortifica o coração do homem. E Agostinho diz: Aproxima-te confiante - é pão e não, veneno. - De outro modo, enquanto sinal da paixão de Cristo, pela qual os demônios foram vencidos, repele todo ataque dos demônios. Por isso diz Crisóstomo: Com leões expirando chamas, assim, saiamos dessa mesa inimigos terríveis ao diabo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O efeito deste sacramento nós o sentimos, conforme as nossas condições. Pois, o mesmo se dá com qualquer causa ativa, cujos efeitos são recebidos na matéria, ao modo desta. Ora, pela nossa condição nesta vida, podemos, usando do livre arbítrio escolher entre o bem e o mal. Por onde, embora este sacramento tenha em si mesmo a virtude de nos preservar do pecado, não nos tira a possibilidade de pecar.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Também a caridade em si mesma, preserva o homem do pecado, segundo àquilo do Apóstolo: O amor do próximo, não obra mal. Mas, da mutabilidade do livre arbítrio resulta o pecarmos, depois de termos tido a graça; assim como, depois de termos recebido este sacramento.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora este sacramento não se ordene diretamente à diminuição da concupiscência, diminui-a contudo, pela conseqüência de aumentar a caridade. Pois, como diz Agostinho, o aumento da caridade é a diminuição da concupiscência. E diretamente confirma-nos o coração no bem. O que também nos preserva do pecado.

Art. 7 — Se este sacramento não aproveita senão a quem o recebe.

O sétimo discute-se assim. — Parece que este sacramento não aproveita senão a quem o recebe.

1. — Pois, este sacramento, entrando na mesma divisão que os outros, é do mesmo gênero que eles. Ora, os outros sacramentos não aproveitam senão a quem os recebe; assim, o efeito do batismo não o colhe senão o batizado. Logo, também este sacramento não pode aproveitar senão a quem o recebe.

2. Demais. — O efeito deste sacramento é fazer-nos alcançar a graça e a glória, é remitir-nos pelo menos a culpa venial. Ora, se este sacramento produzisse efeito para outros, que não quem o recebe, seria possível alcançarmos a graça e a glória e a remissão da culpa, sem ação nem paixão própria nossa e só pelo fato de receber outrem ou oferecer este sacramento.

3. Demais. — Multiplicada a causa, multiplica-se o efeito. Se, portanto, este sacramento aproveitasse a outrem, que não quem o recebe, resultaria que tanto mais lhe aproveitaria, quanto mais os que o recebessem, consagradas muitas hóstias em uma só missa. Mas não é esse o costume da Igreja, o comungarem muitos pela salvação de um só. Logo, parece que este sacramento não aproveita senão a quem o recebe. Mas, em contrário, na celebração deste sacramento faz-se deprecação por muitos. O que saia Em vão, se ele lhes não aproveitasse. Logo, este sacramento não aproveita só a quem o recebe.

SOLUÇÃO. — Como dissemos este sacramento não é somente sacramento, mas também sacrifício. Pois, enquanto nele se representa a paixão de Cristo, pela qual Cristo se ofereceu como vítima a Deus, na linguagem do Apóstolo, tem natureza de sacrifício. Mas enquanto nos confere a graça invisível sob forma visível, tem natureza de sacramento. E assim este sacramento aproveita a quem o recebe, tanto a modo de sacramento, como de sacrifício; pois, é oferecido por todos os que o recebem, conforme o reza o canon da missa: Todos os que, participando deste altar, recebermos o sacramento corpo e sangue de teu Filho, fiquemos cheios de toda bênção celeste e graça. Mas, dos que não o recebem aproveita o modo de sacrifício, enquanto oferecido pela salvação deles. Por isso também se diz no canon da missa: Lembra-te, Senhor, dos teus servos e servas, por quem te oferecemos ou que te oferecem este sacrifício de louvor, por si e por todos os seus, pela redenção das suas almas, por sua salvação e conservação. E uma e outra coisa o Senhor exprime, ao dizer: Que por vós, isto é, pelos que o recebem, e por muitos outros, será derramado para remissão de pecados.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Este sacramento é por excelência e mais que os outros, sacrifício. Logo, o simile não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A paixão de Cristo aproveita a muitos para a remissão da culpa e a obtenção da graça e da glória; mas o efeito não se cumpre senão nos que estão unidos com a paixão de Cristo pela fé e pela caridade. Assim também este sacrifício, que é o memorial da paixão do Senhor, não produz efeito senão naqueles que estão unidos com este sacramento, pela fé e pela caridade. Por isso diz Agostinho: Quem oferecerá o corpo de Cristo senão por aqueles que são membros de Cristo? Por isso no canon da missa não se reza pelos que estão fora da Igreja. Aos quais porém o sacrifício aproveita, conforme o modo da devoção deles.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Por natureza um sacramento existe para ser recebido; mas é como sacrifício, que é recebido. Por isso, o fato de um ou muitos receberem o corpo de Cristo, não produz nenhum auxílio para outrem. Semelhantemente, nem por consagrar o sacerdote várias hóstias numa só missa, multiplica-se o efeito deste sacramento pois, o sacrifício é um só. Nem muitas hóstias consagradas têm maior virtude, que uma apenas; porque, tanto sob todas como sob cada uma está todo Cristo. Por onde quem, na mesma missa, tomasse simultaneamente muitas hóstias consagradas, não participaria, por isso de maior efeito do sacramento. Mas, em várias missas, multiplica-se a oblação do sacrifício. E portanto multiplica-se o efeito do sacrifício e do sacramento.

Art. 8 — Se o pecado venial impede o efeito deste sacramento.

O oitavo discute-se assim. — Parece que o pecado venial não impede o efeito deste sacramento.

1. — Pois, diz Agostinho; comentando àquilo do Evangelho - Os vossos pais comeram o maná: Comei espiritualmente o pão celeste; aproximai-vos do altar revestidos de inocência, os pecados, embora quotidianos, não são mortíferos. Por onde é claro, que os pecados quotidianos, chamados veniais, não impedem a manducação espiritual. Ora, os que o comem espiritualmente recebem o efeito deste sacramento. Logo, os pecados veniais não impedem esse efeito.

2. Demais. — Este sacramento não tem menor virtude que o batismo. Ora, o efeito do batismo só dissimulação o impede, como dissemos; e essa não pode constituir um pecado venial. Pois, como diz a Escritura, o Espírito Santo, mestre da disciplina, fugirá do fingido, que contudo, não fugirá de quem comete pecado venial. Portanto, os pecados veniais não impedem o efeito deste.

3. Demais. — Nada do que é removido pela ação de uma causa pode impedir-lhe o efeito. Ora, este sacramento dele os pecados veniais. Logo, estes não lhe impedem o efeito. Mas, em contrário, diz Damasceno: O fogo do desejo, que arde em nós, de receber a Cristo, acendendo- se no braseiro da Eucaristia, delirá os nossos pecados e nos iluminará os corações, a fim de nos inflamarmos pela participação do fogo divino e nos deificarmos. Ora, o fogo do nosso desejo ou amor fica apagado pelos pecados veniais, que impedem o fervor da caridade, como se estabeleceu na Segunda Parte. Logo, os pecados veniais impedem o efeito deste sacramento.

SOLUÇÃO. — Os pecados veniais podem ser considerados a dupla luz: enquanto passados ou enquanto atualmente praticados. - A primeira luz de nenhum modo impedem o efeito deste sacramento. Pois, pode dar-se que alguém depois de ter cometido muitos pecados veniais se achegue devotamente a este sacramento e lhe alcance plenamente o efeito. - A outra luz, os pecados veniais não impedem de todo o efeito deste sacramento, mas só em parte. Pois, como dissemos, é efeito deste sacramento não só fazer-nos alcançar a graça habitual ou da caridade, mas ser também uma como nutrição da doçura espiritual. E essa fica impedida para quem o receber com o coração dissipado pelos pecados veniais. Mas isso não impede o aumento da graça ou da caridade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Quem em estado atual de pecado venial se achega a este sacramento, come espiritualmente, de maneira habitual; mas não de maneira atual. E portanto, recebe o efeito habitual deste sacramento, não porém, o atual.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O batismo não se ordena a um efeito atual, isto é, ao fervor da caridade, como este sacramento. Pois, o batismo é uma regeneração espiritual, pela qual, adquirimos a perfeição primeira, que é o hábito ou a forma. Ao passo que este sacramento é uma espiritual manducação, que traz consigo um prazer atual.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A objeção colhe, quanto aos pecados passados que este sacramento dele.