Em seguida devemos tratar daqueles a quem valem as indulgências. Nesta questão discutem-se quatro artigos:
O primeiro discute-se assim. — Parece que a indulgência vale para os que estão em pecado mortal.
1. — Pois, pode um, mesmo em pecado mortal, merecer para outrem a graça e muitos outros bens. Ora, as indulgências tiram sua eficácia da aplicação dos méritos dos santos a uma determinada pessoa. Logo, produzem o seu efeito sobre os que estão em pecado mortal.
2. Demais. — Onde há maior indigência, aí há mais lugar à misericórdia. Ora, quem está em pecado mortal está na máxima indigência. Logo, a ele sobretudo se lhe deve misericórdia, mediante a indulgência. Mas, em contrário. — Um membro morto já não recebe influência dos outros membros vivos. Ora, quem está em pecado mortal é um como membro morto. Logo, pela indulgência não sofre a influência dos méritos dos membros vivos.
SOLUÇÃO. — Certos dizem que as indulgências valem mesmo para os que estão em pecado mortal. Não certo para perdão da pena, porque não pode a pena ser perdoada senão a quem o foi a culpa; porque quem não conseguiu de Deus a remissão da culpa não pode conseguir de um ministro da Igreja a remissão da pena, nem mediante as indulgências, nem no foro da penitência; as indulgências porém lhe valem para adquirir a graça. — Mas esta opinião não é verdadeira. Porque, embora os méritos comunicados pela indulgência possam valer para se merecer a graça, não é para isso contudo que são dispensados, mas determinadamente para a remissão da pena. Portanto, não vale para quem está em pecado mortal. Por isso, em todas as indulgências se faz menção dos verdadeiramente contritos e confessados. — Se a comunicação fosse feita porem deste modo — Faço-te participante dos méritos de toda a Igreja, ou de uma comunidade, ou de uma pessoa em especial - então poderá valer para merecer algo, a quem esta em pecado mortal, como diz a opinião referida. Donde se deduz a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora quem esta em pecado mortal seja mais indigente, contudo é menos capaz.
O segundo discute-se assim. — Parece que as indulgências não valem para os religiosos.
1. — Pois, não se deve suprir aqueles cuja superabundância supre os outros. Ora é da superabundância das obras satisfatórias dos religiosos que se suprem os outros, pelas indulgências. Logo, não devem eles ser supridos pelas mesmas.
2. Demais. — Nada deve fazer-se na Igreja que leve outrem à dissolução. Ora, se as indulgências aproveitassem aos religiosos dariam ocasião à dissolução da disciplina regular; porque então os religiosos passariam a vida em peregrinações, para ganhar tais indulgências, e não cumpririam as penas que lhes foram impostas no capítulo. Logo, não lhas aproveitam. Mas, em contrário. — Ninguém colhe dano, e um bem. Ora, a religião é um bem. Logo, não podem os religiosos sofrer o dano de não lhes valerem as indulgências.
SOLUÇÃO. — Tanto aos seculares como aos religiosos valem as indulgências, contanto que tenham a caridade e observem as condições nas quais elas são concedidas; pois, os religiosos não aproveitam menos que aos seculares os méritos alheios.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora o religioso esteja no estado de perfeição, contudo não pode viver isento de pecado. Por onde, se vier a ser réu de uma pena, por um pecado cometido, pode expiá-lo pelas indulgências. Pois, nenhuma impossibilidade há em aquele que tem superabundância, absolutamente falando, sofrer necessidade em tempo determinado e em certas condições, e assim precisa de um suplemento de méritos que o socorra. Donde o dizer o Apóstolo: Levai uns as cargas dos outros.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As indulgências não devem ser causa da dissolução da observância regular; pois, os religiosos merecem mais, observando as regras da sua religião para alcançarem o prêmio da vida eterna, do que buscando ganhar indulgências, embora mereçam menos, procedendo do primeiro modo; quanto ao perdão da pena, que é um menor bem. Além disso, pelas indulgências não ficam perdoadas as penas impostas no capítulo, porque este funciona antes como foro judicial do que como foro da penitência; por isso, mesmo um não sacerdote pode presidir o capítulo. Quanto às penas devidas pelos pecados cometidos, é no tribunal da penitência que um religioso é absolvido da pena imposta ou devida, pelo pecado.
O terceiro discute-se assim. — Parece que a quem não praticou o ato prescrito, para ganhar a indulgência, se lhe pode às vezes conceder esta.
1. — Pois, quem não pode agir, a vontade lhe supre o ato. Ora, às vezes se concede uma indulgência por uma esmola a ser feita, que um pobre não pode fazer embora de boa vontade o fizesse. Logo, a indulgência não lhe aproveita.
2. Demais. — Um pode satisfazer por outro. Ora, a Indulgência, como a satisfação, se ordena ao perdão da pena. Logo, um pode ganhar indulgência por outro. E assim, ganhará a indulgência quem não estava nas condições de a ganhar. Mas, em contrário. — Eliminada a causa, eliminado fica o efeito. Quem, pois, não se submeter à condição exigida para ganhar a indulgência, o que é a causa dela, esse não a alcançará.
SOLUÇÃO. — Sem a condição não se ganha o que condicionalmente é dado. Ora, como a indulgência é concedida sob a condição de fazermos ou darmos alguma coisa, se não o fizermos, não ganharemos a indulgência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Isso se entende quanto ao prêmio essencial; mas não quanto aos prêmios acidentais, como o perdão da pena e outros semelhantes.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Uma obra própria nossa podemos aplicá-la pela intenção que quisermos; portanto, podemos satisfazer por quem quisermos. Mas, uma indulgência a ninguém podemos aplicá-la, senão conforme à intenção de quem a concede. Por onde, se este a concede a quem fizer ou dar uma coisa, quem tal fizer não pode transferir a indulgência a outra intenção. Se porém a indulgência fosse concedida nestes termos — Aquele que fizer ou aquele por quem fizer tal causa ganhará tanto de indulgência — valeria ela para aquele a quem tal coisa é feita. Mas nem por isso quem fizesse tal obra daria ao outro a indulgência; senão aquele que a concede sob tal forma.
O quarto discute-se assim. — Parece que a indulgência não vale para quem a concede.
1. — Pois, conceder uma indulgência é de quem tem a jurisdição. Ora, ninguém pode exercer a jurisdição sobre si mesmo. Logo, ninguém pode participar da indulgência por si mesmo concedida.
2. Demais. — Se assim fosse, quem concede a indulgência poderia, com uma prática de valor mínimo, perdoar-se a si mesmo a pena de todos os seus pecados; e assim pecaria impunemente. O que é inadmissível.
3. Demais. — Quem pode conceder indulgências também pode excomungar. Ora, ninguém pode excomungar a si mesmo. Logo, também não pode ser participante da indulgência que concede. Mas, em contrário, ficaria em piores condições que os outros, se não pudesse usar do tesouro da Igreja, que dispensa a eles.
SOLUÇÃO. — Uma indulgência deve ser dada por alguma causa, para sermos levados à prática de um ato que redunde em utilidade da Igreja e honra de Deus. Ora, o prelado a quem foi cometido o dever de zelar pela utilidade da Igreja e pela honra divina, não tem causa para se excitar a si mesmo a ganhar a indulgência. Por isso não pode conferir nenhuma indulgência a si mesmo. Mas pode aproveitar da que concede aos outros, pois, tem alguma causa para lhes conceder a eles.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Ninguém pode exercer sobre si mesmo um ato de jurisdição. Ora, daquilo que é dado a outrem pela autoridade, que tem jurisdição, pode também o prelado servir-se, tanto na ordem temporal como na espiritual; assim como o sacerdote, que dá a Eucaristia aos outros também a recebe. E ainda, o bispo, que pode receber para si os sufrágios da Igreja, que dispensa aos outros, cujo efeito imediato é a remissão das penas pelas indulgências, e não um efeito de jurisdição.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Deduz-se do que foi dito.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A excomunhão é proferida como uma sentença, que ninguém pode pronunciar contra si mesmo, porque em juízo ninguém pode ser ao mesmo tempo juiz e réu. Ao passo que a indulgência não é dada a modo de sentença, mas como uma certa dispensa, que uma pessoa pode se dar a si mesma.