Em seguida devemos tratar do efeito deste sacramento. Sobre o que discutem-se cinco artigos:
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o sacramento da ordem não confere a graça santificante.
1. ─ Pois, geralmente se diz que o sacramento da ordem é um remédio contra a ignorância. Ora, a graça, que visa expelir a ignorância, não é a santificante, mas a gratuita; porque a santificante concerne, antes, ao afeto. Logo, o sacramento da ordem não confere a graça santificante.
2. Demais. ─ A ordem implica uma distinção. Ora, os membros da Igreja não se distinguem uns dos outros pela graça santificante, mas antes, pela graça gratuita, da qual diz o Apóstolo: Há repartição de graças. Logo, a ordem não confere a graça santificante.
3. Demais. ─ Nenhuma causa pressupõe o seu efeito. Ora, quem vai receber as ordens há de ter tido antes a graça, que o torna idôneo a recebê-las. Logo, tal graça não é dada quando é conferida a ordem. Mas, em contrário. ─ Os sacramentos da lei nova realizam o que figuram. Ora, a ordem pelo número sete significa os sete dons do Espírito Santo, como diz o Mestre. Logo, os dons do Espírito Santo, que não existem sem a graça santificante, são conferidos juntamente com a ordem.
2. Demais. ─- A ordem é um sacramento da Lei Nova. Ora, na definição desse sacramento se diz ─ para que seja a causa da graça. Logo, causa a graça em quem o recebe.
SOLUÇÃO. ─ As obras de Deus são perfeitas, como diz a Escritura. Por onde, a quem Deus dá um poder qualquer dá também os meios de pô-la convenientemente em exercício. O que bem vemos na ordem natural; assim, aos animais foram dados membros, pelos quais as potências da alma possam exercer os seus atos, salvo se alguma deficiência da matéria a isso se opuser. Ora, assim como a graça santificante é necessária, para recebermos dignamente os sacramentos, assim também o é para serem dignamente dispensados. Por onde, assim como pelo batismo, que nos torna capazes de receber os outros sacramentos, é dada a graça santificante, assim, pelo sacramento da ordem, que destina alguém a dispensador dos outros sacramentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A ordem é conferida em benefício, não de uma pessoa, mas de toda a Igreja. Por isso a expressão ─ remédio contra a ignorância ─ não se deve entender como significando, que o fato de receber a ordem elimina a ignorância de quem a recebe; mas, que quem a recebe está preparado a acabar com a ignorância do povo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora os dons da graça santificante sejam comuns a todos os membros da Igreja, contudo ninguém, que não tenha a caridade, pode dignamente receber a ação daqueles dons, nos quais se funda a distinção entre os vários membros da Igreja; e a caridade não pode existir sem a graça santificante.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─- Para o cabal exercício das ordens não basta qualquer bondade, mas é necessário uma bondade excelente. De modo que, como aqueles que recebem a ordem, ela os coloca em grau superior ao povo, assim também lhe sejam superiores pelo mérito da santidade. Por isso devem ter antes a graça bastante para fazerem dignamente parte do povo cristão; quando porém recebem a ordem, recebem também maior dom da graça, que os torna capazes de coisas maiores.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que o sacramento da ordem não imprime caráter em todos os seus graus.
1. ─ Pois, o caráter da ordem é um poder espiritual. Ora, certas ordens só se ordenam a certos atos materiais; como as de ostiário ou acólito. Logo, essas não imprimem caráter.
2. Demais. ─ Todo caráter é indelével. Por isso, o caráter coloca o ordenado em tal estado, donde não pode sair. Ora, os que receberam certas ordens, podem voltar ao laicato. Logo, nem todas as ordens imprimem caráter.
3. Demais. ─ O caráter consagra aquele, em quem se imprimiu, a administrar ou receber certas coisas santas. Ora, para receber os sacramentos já ficamos suficientemente preparados pelo caráter batismal. Mas, dispensador dos sacramentos ninguém é constituído senão pela ordem sacerdotal. Logo, as outras ordens não imprimem caráter. Mas, em contrário. ─ Todo sacramento, que não imprime caráter, pode ser reiterado. Ora, nenhuma ordem pode ser reiterada. Logo, toda ordem imprime caráter.
2. Demais. ─ O caráter é um sinal distintivo. Ora, toda ordem causa uma distinção. Logo, toda ordem imprime caráter.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria três são as opiniões. Assim, certos disseram, que só a ordem sacerdotal imprime caráter. ─ Mas isto não é verdade. Pois, os atos do diácono ninguém os pode licitamente praticar senão o diácono. Por onde, é claro que tem um poder especial de dispensar os sacramentos, que os outros não tem. Por isso outros opinaram, que as ordens sacras imprimem caráter, mas não as ordens menores. ─ Mas também isto é inadmissível. Por que qualquer ordem constitui o ordenado num grau de poder superior ao povo, poder ordenado à dispensa dos sacramentos. Por onde, sendo o caráter um sinal que distingue uns cristãos dos outros, é necessário seja impresso por todas as ordens. E prova disso é que permanece perpetuamente e nunca pode ser reiterada. Esta é a terceira opinião e a mais comum.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Toda ordem, qualquer que seja, tem como objeto do seu exercício ou o próprio sacramento, ou se ordena à dispensação dos sacramentos. Por exemplo, a função dos ostiários é admitir os fiéis à assistência dos divinos sacramentos; e assim por diante. Por isso, todas essas funções implicam um poder espiritual.
RESPOSTA À SEGUNDA. - Embora se transfira um para o laicato, nele permanece sempre contudo o caráter. E bem o demonstra o fato de não precisar receber de novo a ordem, que já tinha, se reverter ao clericato.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Veja-se a resposta à primeira.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o caráter da ordem não pressupõe o do batismo.
1. ─ Pois, o caráter da ordem dá a quem o recebe o poder de dispensar os sacramentos; ao passo que o caráter batismal só lhe confere a faculdade de os receber. Ora, o poder ativo não supõe necessàriamente o passivo, porque pode existir sem este, como se dá com Deus. Logo, o caráter da ordem não pressupõe necessariamente o caráter batismal.
2. Demais. ─ Pode acontecer que um não batizado se tenha na conta de provável batizado. Se esse tal, pois, receber as ordens não lhes receberá o caráter, se este pois, supõe o do batismo. E assim os atos de consagração ou de absolvição, que praticar, nenhum valor terão; de modo que a Igreja será enganada. O que é inadmissível. Mas, em contrário. ─ O batismo é a porta dos sacramentos. Logo, sendo a ordem um sacramento, pressupõe o batismo.
SOLUÇÃO. ─ Ninguém pode receber aquilo de que não é susceptível. Ora, o caráter batismal nos torna susceptíveis dos outros sacramentos. Por onde, quem não tem o caráter batismal não pode receber nenhum outro sacramento. E assim, o caráter da ordem pressupõe o do batismo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A potência ativa não pressupõe a passiva quando quem tem aquela por si mesmo a tem. Mas em quem a tem recebida, pressupõe ela a uma potência passiva, que seja a susceptível da ativa.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Esse tal, promovido ao sacerdócio, não é sacerdote; não poderá consagrar nem absolver no foro da penitência. Por isso, segundo os cânones, deve ser de novo batizado e ordenado. Além disso, se for elevado a bispo, não terão a ordem aqueles a quem tiver ordenado. Contudo, podemos piamente crer que quanto aos efeitos últimos dos sacramentos, o Sumo Sacerdote poderia lhes suprir a falta; e que não permitiria que isso passasse despercebido a ponto de poder a sua Igreja correr o risco de ser enganada.
O quarto discute-se assim. - Parece que a ordem pressupõe necessariamente o caráter da confirmação.
1. Pois, em seres entre si ordenados, assim como o médio pressupõe o primeiro, assim o último, o médio. Ora, o caráter da confirmação pressupõe o batismal como primeiro. Logo, o caráter da ordem pressupõe como médio o caráter da confirmação.
2. Demais. - Os colocados a confirmar os outros devem ser os confirmados por excelência. Ora, os que recebem o sacramento da ordem são os confirmados dos outros. Logo, ninguém mais do que eles deve ter o sacramento da confirmação. Mas, em contrário. ─ Os Apóstolos receberam o poder da ordem antes da ascenção, quando se lhes disse: Recebei o Espírito Santo. Mas foram confirmados depois da Ascensão pelo advento do Espírito Santo. Logo, a ordem não supõe a confirmação.
SOLUÇÃO. ─ Certas condições são necessárias a quem recebe a ordem; outras são de conveniência. É necessário à validade do sacramento, que quem receba as ordens seja susceptível delas; e isso lhe é facultado pelo batismo. Por onde, o caráter batismal é necessàriamente pressuposto a validade da ordem, de modo que sem ele o sacramento da ordem não pode ser conferido. Quanto à conveniência, requer a ordem que quem a receber tenha todas as perfeições que o tornem idôneo ao exercício dela; e uma dessas perfeições está em ser confirmado. Por onde, o caráter da ordem pressupõe como conveniente, mas não como necessário, o da confirmação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A relação entre o médio e o último não é da mesma natureza que a entre o primeiro e o médio, no caso vertente. Pois, o caráter batismal nos torna susceptíveis do sacramento da confirmação; mas o caráter da confirmação a ninguém torna susceptível do sacramento da ordem. Logo, a razão não é a mesma.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A objeção se funda na idoneidade por conveniência.
O quinto discute-se assim. - Parece que o caráter de uma ordem pressupõe necessariamente o caráter de outra.
1. - Pois, maior é a conveniência entre uma ordem e outra, que entre a ordem e outro sacramento. Ora, o caráter da ordem pressupõe o de outro sacramento ─ o batismo. Logo, com maior razão, o caráter de uma ordem pressupõe o de outra.
2. Demais. ─ As ordens são determinados graus. Ora, ninguém pode chegar a um grau superior, sem primeiro chegar ao que o antecede. Logo, ninguém pode receber o caráter de uma ordem mais elevada sem primeiro ter recebido a ordem precedente. Mas, em contrário. ─ O sacramento a que faltar uma condição necessária à sua validade há de forçosamente ser reiterado. Ora, quem receber uma ordem superior, passando por sobre a que conduz a ela, não precisará de ser ordenado de novo, conferindo-se-lhe apenas a que faltava, segundo o estatuído nos cânones. Logo, a ordem inferior não é necessária para se receber a mais elevada.
SOLUÇÃO. ─ Não é necessário que se tenham as ordens menores, antes de se receberem as maiores, por serem distintos os poderes; e uma não exige, por natureza, que o mesmo sujeito tenha já a outra. Por isso também na primitiva Igreja ordenava-se presbítero quem ainda não tinha as ordens inferiores; e contudo os assim ordenados tinham todos os poderes das ordens inferiores. Pois, o poder inferior está compreendido no superior, como os sentidos na inteligência e o ducado no reino. Mas depois, por constituição da Igreja, foi determinado que não tenha o exercício das ordens superiores quem antes não exercitar a sua humildade nos ofícios inferiores. Donde vem, que quem se ordena, passando por sobre as ordens inferiores, não precisa, segundo os cânones, de ser reordenado, conferindo-se-lhe tão somente as ordens inferiores que deixou de receber.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Por semelhança específica, mais convêm as ordens entre si, que a ordem, com o batismo; mas se se leva em conta a proporção entre a potência e o ato, mais convém o batismo com a ordem, que uma ordem com outra. Porque o batismo confere a potência passiva de receber as ordens; ao passo que uma ordem inferior não outorga a potência passiva de receber as ordens maiores.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As ordens não são degraus que devamos percorrer sucessivamente numa mesma ação, ou movimento, de maneira que devêssemos passar pelo último para chegar ao primeiro. Mas são como os graus existentes entre coisas diversas. Tal o grau entre o homem e o anjo; assim, não é necessário que o anjo tenha sido antes homem. Tais são também os graus entre a cabeça e os outros membros do corpo: não é necessário tenha a cabeça principiado por ser pé. Ora, tal é o que se dá no caso vertente.