Em seguida devemos tratar dos impedimentos a este sacramento. Sobre o que discutem-se seis artigos:
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o sexo feminino não impede receber a ordem.
1. ─ Pois, o ofício de profeta é mais elevado que o do sacerdote, porque o profeta é medianeiro entre Deus e os sacerdotes, como o sacerdote o é entre Deus e o povo. Ora, às vezes o ofício de profeta foi concedido a mulheres, como lemos na Escritura. Logo, também podem elas exercer o ofício do sacerdócio.
2. Demais. ─ Assim como a ordem implica uma certa eminência, assim também o ofício de prelado, o de testemunha da fé e o do estado religioso. Ora, a prelatura pode, no regime do Novo Testamento, ser conferida a mulheres, como é o caso das abadessas; e no Testamento Velho há o exemplo de Débora, que julgou Israel. Podem também ser testemunhas da fé e professar no estado religioso. Logo, também podem receber as ordens eclesiásticas.
3. Demais. ─ O poder das ordens se radica na alma. Ora, o sexo não tem a alma. Logo, a diversidade de sexo não obra nenhuma distinção para o efeito de se receberem as ordens. Mas, em contrário, o Apóstolo: Eu não permito à mulher que ensine na Igreja, nem que tenha domínio sobre o marido.
2. Demais. ─ Os ordenandos hão de ter coroa, embora não seja ela necessária para a validade do sacramento. Ora, coroa ou tonsura não na podem ter as mulheres, como o diz o Apóstolo. Logo, nem podem receber as ordens.
SOLUÇÃO. ─ Certas condições requerem-se necessariamente de quem recebe um sacramento para a validade deste; e se faltarem não pode ninguém receber o sacramento e nem a realidade dele. Outras condições porém não são necessárias à validade do sacramento, mas são impostas por um preceito e por conveniência para com o sacramento. E sem essas podemos receber o sacramento, mas não a realidade dele. Ora, o sexo masculino é uma condição necessária para a suscepção das ordens, não só do segundo modo referido, mas também do primeiro. Por onde, embora a uma mulher se lhe fizessem todas as cerimônias próprias da ordenação, contudo não receberia a ordem. Porque, sendo o sacramento um sinal, nos que o vão receber há de existir não só a realidade mas também a significação dela. Assim, como dissemos, a extrema unção só pode ser ministrada a um doente, a fim de significar que tem necessidade de cura. Ora, não poderia o sexo feminino exprimir uma situação de eminência, porque a mulher vive num estado de sujeição, por isso não pode receber o sacramento da ordem. Certos, porém, ensinaram, que o sexo masculino é de necessidade de preceito, mas não é necessário para ser conferido o sacramento, pois as próprias Decretais se referem à diaconisa e à presbitera. ─ Mas, diaconisa aí se chama à que participa de algum ato do diácono, isto é, a que lê as homílias na Igreja; e presbítera, à viúva, porque presbiter é a mesma coisa que mais velho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A profecia não é um sacramento, mas um dom de Deus. Por isso, não se exige dela uma significação mas só a realidade. E como no concernente à realidade da alma a mulher não difere do homem, pois até mesmo às vezes uma mulher tem alma melhor que a de muitos homens, por isso o dom da profecia e outros semelhantes pode a mulher recebê-los, mas não o sacramento da ordem. Donde se deduz a resposta à segunda e à terceira objeções. Das abadessas porém se diz que não tem a prelatura ordinária, mas como em comissão, por causa do perigo da convivência entre homens e mulheres. ─ Quanto à Débora, teve um poder temporal e não sacerdotal; e assim, ainda agora podem as mulheres exercer o poder.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que as crianças e os que carecem do uso da razão não podem receber as ordens.
1. ─ Pois, como diz o Mestre, os sagrados cânones estatuíram uma determinada e certa idade para se receberem as ordens. Ora, isso não se daria se as crianças pudessem receber o sacramento da ordem.
2. Demais. ─ O sacramento da ordem é mais digno que o do matrimônio. Ora, as crianças e os privados da razão não podem contrair matrimônio. Logo, nem receber as ordens.
3. Demais. ─ A potência e o ato são correlativos, como diz o Filósofo. Ora, o ato de exercer as ordens requer o uso da razão. Logo, também o poder das ordens. Mas, em contrário. ─ Quem foi promovido às ordens, antes da idade de razão, pode às vezes exercê-las sem que precise de as ter renovadas. Ora, tal não se daria se não tivesse recebido a ordem. Logo, uma criança pode receber as ordens.
2. Demais. ─ Os outros sacramentos que imprimem caráter, como o batismo e a confirmação, as crianças podem recebê-los. Logo, pela mesma razão, as ordens.
SOLUÇÃO. ─ A puerícia e outras deficiências, que privam do uso da razão, impedem a ação. Por onde, todos aqueles sacramentos, que supõem uma atividade por parte de quem os recebe, não podem receber os privados do uso da razão. Tal a penitência, o matrimônio e outros. Mas, por um lado as potências infusas, como as naturais, são anteriores aos atos, embora as adquiridas lhes sejam posteriores. Por outro lado, removido o posterior, não fica por isso removido o anterior. Por onde, todos os sacramentos, que não requerem, para serem válidos, nenhuma cooperação da parte de quem os recebe, por lhes ser dado por Deus um poder espiritual, podem as crianças recebê-los e os demais carecentes do uso da razão. Deve-se porém fazer notar que para receber as ordens menores, é necessária a discrição racional, pelo respeito que a dignidade do sacramento exige, embora não seja ela necessária, nem por necessidade de preceito, nem para a validade do sacramento. Por isso, urgindo a necessidade e havendo esperança de aproveitamento espiritual, os que ainda não chegaram à idade de discernimento podem ser promovidos, sem pecados, às ordens menores; porque, embora não sejam ainda idôneos para o exercício das funções que lhe são cometidas, o costume contudo os tornará tais. Mas, para se receberem as ordens maiores, é necessário o uso da razão, tanto por causa da dignidade delas, como por ser de necessidade de preceito. Pois, implicam elas o voto de continência; e além disso, é nos cometido o poder de conferir os sacramentos. Quanto ao episcopado, como o poder que ele confere se exerce, ademais, sobre o corpo místico de Jesus Cristo, sua colação demanda concurso ativo de quem o recebe, por causa da cura pastoral das almas. Por isso, a consagração episcopal supõe necessariamente o uso da razão. Mas certos dizem, que todas as ordens implicam o uso da razão, para a validade do sacramento. Mas essa opinião não é corroborada pela razão nem por nenhuma autoridade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Nem tudo o que é de necessidade de preceito o é para a validade do sacramento, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O matrimônio supõe o consentimento que não pode existir sem o uso da razão. Ora, para receber a ordem não é necessária nenhuma cooperação da parte de quem a recebe. O que é demonstrado pelo fato de não mencionar nenhuma cooperação deles o cerimonial da consagração. Logo, não há símile.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Ato e potência são correlativos, contudo às vezes a potência precede, como no caso do livre arbítrio e do uso da razão. Tal o caso proposto.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a escravidão não impede de receber o sacramento da ordem.
1. ─ Pois, a sujeição corporal não repugna à prelatura espiritual. Ora, o escravo vive em sujeição corporal. Logo, não fica impedido de receber a prelatura espiritual, conferida pela ordem.
2. Demais. ─ Uma ocasião de se praticar a humildade não deve impedir a suscepção de nenhum sacramento. Ora, tal é a escravidão; por isso o Apóstolo aconselha que quem puder prefira viver servo. Logo, não deve ficar impedido de ser promovido à dignidade da ordem.
3. Demais. ─ Mais vexatório seria um clérigo ser vendido como escravo, que um escravo ser promovido a clérigo. Ora, um clérigo pode ser licitamente vendido como escravo; assim, o bispo de Nola, Paulino, vendeu-se a si mesmo como escravo. Logo, e com maior razão, pode um escravo ser promovido a clérigo. Mas, em contrário. ─ Parece que ser escravo é impedimento para a validade do sacramento. ─ Pois, a mulher não pode, em razão da sua sujeição, receber o sacramento da ordem. Ora, maior sujeição é a do escravo; pois, a mulher não se torna escrava do seu marido, sendo por isso que lhe não foi tirada dos pés. Logo, também o escravo não recebe o sacramento.
2. Demais. ─ Quem recebe a ordem está por isso mesmo obrigado a ministrá-la. Ora, ninguém pode ao mesmo tempo servir, como escravo ao seu dono, e exercer o ministério espiritual. Logo, parece que não pode receber a ordem, porque os interesses do seu dono seriam lesados.
SOLUÇÃO. ─ Quem recebe a ordem se destina ao serviço divino. E como ninguém pode dar o que não é seu, o escravo, que não pode dispor de si, não pode ser promovido às ordens. Mas, se o for, recebe-las- à: porque a liberdade não é necessária à validade do sacramento, embora seja de necessidade de preceito; pois, a falta de liberdade impede, não de receber uma faculdade, senão apenas de exercê-la. E o mesmo se dá com todos os obrigados para com outrem, como os que se ocupam com cálculos e pessoas tais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Quem recebe um poder espiritual assume a obrigação de exercer uma certa atividade corporal. Fica por isso impedido se tem o seu corpo sujeito.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Podemos aproveitar de muitas outras ocasiões para praticar a humildade, que não as impedientes à recepção do sacramento da ordem. Por onde, a objeção não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ S. Paulino procedeu assim por abundância de caridade e guiado pelo Espírito de Deus. E os acontecimentos o provam, pois, pela sua escravidão muitos do seu rebanho foram livrados dela. Não devemos portanto, argumentar com esse exemplo, porque onde está o Espírito do Senhor aí está a liberdade.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Os sinais sacramentais representam por semelhança natural. Ora, a mulher é sujeita por natureza, mas não o escravo. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À QUINTA. - O escravo promovido à dignidade das ordens, com ciência do dono e sem reclamação dele, por isso mesmo fica livre. Se porém o dono não o souber, então o bispo e quem apresentou o escravo a ser ordenado, estão obrigados a lhe pagar o dobro do valor do escravo, se sabiam que era escravo. Ou, tendo o escravo pecúlio deve remir-se a si mesmo; do contrário voltaria ao domínio do seu senhor, embora não pudesse assim exercer a ordem.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que o homicídio não é causa impediente de se receber as ordens sacras.
1. ─ Pois, as nossas ordens começaram pelo ofício dos Levitas, como se estabeleceu na distinção precedente. Ora, os Levitas consagraram as suas mãos na efusão do sangue dos seus irmãos, como o refere a Escritura. Logo, também no regime do Novo Testamento ninguém deve ser impedido de receber as ordens por causa de efusão de sangue.
2. Demais. ─ Por um ato de virtude ninguém deve ficar impedido de receber qualquer sacramento. Ora, às vezes o sangue é derramado para cumprir a justiça, como quando o ordena o juiz; e quem tem a obrigação de o fazer pecaria não a cumprindo. Logo, isso não impede de receber o sacramento.
3. Demais. ─ A pena só é devida à culpa. Ora, pode alguém cometer um homicídio sem culpa; por exemplo, defendendo-se, ou ainda casualmente. Logo, não deve incorrer na pena de irregularidade. Mas, em contrário, várias determinações canônicas. E o costume da Igreja.
SOLUÇÃO. ─ Todas as ordens visam o sacramento da Eucaristia, sacramento de paz que Jesus Cristo nos instituiu com a efusão do seu sangue. Ora, como o homicídio é tudo o que é de mais contrário à paz, e o homicida muito mais se assemelha aos que mataram a Cristo do que devem assemelhar-se os ministros do referido sacramento, por isso e por necessidade de preceito, não pode ser homicida quem vai ser promovido à dignidade das ordens, embora não seja isso exigido para a validade do sacramento.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A Lei Antiga infligia a pena de sangue, mas não a Nova. Não há pois símile entre os ministros da Lei Velha e os da Nova, cujo jugo é suave e o peso leve.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A irregularidade não é incorrida só por causa de pecado, mas principalmente quando a pessoa se torna inidônea para ministrar o sacramento da Eucaristia. Por isso o juiz, e todos os que com ele participaram numa causa de sangue, são irregulares porque derramar sangue não convém aos ministros do sacramento.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nós não fazemos senão o de que somos causa, o que procede da nossa vontade. Por onde, quem por ignorância e casualidade mata a outrem não se pode chamar homicida nem incorre em qualquer irregularidade. Salvo se se tiver entregue à prática de atos ilícitos ou não houver empregado a diligência devida; porque então já o seu ato é de certo voluntário. Nem a razão de não haver irregularidade é a ausência de culpa, porque também podemos incorrer nela sem culpa. Por onde, embora não peque aquele que, em circunstâncias determinadas, mata para se defender, contudo é irregular.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que os filhos ilegítimos não devem ser impedidos de receber a ordem.
1. ─ Pois, os filhos não devem carregar com a iniquidade dos pais. Ora, carregariam se por serem ilegítimos estivessem impedidos de receber as ordens. Logo, etc.
2. Demais. ─ Maior impedimento é o nosso defeito próprio, que o alheio. Ora, um concúbito ilícito não torna ninguém impedido de receber as ordens. Logo, nem o concúbito paterno ilícito. Mas, em contrário, a Escritura: O bastardo, isto é, o que nasceu de mulher pública, não entrará na congregação do Senhor até a décima geração. Logo e com maior razão, não deve ser promovido às ordens.
SOLUÇÃO. ─ Os ordenados são constituídos superiores aos mais, em dignidade. Por isso e pela honra devida à dignidade, devem ter um certo lustre, não para a validade do sacramento, mas por exigência de preceito; isto é, devem ter um bom nome, ser ornados de bons costumes e não ser penitentes públicos. E como uma origem viciosa obscurece esse lustre, por isso também os nascidos de foro ilegítimo ficam impedidos de receber as ordens, salvo quando dispensados. E tanto mais difícil lhes é obter dispensa quando mais indigna a sua origem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A irregularidade não é uma pena imposta à iniquidade. Por onde é claro, que os filhos ilegítimos não carregam com a iniquidade paterna, pelo fato de serem irregulares.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os nossos atos próprios podemos anulá-los pelo ato contrário da penitência; mas não o que recebemos por natureza. Não há portanto símile entre o ato pecaminoso e a origem viciosa.
O sexto discute-se assim. ─ Parece que ninguém deve ser impedido por mutilação de um membro.
1. ─ Pois, não se deve aumentar a aflição ao aflito. Logo, não deve ser privado do grau da ordem, como pena de uma mutilação corpórea.
2. Demais. ─ Para o exercício da ordem é mais necessária uma discreção íntegra que uma integridade corpórea. Ora, certos podem ser promovidos à ordem antes da idade de razão. Logo, também com qualquer mutilação corporal. Mas, em contrário. ─ Esses tais estavam impedidos de exercer o ministério do Velho Testamento. Logo e com maior razão, a Lei Nova deve excluí-los. ─ Do bígamo diremos no tratado do matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ Como do sobre dito se colhe, torna-se alguém inidôneo para receber as ordens ou por alguma ação que cometeu ou por falta de dignidade pessoal. Por onde, os mutilados nalgum membro ficam impedidos de receber a ordem, se a mutilação for tal que cause um defeito notável, como a decepação do nariz, que torna a pessoa disforme; ou se houver risco de virem a exercer mal as suas funções. Do contrário não ficam impedidos. E essa integridade é exigida por necessidade de preceito, mas não para a validade do sacramento. Donde se deduzem claras as respostas às objeções.