Em seguida devemos tratar do tempo da contrição. Sobre o que três artigos se discutem:
O primeiro discute-se assim. - Parece que esta vida não é toda tempo de contrição.
1. ─ Pois, assim como devemos ter dor do pecado cometido, assim também vergonha. Ora, o pejo do pecado não dura toda a vida; pois, como diz Ambrósio, não tem de que envergonhar-se quem foi perdoado do pecado. Logo, nem deve ter contrição, que e a dor do pecado.
2. Demais. ─ A Escritura diz: A caridade perfeita lança fora ao temor, porque o temor anda acompanhado de pena. Ora, a dor também implica a pena. Logo, no estado da caridade perfeita não pode existir a dor da contrição.
3. Demais. ─ Não pode haver dor do passado, que propriamente tem por objeto o mal presente, salvo se o mal presente conserva alguma causa do mal passado. Ora, às vezes chegamos nesta vida a um estado em que nada permanece do pecado, nem disposição, nem culpa, nem qualquer reato. Logo, não devemos mais ter dor desse pecado.
4. Demais. ─ O Apóstolo diz: Aos que amam a Deus, todas as causas contribuem para seu bem, até mesmo os pecados, como diz a glosa. Logo, não é necessário que, depois de lhe terem sido perdoados os pecados, deles tenham dor.
5. Demais. ─ A contrição é parte da penitência, que se divide, por contrariedade, da satisfação. Ora, não devemos satisfazer sempre. Logo, não devemos ter sempre contrição dos pecados. Mas em contrário. - Agostinho diz: onde acaba a dor acaba a penitência; onde já não há penitência também já não há perdão. Logo, como não devemos perder o perdão concedido, resulta que devemos ter sempre dor dos pecados.
2. Demais. ─ A Escritura diz: Não estejas sem temor da ofensa que te foi remitida. Logo, devemos ter sempre dor dos pecados para alcançar a remissão deles.
SOLUÇÃO. ─ A contrição encerra dupla dor: uma, da razão, que é o detestarmos o pecado que cometemos; outra, da parte sensitiva, resultante da primeira. E quanto a ambas, o tempo da contrição é o estado de toda a vida presente. ─ Pois, enquanto viandamos nesta vida, procuramos arredar os óbices que nos impedem ou retardam a chegada ao termo. Por onde, como os pecados pretéritos retardam a nossa rota para Deus, por não podermos recuperar o tempo que nela devíamos empregar, é necessário vivermos na contrição durante o tempo desta vida, quanto à detestação do pecado. ─ Semelhantemente, também quanto à dor sensível, assumida como pena pela vontade. Pois, tendo merecido a pena eterna, pelo pecado, e tendo pecado contra um Deus eterno, devemos, mudada a pena eterna em temporal, ter sempre dor dos pecados, no que é eterno ao nosso modo, isto é, durante todo o tempo desta vida. E por isto diz Hugo de S. Vitor, que Deus, absolvendo-nos da culpa e da pena eternas, liga-nos pelo vínculo da detestação perpétua do pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O pejo respeita o pecado só pela torpeza deste. Por onde, já não há lugar para ele, depois que a culpa do pecado foi perdoada. Mas permanece a dor, cujo objeto é a culpa, não sé enquanto torpe, mas também pelo mal que causa.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O temor servil excluído pela caridade, se opõe à caridade em razão dessa ser virtude, que implica numa pena. Mas a dor da contrição é causada pela caridade, como se disse. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora pela penitência o pecador recobre a graça primitiva e a imunidade do reato da pena, não poderá nunca mais recobrar, porém, a dignidade da primitiva inocência. Por onde, sempre permanecem nele traços do pecado passado.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Assim como não devemos fazer o mal para alcançar o bem, assim não devemos nos comprazer com o mal, por provir dele, ocasionalmente e por obra da divina providência, o bem. Pois, desse bem causa não foi o pecado, mas antes, impedimento; quem o causou foi a divina providência e com isso devemos nos regozijar, ao mesmo tempo que devemos detestar o pecado.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A satisfação depende da pena aplicada, que deve ser infligida ao pecado. Por isso pode ficar determinado o não ser preciso satisfazer mais. Ora, essa pena precipuamente se proporciona à culpa, quanto à conversão, donde ela tira a sua finidade. Ao passo que a dor da contrição corresponde à culpa, quanto à aversão, donde lhe advém uma certa afinidade. E assim a verdadeira contrição deve existir sempre. Nem há nenhum inconveniente em fazer cessar um ato posterior, deixando permanecer o anterior.
O segundo discute-se assim. - Parece que não devemos ter dor incessante do pecado.
1. ─ Pois, devemos às vezes nos alegrar; assim, àquilo do Apóstolo - Alegrai-vos incessantemente no Senhor, diz a Glosa, que é necessário nos alegrarmos. Ora, não podemos ter ao mesmo tempo alegria e dor. Logo, não é mister tenhamos dor incessante do pecado.
2. Demais. ─ O que é em si mesmo mal e deve ser evitado não o devemos praticar, senão sendo necessário como remédio: tal o caso do emprego do fogo e do ferro na arte de curar. Ora, a tristeza é em si mesma um mal, segundo aquilo da Escritura: Afugenta para longe de ti a tristeza. E acrescenta a causa: Porque a tristeza tem morto a muitos e não há utilidade nela. E o mesmo diz Filósofo expressamente. Logo, não devemos ter dor do pecado senão a suficiente para o deliro Ora, logo depois do primeiro ato de contrição o pecado fica delido. Portanto não é preciso ter mais dor dele.
3. Demais. ─ Bernardo diz: A dor é boa, não sendo incessante; pois, devemos misturar o mel com o absinto. Logo, parece que não é preciso termos dor incessante. Mas, em contrário, diz Agostinho: Tenha sempre dor o penitente e com isso se regozige.
2. Demais. ─ Os atos constitutivos da beatitude devemos praticá-los incessantemente, tanto quanto possível. Ora, tal é a dor do pecado, como está claro no Evangelho: Bem-aventurados os que choram. Logo, devemos ter uma dor continuada, tanto quanto possível.
SOLUÇÃO. ─ Os atos de virtude implicam tal condição, que não são susceptíveis de aumento nem de diminuição, como o prova o Filósofo. Por onde, sendo a contrição, pela displicência que ela implica no apetite racional, ato da virtude de penitência, não poderá nunca haver nela aumento, nem quanto à intensidade nem quanto à duração; senão enquanto o ato de uma virtude impede o ato de outra, mais necessário num determinado tempo. Por isso, se pudermos manter incessantemente o ato dessa displicência, é melhor; contanto que vaquemos aos atos das outras virtudes, oportunamente e segundo for necessário. - As paixões, ao contrário, são susceptíveis de aumento e de diminuição, quanto à sua intensidade e quanto à sua duração. Por onde, assim como a paixão da dor, assumida pela vontade, deve ser moderadamente intensa, assim também deve durar moderadamente; pois, durando em excesso, levar-nos-ia à alma o desespero, a pusilanimidade e misérias semelhantes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A alegria do século fica impedida pela dor da contrição; mas não a alegria que tem Deus por objeto, pois tem como sua matéria a própria dor.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O Eclesiástico se refere à tristeza do século. E o Filósofo, à tristeza como paixão, da qual devemos usar moderadamente enquanto conduz ao fim assumido.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Bernardo se refere à dor como paixão.
O terceiro discute-se assim. ─ Mesmo depois desta vida parece que as almas têm contrição dos pecados.
1. ─ Pois, o amor da caridade causa displicência do pecado. Ora, depois desta vida permanece nas almas a caridade, quanto ao ato e quanto ao hábito, porque a caridade nunca jamais há de acabar, como diz o Apóstolo. Logo, permanece a displicência pelo pecado cometido, que é essencialmente a contrição.
2. Demais. ─ Devemos ter maior dor da culpa, que da pena. Ora, as almas do purgatório têm dor da pena sensível e da dilação da glória. Logo e muito mais, têm dor da culpa que cometeram.
3. Demais. ─ A pena do purgatório é satisfatória pelo pecado. Ora, a satisfação tira a sua eficácia da contrição Logo, a contrição permanece depois desta vida. Mas, em contrário. - A contrição faz parte do sacramento da penitência. Ora, os sacramentos não permanecem depois desta vida. Logo, nem a contrição.
2. Demais. ─ A contrição pode ser grande a ponto de delir tanto a culpa como a pena. Se, pois, as almas do purgatório pudessem ter contrição, ser-lhes-ia possível, em virtude dessa contrição, o perdão do reato da pena e a total liberação da pena sensível ─ o que é falso.
SOLUÇÃO. ─ Três elementos devemos considerar na contrição: o seu gênero, que é a dor; a sua forma, porque é o ato de virtude informado pela graça; e a sua eficácia porque é um ato meritório, sacramental e de certo modo satisfatório. Por onde, as almas que estão na pátria não podem, depois desta vida, ter contrição, por terem a isenção da dor, isenção produzida pela plenitude da alegria. Do seu lado, as que estão no inferno, também não podem ter contrição; porque, embora tenham a dor, falta-lhes contudo a graça que a informa. Quanto às do purgatório, têm dor dos pecados informada pela graça; mas não meritória, por não estarem em estado de merecer. Ao passo que nesta vida todos os três elementos supra referidos podem existir.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A caridade não causa a referida dor senão naqueles que são susceptíveis de dor. Ora, a plenitude da alegria dos bem-aventurados exclui toda capacidade de dor. Por onde, embora tenham caridade, não podem contudo ter contrição.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As almas do purgatório têm dor dos pecados. Mas essa dor não é contrição, por lhes faltar a eficácia da contrição.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essas penas, que as almas sofrem no purgatório, não podem chamar-se propriamente satisfação, porque esta implica uma obra meritória. Mas, em sentido lato, chama-se satisfação a solução da pena devida.