Em seguida devemos tratar da qualidade da confissão. Sobre a qual discutem-se quatro artigos:
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a confissão não pode ser informe.
1. ─ Pois, diz a Escritura: A confissão, depois de o homem estar morto, fenece, tornando-se como num puro nada. Ora, quem não tem caridade está morto, porque ela é a alma da vida. Logo, sem caridade não pode haver confissão.
2. Demais. ─ A confissão divide-se, por contrariedade, da contrição e da satisfação. Ora, a contrição e a satisfação nunca podem existir sem a caridade. Logo, nem a confissão.
3. Demais. ─ Na confissão há de a boca concordar com o coração, pois, o próprio nome de confissão assim o exige. Ora, quem ainda tem afeto ao pecado, que confessa, não tem o coração de acordo com a boca, pois, tem o coração preso ao pecado, que de boca condena. Mas, em contrário. ─ Todos estão obrigados a confessar os pecados mortais. Ora, quem confessou, estando ainda em estado de pecado mortal, não está mais obrigado a confessar os mesmos pecados; pois, como ninguém sabe se tem caridade, ninguém poderá saber que se confessou. Logo, não é necessário ser a confissão informada pela caridade.
SOLUÇÃO. ─ A confissão é um ato de virtude e parte do sacramento. ─ Ora, enquanto ato de virtude é um ato propriamente meritório. E então a confissão não vale sem a caridade, princípio do mérito. ─ Mas enquanto parte do sacramento, torna o confitente dependente do sacerdote, que tem o poder das chaves da Igreja, e pela confissão conhece a consciência do confitente. E assim, pode confessar mesmo quem não tem contrição, pois, pode expor ao sacerdote os seus pecados e sujeitar-se ao poder das chaves da Igreja. E embora não receba então o fruto da absolvição, contudo poderá colhê-lo desde que desapareça a sua dissimulação. O mesmo se dá também com os outros sacramentos. Por isso não está obrigado a renovar a confissão quem se a ela achega dissimuladamente; mas está obrigado a confessar depois a sua dissimulação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essa autoridade deve entender-se quanto à percepção do fruto da confissão, que não recebe ninguém sem ter a caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A contrição e a satisfação se fazem a Deus; mas a confissão, ao homem. Por isso é da natureza da contrição e da satisfação que o homem esteja unido a Deus pela caridade; mas não, da natureza da confissão.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Quem conta os pecados que tem fala verdade. E assim o coração concorda com a palavra ou com as palavras quanto à substância da confissão, embora discorde do fim da confissão.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que não é necessário a confissão ser íntegra, de modo que se confessassem todos os pecados a um só sacerdote.
1. ─ Pois, a vergonha contribui para a diminuição da pena. Ora, quanto maior o número dos sacerdotes a que nos confessemos tanto maior será a vergonha sofrida. Logo, será mais frutuosa a confissão quando feita a vários sacerdotes.
2. Demais. ─ A confissão é necessária na penitência a fim de a pena ser aplicada ao pecador segundo o arbítrio do sacerdote. ─ Ora, diversos sacerdotes podem impor uma pena suficiente a pecados diversos. Logo, não é necessário confessar todos os pecados a um só sacerdote.
3. Demais. ─ Pode acontecer que, depois da confissão feita e da satisfação completa, recordemo-nos de algum pecado mortal que a memória não teve presente, enquanto confessávamos; e que então não tenhamos o ensejo de tornar a encontrar o sacerdote próprio, a quem confessamos antes. Logo, só poderemos confessar esse pecado a outro. E então seriam pecados diversos confessados a sacerdotes diversos.
4. Demais. ─ Ao sacerdote não devemos fazer confissão dos pecados senão em vista da absolvição. Ora, às vezes o sacerdote, que ouve a confissão, pode absolver certos pecados, mas não todos. Logo, pelo menos em tal caso não é preciso a confissão ser íntegra. Mas, em contrário. ─ A hipocrisia é impedimento à penitência. Ora, fazer por partes a confissão constitui hipocrisia, como diz Agostinho. Logo, a confissão deve ser íntegra.
2. Demais. ─ A confissão faz parte da penitência. Ora, a penitência deve ser íntegra. Logo, também a confissão.
SOLUÇÃO. ─ Na medicina corporal é necessário que o médico conheça não somente e a doença para a qual deve dar remédio, mas ainda a disposição total do enfermo. Porque uma doença se agrava com a sobrevivência de outra e o remédio, que curaria daquela, poderá ser contraproducente em relação a esta. E o mesmo se dá com os pecados: um se agrava com a sobrevivência de outro e o que para um seria o remédio conveniente poderia ser incentivo para o outro, pois, às vezes pode alguém estar contaminado de pecados contrários, como o ensina Gregório. Por onde, a confissão exige necessàriamente confessemos todos os pecados que temos na memória; não o fazendo, não haverá confissão, mas simulação dela.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora se multiplique o pejo quando se confessem pecados diversos a sacerdotes diversos, contudo esse pejo multiplicado não é de tanta intensidade de como o pejo único com que confessamos simultaneamente todos os nossos pecados. Por que cada pecado considerado de per si não mostra má disposição do pecador, igual a que revela quando considerado juntamente com os outros. Pois, num pecado só às vezes caímos por ignorância ou fraqueza; ao passo que a multidão dos pecados revela a malícia do pecador, ou a sua grande corrupção.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A pena imposta por diversos sacerdotes não seria suficiente; porque cada um consideraria o pecado confessado só em si mesmo, sem a gravidade que ele recebe pela adjunção de outro; e às vezes a pena aplicada a um viria a promover outro. ─ E além disso, o sacerdote ao ouvir a confissão faz às vezes de Deus. E por isso a confissão lhe deve ser feita do mesmo modo por que o é a Deus pela contrição. Por onde, assim como a contrição não existiria senão extensiva a todos os pecados, também confissão não haveria sem se confessarem todos os pecados ocorrentes à memória.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Certos dizem que quando nos recordamos do que tínhamos esquecido, devemos de novo confessar, mesmo o que já tínhamos confessado; e sobretudo se não pudermos nos confessar de novo ao mesmo sacerdote de antes que nos conhecia todos os pecados, de modo que o mesmo sacerdote seria então o que nos conhecesse totalmente a gravidade da culpa. ─ Mas isto não é necessário. Porque o pecado tira de si mesmo a sua gravidade e da sua adjunção com outro. Ora, aos pecados que confessamos manifestamos a gravidade, que em si mesmos tinham. Mas para o sacerdote conhecer a gravidade, sob o duplo aspecto referido, do pecado cuja confissão nos esquecemos, basta revelá-lo explicitamente ao nos confessar de novo, falando dos outros em geral, dizendo que, tendo confessado muitos outros, desse nos esquecemos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora o sacerdote não possa absolver de todos os pecados, contudo o penitente está obrigado a lhe confessar todos, a fim de ele conhecer a gravidade total da culpa; e aqueles que não pode absolver remeta ao superior.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que podemos confessar por meio de outrem ou por escrito.
1. ─ Pois, a confissão é necessária para se abrirmos a consciência do penitente ao sacerdote. Ora, podemos manifestar a nossa consciência ao sacerdote por meio de outrem ou por escrito. Logo, basta confessar por escrito ou por meio de outrem.
2. Demais ─ Certos não são entendidos pelo sacerdote próprio por causa da diversidade de línguas; e esses não podem confessar senão mediante terceiros. Logo, o sacramento não exige necessariamente que nos confessemos por nós mesmo. E assim, parece que basta à salvação nos confessemos por outrem, de qualquer modo.
3. Demais. ─ O sacramento exige necessàriamente que nos confessemos ao sacerdote próprio, como do sobredito resulta. Ora, às vezes o sacerdote próprio está ausente e não lhe pode falar diretamente o penitente, que porém lhe poderia manifestar a consciência por escrito. Logo, parece que por escrito lh'a deve manifestar. Mas, em contrário. ─ Estamos obrigados à confissão dos pecados como o estamos à da fé. Ora, a confissão da fé deve ser feita oralmente, como diz o Apóstolo. Logo, também a dos pecados.
2. Demais. ─ Quem por si mesmo pecou deve por si mesmo fazer penitência. Ora, a confissão é parte da penitência. Logo, o penitente deve confessar-se diretamente.
SOLUÇÃO. ─ A confissão não só é ato de virtude, mas também parte do sacramento. Embora, pois, baste que de qualquer modo a façamos, enquanto ato de virtude, não obstante a dificuldade de um modo ser talvez menos que a de outro, contudo, enquanto parte do sacramento, implica um ato determinado, assim como também os outros sacramentos têm matéria determinada. É assim como no batismo, para significar a ablução interior, toma-se aquele elemento de que sobretudo nos servimos para lavar, assim, no ato sacramental, para nos manifestarmos como devemos, praticamos aquele ato pelo qual sobretudo costumam nos manifestar, isto é, as nossas palavras próprias. Quanto aos outros modos, foram aplicados como suplemento desse.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Assim como no batismo não basta uma ablução qualquer, mas é preciso fazê-lo com o elemento determinado, assim também não basta na penitência manifestar os pecados de qualquer modo, mas é necessário os manifestemos por um ato determinado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os que não podem usar da linguagem, como o mudo, ou que não falam uma língua estrangeira, basta confessarem por escrito, por sinais ou por um intérprete, porque não é possível exigir de um homem mais de que ele pode; embora ninguém possa ou deva receber o batismo senão com a água. Por ser a água um elemento absolutamente exterior e nos ser dada por outrem. Ora, o ato da confissão nós mesmos é que o praticamos; e portanto quando não podemos praticá-lo de um modo, devemos confessar como podemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Na ausência do nosso sacerdote próprio podemos fazer a confissão mesmo a um leigo. E por isso não é necessário fazê-la por escrito; porque é mais necessário o ato da confissão que aquele a quem a fazemos.
O quarto discute-se assim. - Parece não serem necessárias à confissão as dezesseis condições enumeradas pelos mestres nos versos seguintes: Seja simples, humilde a confissão, pura, fiel, E freqüente, clara, discreta, voluntária, verecunda, íntegra, secreta, lacrimosa, pronta Forte e acusadora e disposta a obedecer.
1. ─ Pois, a fé, a simplicidade e a fortaleza são em si mesmas virtudes. Logo, não devem ser postas como condições da confissão.
2. Demais. ─ Puro é o que não tem nenhuma virtude. Semelhantemente, simples é o que repugna à composição e à mistura. Logo, é supérfluo o uso dessas duas palavras.
3. Demais. ─ O pecado uma vez cometido ninguém está obrigado a confessá-lo senão uma vez. Logo, se não recairmos no pecado, não é preciso fazer confissão frequente.
4. Demais. ─ A confissão se ordena à satisfação. Ora, a satisfação às vezes é pública. Logo, a confissão nem sempre deve ser secreta.
5. Demais. ─ O que não depende de nós não pode ser de nós exigido. Ora, verter lágrimas não depende de nós. Logo, não pode ser exigido do confitente.
SOLUÇÃO. ─ Das referidas condições umas são necessárias à confissão, outras são para a perfeição dela. As necessárias à confissão, ou lh'o são enquanto ato de virtude, ou enquanto parte do sacramento. Quanto às necessárias, elas o são ou em razão da virtude, genericamente considerada, ou em razão da virtude especial de que são atos, ou em razão mesma do ato. A virtude genericamente considerada pertencem quatro condições, como diz Aristóteles. ─ A primeira, é que tenhamos ciência. E, quanto a essa, a confissão se diz discreta, enquanto que a prudência é necessária a todos os atos virtuosos. E essa discrição consiste em confessarmos os pecados maiores mais ponderadamente. ─ A segunda condição é ser de livre eleição, porque os atos virtuosos devem ser voluntários. Por isso se diz ─ voluntária. ─ A terceira condição é que pratiquemos o ato para alguma coisa, isto é, para o fim devido. E por isso, diz que deve ser pura, isto é, que a intenção seja reta. - A quarta, que pratiquemos o ato com firmeza. E por isso diz que deve ser forte, de modo que não ocultemos a verdade por vergonha. Demais, a confissão é ato da virtude de penitência. ─ E essa tem o seu início no horror pela torpeza do pecado. E por isso a confissão deve ser verecunda, de modo que não nos jactemos dos pecados por alguma vaidade do século que se infiltre nela. ─ Depois, a confissão nos leva à dor do pecado cometido. E por isso deve ser lacrimosa. ─ E em terceiro lugar, termina na humilhação de nós mesmos. E por isso deve ser humilde, de modo que nos confessemos miseráveis e enfermos. Mas, pela sua natureza mesma, o ato da confissão deve ser manifestativo. Cuja manifestação pode ser impedida por quatro obstáculos. ─ Primeiro, pela falsidade. E por isso diz fiel, isto é, verdadeira. ─ Segundo, pela obscuridade das palavras. E contra isso diz ─ clara, de modo a não empregar palavras obscuras. ─ Terceiro, pela multiplicação das palavras. E contra ela diz - simples, de modo a não declararmos na confissão senão os pecados realmente cometidos. ─ Quarto, que não ocultemos nada do que devemos revelar. E contra isso diz ─ íntegra. Enquanto parte do sacramento, a confissão concerne ao juízo do sacerdote, ministro do sacramento. E por isso é necessário seja ela acusadora, por parte do confitente; disposta a obedecer, às ordens do sacerdote; secreta, quanto à condição do foro, em que se tratam coisas ocultas da consciência. Mas para a confissão ser frutuosa há de ser frequente, e prontal; isto é, devemos confessar sem demora.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Nenhum inconveniente há em a condição de uma virtude ser implicada no ato de outra, imperado pela primeira. Ou que a mediedade, própria principalmente de uma virtude, também pertença a outras por participação.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A condição pura exclui à intenção má, de que nos purificamos; e a de ser simples exclui a mistura de elemento estranho.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O que a objeção refere não é de necessidade para a confissão, mas para ser perfeita.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Para evitar escândalo dos outros, que poderiam inclinar-se ao pecado por causa dos pecados ouvidos, não deve a confissão ser feita em público, mas ocultamente. Quanto à pena satisfatória ninguém com ela se escandaliza, pois às vezes por um pecado pequeno ou nulo fazem-se tais obras satisfatórias.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Devemos entendê-lo das lágrimas da alma.