Acaso minha alma não foi sincera confessando-te que posso medir o tempo? De fato, meu Deus, eu o meço, e não sei o que meço. Meço o movimento dos corpos com o auxílio do tempo, e não poderei medir o tempo do mesmo modo? E poderia eu medir o movimento de um corpo, sua duração, o tempo que gasta para ir de um lugar a outro, sem medir o tempo em que se move?
Mas o tempo em si, com que o poderei medir? É com um tempo mais curto que medimos um mais longo, como medimos uma viga com o côvado? Do mesmo modo medimos a duração de uma sílaba longa com a duração de uma sílaba breve, dizendo que uma é o dobro da outra. Do mesmo modo medimos a extensão de um poema pelo número de versos, a extensão dos versos pelo número de pés, a extensão dos pés pelo número de sílabas, a duração das sílabas longas pela duração das breves. Não é pelas páginas dos livros que fazemos esse cálculo, o que seria medir o espaço e não o tempo. Conforme as palavras passam e as pronunciamos, dizemos: "Eis um poema longo, porque se compõe de tantos versos; esses versos são longos, porque são formados de tantos pés; esses pés são longos, porque se estendem por tantas sílabas; esta sílaba é longa, porque é o dobro de uma breve".
Todavia, não conseguimos uma medida exata do tempo; pode acontecer que um verso mais curto, se pronunciado mais lentamente, se estenda por mais tempo que um verso mais longo, recitado depressa. O mesmo acontece com um poema, um pé, uma sílaba.
Por esse motivo é que o tempo me pareceu não ser nada mais que uma extensão. Mas extensão de que? Não saberia dize-lo ao certo; seria de admirar que não fosse extensão da própria alma. portanto, dize-me , meu Deus, que é o que meço quando digo um tanto vagamente: "Este tempo é mais longo do que aquele" – ou mais exatamente: "Este tempo é o dobro daquele? – Meço o tempo, eu o sei; mas não o futuro, que ainda não existe, nem o presente, porque não tem duração, nem o passado, porque não existe mais. Que meço eu então? Acaso o tempo que passa, e não o tempo passado, como disse acima?