É pela plenitude de tua bondade que as criaturas subsistem, para que um bem, para ti de todo inútil, ou de nenhum modo igualável a ti, embora saído de ti, continuasse a existir, pois tu o criaste. Com efeito, que poderiam merecer de ti o céu e a terra, que criaste no princípio? E digam, as naturezas espirituais e corpórea, que méritos tinham a teus olhos, que as criaste em tua Sabedoria? Que méritos, para receber de ti o ser, que mostram inacabado e informe, quando tendem à desordem e se afastam de tua semelhança? O que é de natureza espiritual, mesmo informe, é ainda superior a um corpo que recebeu forma; um corpo sem forma é superior ao puro nada; ora, todas essas coisas continuariam informes em teu Verbo, se essa mesma palavra não as recolhesse à tua Unidade, comunicando-lhes a forma e a excelência graças apenas a ti, soberano Bem. Mas que merecimentos antecipados apresentaram a teus olhos, para existir mesmo informes essas criaturas que, sem que as criasses nem teriam existido?
E o que a matéria corporal merecera de ti para existir, mesmo invisível e caótica? Nem mesmo essa existência teria, se não as tivesses criado. Não existindo ainda, não podia ter merecimento algum para existir. E a criatura espiritual, ainda no estado embrionário, que títulos teria, mesmo para ser essa coisa vagante e tenebrosa, semelhante ao abismo, diferente de ti, se por teu Verbo não fosse conduzida ao mesmo Verbo que a criou e se, iluminada por ele, também não se transformasse em luz, não igual, mas análoga à tua imagem? Para um corpo, não é a mesma coisa existir e ser belo, pois de outro modo não poderia viver e viver sabiamente não são a mesma coisa, porque, se fosse, todo espírito seria imutável em sua sabedoria.
Mas seu bem reside em se manter unido a ti, para não perder, afastando-se, a luz que adquiriu com a tua proximidade, tornando a cair em uma vida semelhante a um abismo de trevas. E também nós, que por nossa alma somos criaturas espirituais, nós nos afastamos de ti, nossa luz, nós fomos outrora trevas nesta vida e ainda padecemos por entre os restos de nossas trevas, até que nos tornamos tua justiça em teu Filho único, como as montanhas de Deus. Pois fomos objetos de teus juízos, que são profundos como abismos.