E assim não foi a profundeza do mar, mas a terra livre do amargor das águas que, impelida pelo teu Verbo gerou não mais os répteis dotados de almas vivas e os pássaros, mas a alma viva. E esta não mais tem necessidade de batismo (necessário para os gentios), como tinha necessidade enquanto as cobriam. Pois não se entra de outro modo no reino dos céus, desde que assim o determinaste. Para ter fé, ela já não exige grandes maravilhas. Ela crê sem ter visto sinais e prodígios, porque é terra fiel, já distinta das águas do mar que a incredulidade torna amargas: e as línguas são um sinal,não para os fiéis, mas para os infiéis.
A terra que estendeste acima das águas não tem necessidade dessa espécie de aves que as águas produziram por ordem de teu Verbo. Envia-lhe, pois, teu Verbo, por meio de teus mensageiros. Nós falamos de suas obras, mas quem age por seu intermédio, para que produzam uma alma viva, és tu. A terra a germina porque é a causa dos fenômenos que ocorrem na superfície, assim como o mar foi causa da produção dos répteis dotados de almas vivas, e das aves sob o firmamento do céu. A terra já não necessita destas criaturas, embora ela se alimente de peixes pescados nas profundezas do mar, nessa mesa que preparaste na presença dos crentes; porque eles foram pescados nas profundezas do mar para alimentar a terra árida.
Também as aves, ainda que nascidas no mar, multiplicam-se sobre a terra. As primeiras gerações evangélicas foram motivadas pela incredulidade dos homens, mas também fiéis nela encontram diariamente copiosas exortações e bênçãos. Todavia, a alma viva, extrai da terra sua origem, porque somente aos fiéis é meritório abster-se de amar este mundo, para que sua alma viva por ti, essa alma que estava morta quando vivia em delícias mortíferas. Ó Senhor, só tu fazes as delicias de um coração puro.
Que teus ministros trabalhem na terra, não como nas águas da incredulidade, quando pregavam e falavam utilizando-se de milagres, de sinais misteriosos, de termos místicos, para capturar atenção da ignorância, mãe da admiração, pelo medo desses sinais secretos. Por esta porta, de fato, os filhos de Adão têm acesso à fé, esquecidos de ti enquanto se escondem de tua fade e se tornam abismos. Que teus ministros trabalhem como em terra seca, separada das fauces do abismo; e que sejam modelo para os fiéis, vivendo sob teus olhares e incitando-os à imitação. E assim ouve não só para ouvir, mas também para praticar. "Procurai a Deus, e vossa alma viverá, e a terra dará nascimento a uma alma viva. Não vos conformeis com este mundo em que vivemos, abstendo-vos dele. A alma vive evitando as coisas cujo desejo causa-lhe a morte. Abstende-vos das violências selvagens da soberba, das ociosas voluptuosidades da luxúria, da falsidade que engana em nome da ciência, para que os animais ferozes sejam domesticados, os brutos domados e para que as serpentes sejam inofensivas: todos representam alegoricamente os movimentos da alma humana. O fastio do orgulho, as delícias da luxúria, o veneno da curiosidade, são movimentos da alma morta, mas não morta a ponto de carecer de todo movimento; é afastando-se da fonte da vida que ela morre, o mundo a arrebata ao passar, e a este se amolda.
Mas tua palavra, meu Deus, é a fonte da vida eterna, e não passa. Ela mesma nos proíbe que nos afastemos de ti por essas palavras: "Não vos conformeis com o mundo em que vivemos, para que a terra, fertilizada pela fonte da vida, produza uma alma viva, uma alma que busque em tua palavra, transmitida por teus evangelistas, se fortificar, imitando os imitadores de teu Cristo". – Eis o sentido da expressão "segundo sua espécie", porque o homem imita a quem ama. "Sede como eu" – diz o Apostolo, - porque sou como vós. – Assim haverá na alma viva apenas feras sem maldade, agindo com doçura. Pois nos deste este mandamento: "Fazei vossas obras com mansidão, e sereis amados por todos" – Também os animais domésticos serão bons: se comerem, não sofrerão fastio e, se não comerem, não terão fome. As serpentes, tornando-se boas, serão incapazes de causar danos, mas continuarão astutas e cautelosas; não investigarão a natureza temporal, senão na medida necessária para compreender e contemplar a eternidade através das coisas criadas. Esses animais, as paixões, obedecem à razão, quando refreados em seus caminhos mortais, vivem e se tornam bons.