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Confissões

Santo Agostinho

Capítulo

Capitulum
Livro Sexto Cap.2

CAPÍTULO II

Obediência de Mônica

Assim, um dia, como costumava na África, levou papas, pão e vinho puro à sepultura dos mártires, mas o porteiro não quis permitir suas ofertas. Quando soube que essa proibição vinha do bispo, resignou-se tão piedosamente e obedientemente, que eu mesmo me admirei de quão facilmente passasse a condenar o hábito, e não a criticar a proibição de Ambrósio.

É que seu espírito não era dominado pela embriaguez, nem o amor do vinho a incitava ao ódio da verdade, como acontece a muitos homens e mulheres, que ao ouvir o cântico da sobriedade, sentem a mesma repulsa que os ébrios diante de um copo d'água. Mas ela, ao trazer as cestas com as oferendas usuais para serem provadas e repartidas, não bebia mais que um pequeno copo de vinho, temperado segundo seu paladar bastante sóbrio e condizente com sua dignidade. E se eram muitos os sepulcros que devia honrar desse modo, levava sempre o mesmo copo, usando-o para todos, de modo que o vinho não só estava muito aguado, mas até quente. Dividia-o em pequenos tragos com as pessoas presente, porque buscava a piedade, e não o prazer.

Tão logo porém soube que o ilustre pregador e mestre a verdade proibira tal costume – mesmo para os que o praticavam sobriamente, para não dar aos ébrios azo de se embriagarem, e porque essa espécie de parentales (festas pagãs que se celebravam de 13 a 21 de fevereiro consagradas especialmente aos deuses lares) era muito semelhante à superstição dos pagãos – ela se absteve de muito boa vontade. No lugar da cesta cheia de frutos da terra, aprendeu a levar ao túmulo dos mártires um coração cheio de puros desejos, dando o que podia aos pobres. Celebrava assim a comunhão com o corpo do Senhor, cuja paixão serviu de modelo aos mártires em seu sacrifício e coroação.

Mas, parece-me, meu Senhor e meu Deus – e assim o crê meu coração em tua presença – que minha mãe não teria abdicado tão facilmente desse costume – que todavia era necessário cortar – se outro a quem não amasse tanto como a Ambrosio o tivesse proibido. De fato, ela o estimava muito por ter-me salvado, e ele a tinha em grande estima pela religiosidade e solicitude com que freqüentava a igreja, na prática das boas obras. Por isso, muitas vezes quando me encontrava com ele, irrompia em louvores à minha mãe, e me felicitava por ser seu filho. Ignorava o filho que ela tinha em mim, filho que duvidava de tudo, e julgava impossível achar o caminho da vida.