Deste modo, ó meu auxílio, já me havias libertado daqueles grilhões. Contudo eu buscava ainda a origem do mal, e não encontrava solução. Mas não permitias que as vagas de meu pensamento me apartassem da fé. Fé na tua existência, na tua substância imutável, na tua providência para os homens, e na tua justiça que os julgará. Já acreditava que traçaste o caminho da salvação dos homens, rumo à vida que sobrevém depois da morte, em Cristo, teu Filho e Senhor nosso, e nas Sagradas Escrituras, recomendadas pela autoridade de tua Igreja Católica.
Salvas e fortemente arraigadas estas verdades em meu espírito, buscava eu ansiosamente a origem do mal. E que tormentos, como que de parto, eram aqueles de meu coração! Que gemidos, meu Deus! E ali estavam teus ouvidos atentos, e eu não o sabia. Quando, em silêncio, me esforçava em pacientes buscas, altos clamores se elevavam até tua misericórdia: eram as silenciosas angústias de minha alma.
Tu só sabes o que eu padecia, mas homem algum o sabia. De fato, quão pouco era o que minha palavra transmitia aos meus amigos mais íntimos! Chegava, porventura, a eles o tumulto de minha alma, que nem o tempo, nem as palavras bastavam para declarar? Contudo, chegavam a teus ouvidos as queixas que em meu coração rugiam, e meu desejo estava diante de ti, mas a luz de meus olhos não estava contigo, porque ela estava dentro, e eu olhava para fora. Ela não ocupava espaço algum, e eu só pensava nas coisas que ocupam lugar, e não achava nelas lugar de descanso, nem me acolhiam de modo que pudesse dizer: "Basta, Aqui estou bem!" – Nem me permitiam que eu fosse para onde me sentisse satisfeito. Eu era superior a estas coisas, mas sempre inferior a ti. Serias minha verdadeira alegria se eu te fosse submisso, pois sujeitasse a mim tudo o que criaste inferior a mim. Tal seria o justo equilíbrio e a região central de minha salvação: permanecer como imagem tua, e servindo-te, ser o senhor de meu corpo. Mas, como me levantei soberbamente contra ti, investindo contra meu Senhor coberto com o escudo de minha dura cerviz, até mesmo as criaturas inferiores se fizeram superiores a mim, e me oprimiam, e não me davam um momento de alívio e de descanso.
Quando as olhava, elas me vinham ao encontro atabalhoadamente de todos os lados; mas quando nelas me concentrava, tais imagens corporais me barravam para que me retirasse, como se me dissessem: "Para onde vais, indigno e impuro?" E estas recobravam forças com a minha chaga, porque humilhaste o soberbo como a um homem ferido. Minha presunção me separava de ti, e meu rosto de tão inchado, fechava meus olhos.