Entretanto, tua misericórdia, fiel, de longe pairava sobre mim. Em quantas iniqüidades não me corrompi, meu Deus, levado por sacrílega curiosidade que, separando-me de ti, conduzia-me aos mais baixos, desleais e enganosos serviços aos demônios, a quem sacrificava minhas más ações, sendo em todas flagelado com duro açoite por ti!
Também ousei apetecer ardentemente e procurar meios para conseguir os frutos da morte na celebração de teus mistérios, dentro dos muros de tua igreja. Por isso me açoitaste com duras penas, que nada eram comparadas com minhas culpas, ó Deus, misericórdia infinita, e meu refúgio contra os terríveis malfeitores, com os quais vaguei de cabeça erguida, afastando-me cada vez mais de ti, preferindo meus caminhos aos teus, amando a liberdade fugitiva!
Os estudos a que era entregue, que se denominavam honestos ou nobres, tinham por objetivo as contendas do foro, nas quais deveria me distinguir com tanto maior louvor quanto mais hábeis fossem as mentiras. Tal é a cegueira dos homens, que até de sua própria cegueira se gloriam!
Eu já conseguira, naquele tempo, ser o primeiro da escola de retórica, e por isso me vangloriava soberbamente, e me inflava de orgulho. Contudo, tu sabes, Senhor, que eu era muito mais sossegado que os demais, e totalmente alheio às turbulências dos eversores – ou demolidores – nome sinistro e diabólico que eles consideravam distintivo de urbanidade, entre os quais vivia com imprudente pudor por não pertencer a seu grupo. É verdade que andava com eles, e que me deleitava, às vezes, com sua amizade, porém, sempre aborreci o que faziam, como as troças e a insolência com que surpreendiam e ridicularizavam a timidez dos novatos, sem outra finalidade senão rir de suas trapalhadas, fazendo disso alimento para suas malévolas alegrias. Nada há mais parecido a estas ações que as dos demônios, pelo que nenhum nome lhes cai melhor que o de eversores ou demolidores, por serem eles transformados e pervertidos totalmente pelos espíritos malignos, que assim os burlam e enganam, sem que o saibam, justamente no que eles gostam de ludibriar ou enganar os demais.