Deste modo vim cair com uns homens que deliravam orgulhosos, demasiado carnais e loquazes; em sua boca havia laços diabólicos e engodo pegajoso feito com as silabas de teu nome, do nosso Senhor, Jesus Cristo, e do nosso Paráclito e Consolador, o Espírito Santo. Estes nomes nunca saíam de seus lábios, porém, só no som e ruído da boca, pois de resto, seu coração estava vazio de toda verdade.
Diziam: "Verdade! Verdade!" – e, incessantemente, falavam-me da verdade, que nunca existiu neles; antes, diziam muitas falsidades, não apenas de ti, que és verdade por excelência, mas também dos elementos deste mundo, criação tua. Sobre isso, mesmo quando os filósofos diziam a verdade, tive de ultrapassá-los nos raciocínios por amor de ti, ó pai sumamente bom, beleza de todas as belezas!
Ó verdade, verdade! Quão intimamente suspiravam por ti as fibras da minha alma, quando eles te faziam soar ao meu redor frequentemente e de muitos modos, embora apenas com as palavras e em seus muitos e volumosos livros. Estes eram as bandejas nas quais, estando eu faminto de ti, serviam-me em teu lugar o sol e a lua, formosas obras de tuas mãos, porém, obras tuas, e não a ti, nem sequer das principais. De fato, tuas obras espirituais são superiores a estas corporais, ainda que estas sejam brilhantes e celestes. Mas eu tinha sede e fome não daquelas primeiras, mas de ti mesmo, ó verdade, na qual não há mudança nem obscuridade momentânea!
E eles serviam-me nessas bandejas esplendidas ficções, de acordo com as quais teria sido melhor amar a este sol, verdadeiro pelo menos aos olhos, em lugar daquelas falsidades que pelos olhos do corpo enganavam o entendimento.
Contudo, como as tomava por ti, alimentava-me delas, não certamente com avidez, porque não tinham o teu gosto – pois não eras aqueles vãos fantasmas – nem me nutria com elas, antes sentia-me cada vez mais debilitado. A comida que se toma em sonhos, não obstante ser muito semelhante à do estado de vigília, não alimenta aos que dormem, porque estão dormindo. Aquilo, porém, em nada era semelhantes a ti, como agora me certificou a verdade, pois que eram fantasmas corpóreos ou falsos corpos; comparados com eles, são mais reais estes corpos – celestes ou terrestres – que vemos com os olhos da carne assim como os vêem os animais e as aves.
Vemos estas coisas, e são mais reais do que as conjecturas sobre outros corpos grandiosos, que, por sua vez, que, por sua vez, quando as imaginamos, são mais reais do que quando por meio delas conjeturamos outras maiores e infinitas, que de modo algum existem. Com tais quimeras me alimentava eu, então, e por isso não me saciava.
Mas tu, meu amor, em quem desfaleço para me tornar forte, nem és estes corpos que vemos, mesmo no céu; nem os outros que não vemos, porque és o Criador e os ocultaste, e não os consideras como as obras primas de tua criação.
Oh! Quão longe estavas daquelas minhas quimeras, fantasmas de corpos que jamais existiram em comparação, são mais reais as imagens dos corpos existentes; e, mais reais ainda essas imagens, esses mesmos corpos, os quais, todavia, não são tu! Mas também não és a alma que dá vida aos corpos – mas é a vida das almas, a vida das vidas, que vives, imutável, por ti mesma; a vida de minha alma.
Mas onde estavas então para mim? e quão longe peregrinava eu, longe de ti, privado até as bolotas com que eu alimentava os porcos! Quão melhores eram as fábulas dos gramáticos e poetas que todos aqueles enganos! Porque os versos, a poesia e a fábula de Medeia soando pelo ar são certamente mais úteis que os cinco elementos do mundo em seus mil disfarces, conforme os cinco antros de trevas, que não existem, mas que matam a quem nele acredita. Porém, versos e poesia eu os posso converter em iguaria para meu espírito e, quanto ao vôo de Medeia, se o recitava bem, não lhe afirmava veracidade e, se me agradava ouvi-lo, não lhe dava crédito. Mas – ai de mim! – eu acreditei naqueles erros dos maniqueístas.
Ai de mim, por que degraus fui descendo até a profundidade do abismo, exaurido e devorado pela falta de verdade quando te buscava! E tudo isso, meu Deus – a quem me confesso porque te compadeceste de mim quando ainda não te conhecia – tudo por buscar-te, não com a inteligência – com a qual quiseste que eu fosse superior aos animais – mas com os sentidos da carne. E tu estavas dentro de mim, mais profundo do que o que em mim existe de mais íntimo, e mais elevado do que o que em mim existe de mais alto.
Assim encontrei aquela mulher insolente e sem prudência – enigma de Salomão – que, sentada em uma cadeira à porta de sua casa, diz aos que passam: Comei à vontade dos pães escondidos, e bebei da doçura da água roubada, a qual me seduziu por andar eu vagando fora de mim, sob o império da vista carnal, ruminando em meu íntimo o que meus olhos haviam devorado.