Conseqüentemente devemos tratar da pena dos demônios. E sobre este ponto quatro artigos se discutem:
O primeiro discute-se assim. — Parece que o intelecto dos demônios ficou entenebrecido pela privação do conhecimento de toda verdade.
1. — Pois, se conhecesse alguma verdade, conheceriam sobretudo a si mesmos, o que seria conhecerem substâncias separadas. Ora, isto não lhes conviria à miséria, pois, é própria de uma grande beatitude; a ponto que alguns ensinaram ser a felicidade última do homem o conhecimento das substâncias separadas. Logo, os demônios estão privados de todo conhecimento da verdade.
2. Demais. — O que por natureza é manifesto, em máximo grau, parece ser, em máximo grau, manifesto aos anjos, bons ou maus. E se não nos é a nós, nesse mesmo grau, isso provém da debilidade do nosso intelecto que recebe os dados dos fantasmas; assim como, por debilidade dos olhos a coruja não pode ver a luz do sol. Ora, os demônios não podem conhecer a Deus, manifestíssimo em si mesmo, pois é a suma das verdades, porque não têm o coração puro, que só pode ver a Deus. Logo, também não podem ter conhecimento dos outros objetos.
3. Demais. — O conhecimento angélico das coisas é duplo, segundo Agostinho: o matutino e o vespertino. Ora, aquele não compete aos demônios, porque não vêm as coisas no Verbo. Nem também o vespertino, que refere as coisas conhecidas ao louvor do Criador; donde o vir a ser tarde depois da manhã, como diz a Escritura. Logo, os demônios não podem ter conhecimento das coisas.
4. Demais. — Os anjos, no seu conhecimento, conheceram o mistério do reino de Deus, como diz Agostinho. Ora, os demônios estão privados desse conhecimento, pois, se eles o conhecessem nunca sacrificariam o Senhor da glória, como diz a Escritura. Logo, pela mesma razão, estão privados de qualquer outro conhecimento da verdade.
5. Demais. — Quem conhece qualquer verdade, ou a conhece naturalmente, como conhecemos os primeiros princípios; ou pela receber de outrem, como o que sabemos aprendendo; ou pela experiência de um longo tempo, como o que sabemos pelo ter descoberto. Ora, os demônios não podem, pela própria natureza, conhecer a verdade, porque deles estão separados os bons anjos, como a luz das trevas, segundo diz Agostinho; e toda manifestação se faz pela luz, na expressão da Escritura. Semelhantemente, nem pela revelação; nem por aprender dos bons anjos, pois, não há comércio entre a luz e as trevas, como diz a Escritura. Nem pela experiência de longo tempo, porque esta nasce dos sentidos. Logo, os demônios não têm nenhum conhecimento da verdade. Mas, em contrário, diz Dionísio que, dados aos demônios os dons angélicos, nós de nenhum modo os consideramos mudados, permanecendo íntegros e esplendíssimos. Ora, entre esses dons naturais está o conhecimento da verdade. Logo, eles têm algum conhecimento desta.
SOLUÇÃO. — Há um duplo conhecimento da verdade: o obtido pela natureza e o pela graça. Sendo este último, também duplo: um é somente especulativo, quando, p. ex., são revelados a algumas pessoas certos segredos divinos; outro, porém, é afetivo, produz o amor de Deus e pertence propriamente ao dom da sabedoria. — Ora, destas três formas de conhecimento, a primeira nem foi suprimida nem diminuída nos demônios. Pois, resulta da própria natureza angélica, que é naturalmente inteligência ou mente. Por isso, por causa da simplicidade da substância, essa natureza de nada pode ser privada, de maneira a ser punida pela privação dos dons naturais, como o homem o é pela privação da mão, do pé ou de outro qualquer membro. Por onde diz Dionísio (loc. cit) que os dons naturais permanecem íntegros, nos demônios e, por isso o conhecimento natural não se lhes diminuiu. — Porém, a segunda forma de conhecimento, a que se obtém pela graça e consiste na especulação, não lhes tendo sido tirada, foi-lhes contudo diminuída. Porque, dos segredos divinos é-lhes revelado somente o necessário, ou mediante os anjos, ou por alguns efeitos temporais da divina virtude, como diz Agostinho. Não, porém, como o é aos próprios santos anjos, aos quais mais claramente mais coisas são reveladas no Verbo mesmo. — Mas, da terceira forma de conhecimento eles são totalmente privados, bem como da caridade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A felicidade consiste na aplicação ao que nos é superior. Ora, as substâncias separadas são-nos superiores, na ordem da natureza; por isso, pode haver uma certa razão de felicidade para o homem em as conhecer, embora a felicidade perfeita dele esteja em conhecer a substância primeira, Deus. Mas às substâncias separadas é-lhes conatural mutuamente se conhecerem, assim como é a nós conhecer as naturezas sensíveis. Por onde, assim como a felicidade do homem não consiste em conhecer estas naturezas, assim a dos anjos não consiste em mutuamente se conhecerem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O que é manifestíssimo, por natureza, é-nos oculto como excedente à capacidade do nosso intelecto e não só porque este receba os dados, dos fantasmas. Ora, a substância divina excede não só a capacidade do intelecto humano, mas também a do angélico. Por onde, nem o próprio anjo, pela sua natureza, pode conhecer a substância de Deus. Contudo pode, pela sua natureza, ter de Deus um conhecimento mais elevado que o homem, por causa da perfeição do seu intelecto. E um tal conhecimento de Deus permanece também nos demônios; pois, embora não tenham a pureza, que vem da graça, têm, todavia, a pureza natural, suficiente para o conhecimento natural que têm de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A criatura é treva, comparada com a excelência da luz divina. E por isso, o conhecimento próprio à criatura, na sua natureza própria, se chama vespertino, porque a tarde vai de mistura com as trevas, se bem tenha alguma luz; quando, porém, esta faltar totalmente, faz-se a noite. Assim, pois, também o conhecimento das coisas, em a natureza própria delas, quando for referido ao louvor do Criador, como se dá com os bons anjos, tem algo da luz divina e pode chamar-se vespertino; se, porém, não se referir a Deus, como se dá com os demônios, não se chama vespertino, mas noturno. Por isso, se lê na Escritura que Deus chamou noite às trevas, que separou da luz.
RESPOSTA À QUARTA. — O mistério do reino de Deus, realizado por Cristo, certamente todos os anjos o conheceram, desde o princípio, de algum modo; sobretudo desde que foram beatificados pela visão do Verbo, que os demônios nunca tiveram. Mas, todos os anjos não o conheceram, nem perfeita nem igualmente. Por onde, muito menos os demônios conheceram perfeitamente o mistério da Encarnação, durante a existência de Cristo, no mundo. Pois, como diz Agostinho, não lhes foi dado a conhecer, como aos santos anjos, que fruem da eternidade participada do Verbo; mas lhes foi, por certos efeitos temporais, como para os aterrar. Porque, se perfeitamente e com certeza tivessem sabido ser Cristo o Filho de Deus e tivessem conhecido o efeito da sua Paixão, nunca teriam tentado crucificar o Senhor da glória.
RESPOSTA À QUINTA. — De três modos os demônios conhecem qualquer verdade. — Primeiro, pela sutileza de sua natureza; pois, embora entenebrecidos pela privação da luz da graça, são todavia lúcidos pela luz da natureza intelectual. — Segundo, pela revelação aos santos anjos, com os quais, embora não convenham pela conformidade da vontade, convém, contudo, pela semelhança da natureza intelectual, podendo, por essa natureza, receber o que por outros for manifestado. — Terceiro, conhecem pela experiência de um longo tempo, embora não a adquiram pelos sentidos, mas como pelas coisas singulares se completa a semelhança da espécie inteligível que lhes é naturalmente infusa, conhecem certas coisas presentes, que não conheciam enquanto ainda eram futuras, como já se disse antes, ao tratar do conhecimento dos anjos.
O segundo discute-se assim. — Parece que a vontade dos demônios não está obstinada no mal.
1. — Pois a liberdade do arbítrio pertence à natureza do ser intelectual, que permanece nos demônios, como já se disse. Ora, essa liberdade, por si e primariamente, se ordena ao bem e não ao mal. Logo, a vontade do demônio não está obstinada no mal, de modo que não possa voltar ao bem.
2. Demais. — Maior é a misericórdia infinita de Deus que a malícia finita do demônio. Ora, da malícia da culpa à bondade da justiça ninguém volta senão pela misericórdia de Deus. Logo, também os demônios podem voltar ao estado da malícia para o da justiça.
3. Demais. — Se os demônios têm a vontade obstinada no mal, a teriam obstinada sobretudo no pecado pelo qual pecaram. Mas esse pecado, a soberba, não mais permanece neles por não permanecer o motivo dela, a excelência. Logo, o demônio não está obstinado na malícia.
4. Demais. — Gregório diz que o homem pôde ser resgatado por outrem, porque por outrem caiu. Ora, os demônios inferiores caíram pelo primeiro deles, como se disse antes. Logo, a queda deles podia ser resgatada por outrem. Logo, não está obstinados na malícia.
5. Demais. — Quem está obstinado na malícia nunca pratica boas obras. Ora, o demônio faz algumas boas obras; assim, confessa a verdade, dizendo a Cristo: Sei quem és, o Santo de Deus; também os demônios crêem e estremecem, como diz a Escritura; e Dionísio também diz que eles desejam o bom e o ótimo: existir, viver e inteligir. Logo, não estão obstinados na malícia. Mas, em contrário, diz a Escritura: A soberba daqueles que te aborrecem, sobe continuamente; o que se entende dito dos demônios. Logo, perseveram sempre obstinados na malícia.
SOLUÇÃO. — Era opinião de Orígines, que toda vontade da criatura pode inclinar-se para o bem e para o mal, por causa da liberdade do arbítrio; exceto a alma de Cristo, por efeito da união do Verbo. — Mas esta opinião destrói a verdade da beatitude em relação aos santos anjos e aos homens; porque a estabilidade sempiterna é da essência da verdadeira beatitude, sendo, por isso, que esta se chama vida eterna. Também repugna à autoridade da Sagrada Escritura, declarando que os demônios e os homens maus serão enviados para o suplício eterno; mas os bons serão transferidos para a vida eterna. Por onde, essa opinião deve ser reputada por errônea e se deve ter firmemente, segundo a fé católica, que a vontade dos bons anjos está confirmada no bem e a dos demônios obstinada no mal. Porém, a causa desta obstinação deve ser buscada, não na gravidade da culpa, mas na condição da natureza ou do estado. Pois, como diz Damasceno, a morte é para os homens o que é a queda para os anjos. Ora, é manifesto, todos os pecados mortais, grandes ou pequenos, dos homens são remissíveis, antes da morte; porém, depois dela, são irremissíveis e perpetuamente permanecem. Logo, para se inquirir da causa dessa obstinação, é mister considerar que a virtude apetitiva, em todos os seres, é proporcionada à apreensiva, da qual é movida, assim como é o móvel proporcionado ao motor. Ora, o apetite sensitivo busca o bem particular, ao passo que a vontade atinge o universal, como já antes se disse; do mesmo modo que a apreensão sensível atinge o singular, ao passo que o intelecto, o universal. Mas, a apreensão do anjo difere da do homem por apreender imovelmente, pelo intelecto, assim como nós apreendemos os primeiro princípios, objeto do intelecto; ao passo que o homem apreende movelmente, pela razão, discorrendo de uma verdade para outra, podendo tender para qualquer de dois opostos. Por onde, a vontade do homem adere a um objeto, movelmente, quase podendo abandoná-lo para aderir ao contrário; a do anjo, porém, adere fixa e imovelmente. E portanto, considerada antes da adesão, pode a vontade angélica aderir livremente a um termo ou ao seu oposto, isso nas coisas que ela não quer necessariamente; mas, depois de já ter aderido, adere imovelmente. E, por isso, se costuma dizer que o livre arbítrio do homem é flexível e capaz de termos opostos, tanto antes como depois da eleição; porém, o do anjos é flexível quanto aos opostos, antes da eleição, não, porém, depois. Assim, pois, os bons anjos, uma vez tendo aderido à justiça, nela foram confirmados; mas os maus, pecando, obstinaram-se no pecado. Quanto à obstinação dos homens condenados, a seguir se dirá (Supplem.Q. 98, a. 1, 2).
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Tanto os bons como os maus anjos têm o livre arbítrio; mas segundo o modo e a condição da sua natureza, como foi dito.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A misericórdia de Deus libera do pecado os penitentes. Porém, os incapazes de penitência, por aderirem imovelmente ao mal, esses não são liberados pela divina misericórdia.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Ao diabo ainda lhe permanece o pecado pelo qual pecou, quanto ao apetite, embora não quanto ao que crê poder alcançar. Como quem pensasse poder cometer um homicídio, e o quisesse sendo, em seguida, privado do poder de o perpetrar; contudo poderia permanecer-lhe a vontade do homicídio, de modo a querer tê-lo cometido ou a cometê-lo, se pudesse.
RESPOSTA À QUARTA. — Não é a causa total de ser o pecado do homem remissível, o ter pecado por sugestão de outrem. Logo, a objeção não colhe.
RESPOSTA À QUINTA. — O ato do demônio é duplo. Um procede da vontade deliberada e esse pode ser propriamente chamado ato do demônio. E tal ato sempre é mau, porque, embora algumas vezes faça algo de bom, todavia não o faz bem; assim, dizendo a verdade para enganar, e não a acreditando e confessando voluntariamente, mas coagido pela evidência das coisas. Porém, outro ato do demônio sendo natural, pode ser bom e lhe atesta a bondade da natureza. E todavia abusa também desse ato, para o mal.
O terceiro discute-se assim. — Parece que não há dor nos demônios.
1. — Pois, a dor e a alegria, mutuamente se opondo, não podem simultaneamente existir no mesmo ser. Ora, nos demônios há alegria; porquanto Agostinho diz: O diabo tem poder sobre aqueles que desprezam os preceitos de Deus, e se alegram com esse tão infeliz poder. Logo, neles não há dor.
2. Demais. — A dor é a causa do temor; pois, tememos o futuro daquilo que sofremos, quando é presente. Ora, nos demônios não há temor, conforme a Escritura: Foi feito para que não temesse a nada. Logo, neles não há dor.
3. Demais. — Doer-se do mal é bom. Ora, os demônios não podem fazer o bem. Logo, não podem ter dor, ao menos pelo mal da culpa, o relativo ao verme da consciência. Mas, em contrário, o pecado do demônio é mais grave que o do homem. Ora, este é punido pela dor, por causa do deleite no pecado, segundo a Escritura: Quanto ela se tem glorificado e vivido em deleites, tanto lhe daí de tormento e pranto. Logo, com maioria de razão, o diabo, que se glorificou maximamente, é punido pelo pranto da dor.
SOLUÇÃO. — O temor, a dor, a alegria e outras paixões, como tais, não podem existir nos demônios; pois, como tais, pertencem propriamente ao apetite sensitivo, virtude que se exerce pelo órgão corpóreo. Mas, enquanto designam atos simples da vontade, podem neles existir; sendo necessário então dizer que neles há dor. Pois esta, significando ato simples da vontade, não é senão o recalcitrar desta quanto ao que é ou ao que não é. Ora, é claro, os demônios querem não fossem muitas coisas que são, e fossem muitas que não são; assim, invejosos, querem fossem danados os que se salvam. Por onde, é forçoso admitir que neles há dor; e, precipuamente, porque é da natureza da pena repugnar à vontade. Ora, eles estão privados da beatitude, que naturalmente desejam; e, em muitos deles, é reprimida a vontade iníqua.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A dor e a alegria, relativamente ao mesmo objeto, são opostos; não são porém, relativamente a objetos diversos. Por onde, nada impede que alguém simultaneamente se doa de uma coisa e goze com outra; e sobretudo enquanto a dor e a alegria supõem atos simples da vontade, pois não só em relação a coisas diversas,mas também em relação a uma mesma coisa, pode haver algo que queremos e algo que não.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como, nos demônios, há a dor do presente, assim há o temor do futuro. E a expressão — Foi feito para que não temesse a nada — se entende do temor de Deus, que coíbe o pecado. Pois, alhures está escrito, que os demônios crêem e estremecem.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O doer-se do mal da culpa, em si mesma, atesta a bondade da vontade, à qual esse mal se opõe. Doer-se porém do mal da pena, ou do mal da culpa, por causa da pena, atesta a bondade da natureza, à qual o mal da pena se opõe. Por isso Agostinho diz, que a dor do bem perdido, no suplício, é testemunho da natureza boa. Logo, o demônio, de vontade perversa e obstinada, não se dói do mal da culpa.
O quarto discute-se assim. — Parece que o nosso ar não é o lugar da pena dos demônios.
1. — Pois, o demônio é de natureza espiritual. Ora, a natureza espiritual não é afetada pelo lugar. Logo, não há nenhum lugar de pena para os demônios.
2. Demais. — O pecado do homem não é mais grave que o do demônio. Ora, o lugar da pena do homem é o inferno. Logo, muito mais, o do demônio. Logo, não o é o ar caliginoso.
3. Demais. — Os demônios são punidos pela pena do fogo. Ora, no ar caliginoso não há fogo. Logo, esse ar não é o lugar a pena dos demônios. Mas, em contrário, diz Agostinho, que o ar caliginoso é um quase cárcere para os demônios, até o tempo do juízo.
SOLUÇÃO. — Os anjos, por natureza, são medianeiros entre Deus e os homens. Ora, está na ordem da divina providência, que o bem dos seres inferiores seja obtido pelos superiores. O bem do homem, porém, pode ser obtido duplamente pela divina providência. De um modo, diretamente; induzindo ao bem e retraindo do mal, o que convenientemente se faz pelos anjos bons. De outro modo, indiretamente: p. ex., quando alguém se exerce atacado pela impugnação de um contrário. E era conveniente que esta obtenção do bem humano se realizasse pelos maus anjos, afim de que não fossem eliminados totalmente, depois do pecado, da utilidade da ordem natural. Assim, pois, duplo lugar de pena é devido aos demônios. Um, em razão da culpa, e esse é o inferno. Outro, porém, em razão da exercitação humana e, esse é o ar caliginoso. Mas, como a busca da salvação humana se prolongará até o dia do juízo, até então durará o ministério dos anjos e a exercitação causada pelos demônios. Por isso, até então, também os bons anjos nos serão para cá mandados, e os demônios hão-de exercitar-nos neste ar caliginoso; embora alguns destes estejam também agora no inferno, para atormentar os que induziram ao mal, assim como alguns bons anjos estão com as almas santas no céu. Mas depois do dia do juízo, todos os maus, homens e anjos, estarão no inferno; os bons, porém, no céu.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um lugar não é de pena, para o anjo, nem para a alma, porque lhes afete a natureza, alterando-a; mas porque lhes afeta a vontade, contristando-a, enquanto o anjo ou a alma compreende estar num lugar, que não lhe convém à vontade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Uma alma, na ordem da natureza, não é superior a outra, como os demônios, na ordem da natureza, são superiores aos homens. Por isso a razão não é a mesma.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Alguns disseram que a pena sensível dos demônios e das almas, bem como a beatitude dos santos, serão diferidas até o dia do juízo; o que é errôneo e repugna à sentença do Apóstolo: Se a nossa casa terrestre desta morada for desfeita, temos um edifício no céu. Outros, porém, embora não sejam da mesma opinião, quanto às almas, são-no quanto aos demônios. Mas é melhor sentir que se deve fazer o mesmo juízo das almas más e dos maus anjos, de um lado, e das almas boas e dos bons anjos, de outro. Donde, assim como o lugar celeste pertence à glória dos anjos e, contudo, esta não diminui por virem eles a nós, porque consideram esse lugar como seu, do mesmo modo pelo qual dizemos que a honra do bispo não diminui quando não se assenta atualmente na cátedra; semelhantemente, embora os demônios não estejam atualmente ligados ao fogo da Geena, quando estão em o ar caliginoso, contudo, por isso mesmo que sabem que essa prisão lhes é devida, a pena não se lhes diminui. Por isso diz uma certa Glossa, que eles levam consigo o fogo da Geena para onde quer que vão. Nem vai contra o dito da Escritura, que pediram ao Senhor que não os mandasse ir para o abismo; porque assim o pediram reputando por pena se fossem excluídos do lugar em que podem prejudicar aos homens. Por onde, em outra passagem se diz, que pediam-lhe instantemente que os não lançasse fora do país. Tratado da criação corpórea