Em seguida se tratará das potências intelectivas. E nesta questão treze artigos se discutem:
O primeiro discute-se assim. ― Parece que o intelecto não é uma potência da alma, mas é a essência mesma dela.
1. ― Pois, intelecto é o mesmo que mente. Ora esta é, não uma potência, mas a essência mesma da alma, como diz Agostinho: A mente e o espírito não tem significação relativa, mas demonstram a essência. Logo, o intelecto é a essência mesma da alma.
2. Demais. ― Os diversos gêneros de potências da alma não se unificam por nenhuma potência, mas só pela essência da alma. Ora, o apetitivo e o intelectivo são dois gêneros diversos das potências da alma, como já se disse, e que se unificam pela mente; pois Agostinho nesta compreende a inteligência e a vontade. Logo, a mente e o intelecto são a essência mesma da alma e não potências suas.
3. Demais. ― Segundo Gregório, o homem intelige com os anjos. Ora estes são chamados mentes e intelectos. Logo, a mente e o intelecto do homem não constituem uma potência da alma, mas a alma mesma.
4. Demais. ― É por ser imaterial que uma substância é intelectiva. Ora, a alma é imaterial por essência. Logo, por essência, é intelectiva. Mas, em contrário, o Filósofo considera o intelectivo como potência da alma.
SOLUÇÃO. ― É necessário admitir-se, conforme o que já ficou estabelecido, que o intelecto é uma potência da alma e não a essência mesma dela. Pois, o princípio imediato de operação é a essência mesma do operante só quando a operação mesma é ser deste. Porquanto, do mesmo modo que a potência está para a operação, como para o seu ato, assim também está a essência para o ser. Ora, só em Deus é que se identifica o intelecto com a essência. Ao passo que em todas as criaturas inteligentes, o intelecto é uma potência do inteligente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Umas vezes sentido se toma na acepção de potência; outras, porém, pela alma sensitiva mesma. Ora, esta é designada pelo nome da sua potência mais importante, que é o sentido. E, semelhantemente, a alma intelectiva é designada, umas vezes, pelo nome de intelecto, como pela sua virtude mais importante; assim, se diz que o intelecto é uma substância. E também deste modo Agostinho diz que a mente é espírito ou essência.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― O apetitivo e o intelectivo são gêneros diversos das potências da alma, segundo as naturezas diversas dos objetos. Ora, o apetitivo, em parte, convém com o intelectivo e, em parte, com o sensitivo, quanto ao modo de operar por meio de um órgão corpóreo ou sem tal órgão; pois o apetite resulta da apreensão. E é assim que Agostinho compreende a vontade na mente e o Filósofo, na razão.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Nos anjos não pode haver outra virtude senão a intelectiva e a vontade, conseqüente ao intelecto. E, por isso, o anjo se chama mente ou intelecto, porque nisso consiste toda a virtude do mesmo. A alma, porém, têm muitas outras potências; assim, as sensitivas e as nutritivas. E portanto, não há símile.
RESPOSTA À QUARTA. ― A imaterialidade mesma da substância inteligente criada não se lhe identifica com o intelecto; mas, dessa imaterialidade lhe advém à virtude de inteligir. Por onde, não é necessário que o intelecto seja a substância da alma, senão virtude e potência dela.
(III. Sent., dist. XIV, a. 1, qª 2; De Verit., q. 16, a. 1, ad 13; III De Anima, lect. VIII, IX). O segundo discute-se assim. ― Parece que o intelecto não é uma potência passiva.
1. ― Os seres sofrem pela matéria e agem pela forma. Ora, a virtude intelectiva resulta da imaterialidade da substância inteligente. Logo, conclui-se que o intelecto não é potência passiva.
2. Demais. ― A potência intelectiva é incorruptível, como antes se disse (q. 75, a. 6). Ora, o intelecto, sendo passivo, é corruptível, como já se disse. Logo, a potência intelectiva não é passiva.
3. Demais. ― O agente é mais nobre que o paciente, como diz Agostinho e Aristóteles. Ora, as potências da parte vegetativa, que, entretanto, são as ínfimas, dentre as potências da alma, são todas ativas. Logo, com maioria de razão, as potências intelectivas, que são as supremas, são todas ativas. Mas, em contrário, diz o Filósofo, que inteligir é, de certo modo, sofrer.
SOLUÇÃO. ― Sofrer se emprega em tríplice sentido. ― De modo propríssimo, quando uma coisa que convém a outra, por natureza ou inclinação própria desta, é da mesma removida. Assim, quando a água perde a frieza, pela calefação, ou quando um homem está doente ou triste. ― Segundo, de modo menos próprio, diz-se que alguém sofre, quando é privado de alguma causa, quer esta lhe seja conveniente, quer não; e, assim, diz-se que sofre não só quem está doente, mas ainda quem está são; não só quem está triste, mas ainda quem está alegre; ou de qualquer modo por que alguém seja alterado ou movido. ― Terceiro, diz-se que alguém sofre, comumente, só porque o que é potencial em relação a alguma causa recebe aquilo em relação ao que era potencial, sem ser privado de nada. E, deste modo, diz-se que sofre tudo o que passa da potência para o ato, mesmo quando se aperfeiçoa. Assim, o nosso inteligir é sofrer. O que bem se evidencia pela razão seguinte. A operação do intelecto, como já ficou dito antes (q. 78, a. 1), se exerce sobre o ser universal. Ora, pode-se saber se o intelecto está em ato ou em potência, se se sabe como ele se comporta em relação ao ser universal. Assim, há um intelecto que está para o ser universal como o ato do ser total. E tal é o intelecto divino, que é a essência de Deus, no qual original e virtualmente todo ser preexiste como na causa primeira; por isso, o intelecto divino não é potencial, mas é ato puro. E nenhum intelecto criado pode ser ato em relação ao ser universal total porque, então, deveria ser infinito. Por onde, todo intelecto criado, pelo fato mesmo de o ser, não pode ser ato de todos os inteligíveis, mas está para eles como a potência para o ato. Ora, esta se comporta de duplo modo em relação ao ato. Há uma potência que é sempre perfeita pelo ato; como acontece com a matéria dos corpos celestes. Há outra potência que não é sempre atual, mas passa para o ato, como acontece com os seres susceptíveis de geração e corrupção. ― Assim, o intelecto angélico está sempre em ato em relação aos seus inteligíveis, por causa da proximidade com o intelecto primeiro, que é ato puro, como antes se disse (q. 58, a. 1). Porém, o intelecto humano, ínfimo na ordem dos intelectos e maximamente remoto da perfeição do intelecto divino, é potencial em relação aos inteligíveis; e, no princípio, éuma como tábua em que nada está escrito, como diz o Filósofo. E isto se vê claramente do fato de, a princípio, sermos inteligentes só em potência; depois é que nos tornamos inteligentes em ato. ― Assim, pois, é claro que o nosso inteligir é um como sofrer, conforme o terceiro modo da paixão. E, por conseqüência, o intelecto é uma potência passiva.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― A objeção é procedente, em relação ao primeiro e ao segundo modo da paixão, que são próprios da matéria prima, Porém, o terceiro modo é o de qualquer ser existente em potência e reduzido a ato.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― O intelecto passivo, segundo alguns, chama-se apetite sensitivo, no qual estão as paixões da alma e que também, segundo Aristóteles, se chama racional por participação, porque obedece à razão. Segundo outros, porém, o intelecto passivo se chama virtude cogitativa, que é denominada razãoparticular. E, de um e outro modo, passivo pode ser tomado em acepção conforme aos dois primeiros modos da paixão: enquanto o assim chamado intelecto é o ato de um órgão corpóreo. Mas, o intelecto que é potencial em relação aos inteligíveis e ao qual Aristóteles, por isso, chama intelecto possível, só é passivo do terceiro modo; pois, não é ato de órgão corpóreo. E, portanto, é incorruptível.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― O agente é mais nobre que o paciente se à mesma coisa se referirem à ação e a paixão; não, porém, sempre, se se referirem a coisas diversas. O intelecto, porém, é virtude passiva, em relação ao ser universal total. Ao passo que o vegetativo é ativo em relação a um certo ser particular, a saber, o corpo conjunto. Por onde, nada impede tal passividade seja mais nobre que uma tal atividade.
(Supra. Q. 54. a. 4; II Cont. Gent., cap. LXXVII; De Spirit. Creat., a. 9, Compend. Theol., cap. LXXXIII; Qu. De Anima, a. 4; III De Anima, lect. X). O terceiro discute-se assim. ― Parece que não se deve admitir um intelecto agente.
1. ― Pois, o sentido está para os sensíveis assim como o intelecto para os inteligíveis. Ora, como o sentido é potencial em relação aos sensíveis, não se admite um sentido agente, mas somente o paciente. Logo, como o nosso intelecto é potencial em relação aos inteligíveis, resulta que não se deve admitir um intelecto agente, mas só o possível.
2. Demais. ― Se se disser que, no sentido, há também algum agente, como luz, responde-se, em contrário, o seguinte. ― A luz é necessária para a visão, enquanto torna o meio atualmente lúcido; mas é a cor mesma, em si, a causa do lúcido. Ora, não havendo, na operação do intelecto, nenhum meio que precise ser atualizado, nenhuma necessidade há de intelecto agente.
3. Demais. ― O paciente recebe em si e a seu modo a semelhança do agente. Ora, o intelecto possível é uma virtude imaterial e, portanto, a sua imaterialidade basta para que nele sejam recebidas as formas, imaterialmente. Mas é pelo fato mesmo de ser imaterial que uma forma é inteligível em ato. Logo, nenhuma necessidade há de admitir um intelecto agente que torne as espécies inteligíveis em ato. Logo, nenhuma necessidade há de admitir um intelecto agente que torne as espécies inteligíveis em ato. Mas, em contrário, diz o Filósofo: como em toda a natureza, assim também na alma há um princípio pelo qual ela tudo se faz e outro pelo que tudo faz. Logo é preciso admitir um intelecto agente.
SOLUÇÃO. ― Para Platão, nenhuma necessidade havia de se admitir um intelecto agente que atualizasse os inteligíveis, senão talvez para fornecer a luz inteligível a quem intelige, como a seguir se dirá (a. 4; q. 84, a. 6). Pois, o mesmo filósofo ensina que as formas das coisas naturais subsistem sem matéria e, por conseqüência, são inteligíveis; pois é por ser imaterial que um ser é inteligível em ato. E tais formas ele as denomina, espécies ouidéias, por cuja participação, ensina, se forma não só a matéria corpórea, para que os indivíduos fiquem naturalmente constituídos nos gêneros e espécies próprios, mas também os nossos intelectos, para que tenham ciência dos gêneros e espécies das coisas. Mas Aristóteles, de um lado não admitindo a subsistência das formas das coisas naturais, sem matéria; e de outro, dizendo que as formas existentes na matéria não são inteligíveis em ato, resulta que as naturezas ou formas das coisas sensíveis, que inteligimos, não são inteligíveis em ato. Ora, nada passa da potência para o ato senão por um ser em ato; assim, o sentido torna-se atual pelo sensível atual. Logo, é necessário admitir-se uma virtude, no intelecto, que atualize os inteligíveis, abstraindo as espécies das condições materiais. E essa é a necessidade de se admitir um intelecto agente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Como os sensíveis existem em ato fora da alma, não é necessário haver um sentido agente. ― Por onde é claro que, na parte nutritiva, todas as potências são ativas; porém, na sensitiva, todas passivas; e, por fim, na intelectiva, há algo de ativo e algo de passivo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A respeito do efeito da luz há duas opiniões. ― Assim dizem uns, a luz, tornando as cores visíveis em ato, é necessária para a visão. E, então, semelhantemente e pela mesma razão, é necessário um intelecto agente, para inteligir, como é necessária a luz para ver. ― Outros, porém, dizem que a luz é necessária para a visão, não porque torne as cores visíveis em ato, mas para que torne o meio lúcido em ato, como ensina o Comentador. E, então, a semelhança que Aristóteles descobre entre o intelecto agente e a luz está em que, assim como esta é necessária para se ver, assim aquele, para se inteligir; não porém pela mesma razão.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Suposto o agente, a sua semelhança deve ser recebida nos diversos seres, diversamente, segundo a disposição diversa deles. Mas, se o agente não preexiste, para nada serve a disposição do recipiente. Ora, o inteligível em ato não é algo de existente em a natureza das coisas, quanto à natureza dos seres sensíveis, não subsistentes sem matéria. Por onde, para inteligir não basta à imaterialidade do intelecto possível, sem o intelecto agente, que, por abstração, atualiza os inteligíveis.
(II Sent., dist. XVII. Q. 2, a. 1; II Cont. Gent., cap. LXXVI, LXXVIII; De Spirit Creat., a 10; Qu. De Anima, a. 5; Compend. Theol, cap. LXXXVI; III De Anima, lect. X). O quarto discute-se assim. ― Parece que o intelecto agente não faz parte da alma.
1. ― Pois, o efeito do intelecto agente é iluminar, para que possamos inteligir. Ora, isto se faz por algo de mais elevado que a alma, segundo a Escritura (Jo 1, 9): Era a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo. Logo resulta, que o intelecto agente não faz parte da alma.
2. Demais. ― O Filósofo diz que não se pode atribuir ao intelecto agente que ora intelige e ora, não. Ora, a nossa alma não intelige sempre, mas, ora, sim, ora, não. Logo, o intelecto agente não faz parte da alma.
3. Demais. ― O agente e o paciente bastam para agir. Se, pois, o intelecto possível ― virtude passiva ― e, semelhantemente, o intelecto agente ― virtude ativa ― fazem parte da nossa alma, resulta que o homem poderá inteligir sempre que quiser, o que, evidentemente, é falso. Logo, o intelecto agente não faz parte da nossa alma.
4. Demais. ― O Filósofo diz, que o intelecto agente é um ser de substância atual. Ora, nada pode ser ao mesmo tempo atual e potencial. Se, portanto, o intelecto possível ― potencial em relação a todos os inteligíveis ― faz parte da nossa alma, resulta a impossibilidade de também dela fazer parte o intelecto agente.
5. Demais. ― Se o intelecto agente faz parte da nossa alma, é necessário que seja uma potência. Porquanto, não é nem paixão nem hábito; pois, os hábitos e as paixões não desempenham função de agente em relação às paixões da alma; mas antes, a paixão é a ação mesma da potência passiva, ao passo que o hábito é algo resultante dos atos. Ora, toda potência, emanando da essência da alma, segue-se que o intelecto agente procede dessa mesma essência e, então, não está na alma por participação de algum intelecto superior, o que é inadmissível. Logo, o intelecto agente não faz parte da alma. Mas, em contrário, diz o Filósofo, que é necessário existam na alma estas diferenças, a saber, o intelecto possível e o agente.
SOLUÇÃO. ― O intelecto agente, de que se fala o Filósofo, faz parte da alma. E isso se evidencia considerando que é necessário admitir-se, além da alma intelectiva humana, a existência de um intelecto superior, do qual a alma obtém a virtude de inteligir. Pois, sempre, o ser participante, móvel, imperfeito, preexige algo de anterior a si, que seja tal, por essência, imóvel e perfeito. Ora, a alma humana é intelectiva, por participação da virtude intelectual. E a prova está em que é intelectiva, não na sua totalidade, mas só em parte; pois, chega à inteligência da verdade, pelo discurso e pelo movimento, argumentando. E também tem inteligência imperfeita, quer por não inteligir tudo, quer por passar da potência para o ato, quando intelige. Logo, é necessário exista um intelecto mais alto, que ajude a alma a inteligir. Ora, certos ensinaram que esse intelecto, separado por substância, é o intelecto agente que, iluminando, por assim dizer, os fantasmas, torna-os inteligíveis em ato. ― Mas, dado que exista tal intelecto agente separado, ainda assim é necessário admitir, na alma humana mesma, alguma virtude participada desse intelecto superior, pela qual a alma atualize os inteligíveis. Do mesmo modo que nos outros seres naturais perfeitos, existem, além das causas universais agentes, as virtudes próprias ínsitas neles, singularmente, e derivadas dos agentes universais. Assim, não somente o sol gera o homem, mas há ainda, em cada homem, a virtude geratriz de outro; e o mesmo se dá com os outros animais perfeitos. Ora, dentre os seres inferiores, não há nenhum mais perfeito que a alma humana. Por onde, é necessário concluir que há, nela, uma virtude derivada do intelecto superior e pela qual ela pode iluminar os fantasmas. E isto conhecemos pela experiência, quando nós percebemos abstrair as formas universais, das condições particulares; o que é torná-las inteligíveis em ato. Ora, nenhuma ação convém a uma coisa, senão por um princípio que lhe seja formalmente inerente, como antes se disse (q. 76, a. 1), ao tratar do intelecto potencial ou possível. Logo, é necessário que a virtude ― princípio de tal ação ― faça parte da alma. E, por isso, Aristóteles comparou o intelecto agente com a luz, que se dissemina no ar. Ao passo que Platão comparou o intelecto separado, que imprime em as nossas almas, com o sol, como refere Temístio. Mas, pelos ensinamentos da nossa fé, o intelecto separado é Deus mesmo, Criador da alma e só em quem ela acha a sua beatitude, como a seguir se mostrará. Por onde, dele é que a alma humana participa a luz intelectual, segundo aquilo da Escritura (Sl 4, 7): Gravada está , Senhor, sobre nós a luz do teu rosto.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Essa luz verdadeira ilumina como causa universal, da qual a alma humana participa uma certa virtude particular, como já se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― O Filósofo não refere essas palavras ao intelecto agente, mas ao intelecto atual. Por isso, antes, do mesmo tinha dito: Pois ele é, quanto ao ato, o mesmo que a ciência da coisa. Ou, se se quiser entendê-las como referentes ao intelecto agente, significam então que não é por esse intelecto que ora inteligimos e ora, não; mas pelo intelecto potencial.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Se o intelecto agente se comparasse com o intelecto possível na qualidade de objeto agente em relação à potência, do mesmo modo que o visível em ato se compara com o que é visto, resultaria que, instantaneamente, inteligiríamos tudo, por ser o intelecto agente o princípio de atualização de todo conhecimento. Ora, ele não se comporta como objeto, mas como o atualizador dos objetos; e, para isso, é necessária, além da presença do intelecto agente, a presença dos fantasmas com a boa disposição das forças sensitivas e a exercitação em tal obra. Pois, uma coisa inteligida faz com que outras também o sejam; assim como, pelos termos, se inteligem as proposições e, pelos primeiros princípios, as conclusões. E, neste ponto, pouco importa que o intelecto agente faça parte da alma ou seja algo de separado.
RESPOSTA À QUARTA. ― A alma intelectiva é, por certo, atualmente imaterial; mas é potencial em relação a determinadas espécies das coisas. Porém os fantasmas, inversamente, são semelhanças atualizadas de certas espécies, mas imateriais em potência. Por onde, nada impede seja uma e mesma a alma que, como atualmente imaterial, tenha uma virtude, que atualiza as coisas imateriais, abstraindo das condições da matéria individual, virtude essa chamada intelecto agente; e tenha outra virtude, chamada intelecto possível, receptiva de tais espécies e potencial em relação às mesmas.
RESPOSTA À QUINTA. ― Sendo a essência da alma, criada pelo intelecto supremo, imaterial, nada impede que a virtude, participada desse intelecto e pela qual ela abstrai da matéria, proceda da sobredita essência do mesmo modo que as outras potências suas.
(II Sent., dist. XVII, q. 2, a. 1; De Spirit. Creat., a. 10; Qu De Anima, a. 5; Compend. Theol., cap. LXXXXVI). O quinto discute-se assim. ― Parece que o intelecto agente é um só para todos.
1. ― Pois, nada do que é separado do corpo se multiplica com a multiplicação dos corpos. Ora, o intelecto agente é separado, como já se disse. Logo, não se multiplica nos muitos corpos dos homens, mas é um só para todos.
2. Demais. ― O intelecto agente gera o universal, que é um para muitos seres. Mas a causa da unidade é una em máximo grau. Logo, o intelecto agente é um só para todos.
3. Demais. ― Todos os homens convêm nas primeiras concepções do intelecto, pois, assentem nelas pelo intelecto agente. Logo, todos convêm num só intelecto agente. Mas, em contrário, o Filósofo diz que o intelecto agente é como a luz. Ora, esta não é a mesma, nos diversos seres iluminados. Logo, não é o mesmo o intelecto agente, em todos os homens.
SOLUÇÃO. ― A verdade, nesta questão, depende das remissas. Se, pois, o intelecto agente não fizesse parte da alma, mas fosse uma substância separada, seria um só o intelecto agente de todos os homens; e assim o entendem os que admitem a unidade desse intelecto. Se, porém, tal intelecto faz parte da alma, sendo uma virtude dela, necessário é admitirem-se vários intelectos agentes, segundo a pluralidade das almas, multiplicadas com a multiplicação dos homens, corno já antes se disse (q. 76, a. 2). Pois, diversas substâncias não podem ter a mesma virtude, numericamente única.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O Filósofo prova que o intelecto agente é separado, porque o possível o é; ora, diz, o agente é mais digno que o paciente. O intelecto possível diz-se separado por não ser ato de nenhum órgão corpóreo. E é desse mesmo modo que também se chama separado o intelecto agente, e não corno se fosse uma substância separada.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― O intelecto agente causa o universal abstraindo-o da matéria. Mas, por isso, é necessário, não que seja um só para todos os que têm intelecto, mas que seja um só na sua relação com todas aquelas coisas das quais abstrai o universal, relativamente às quais o universal é um. E essa é a função do intelecto agente, enquanto imaterial.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Todos os seres de uma mesma espécie comunicam pela ação conseqüente à natureza da espécie; e, portanto pela virtude, que é princípio da ação; sem ser necessário que essa virtude seja, numericamente, a mesma, em todos. Ora, conhecer os primeiros inteligíveis é ação conseqüente à espécie humana. Por onde, é necessário que todos os homens comuniquem pela virtude que é princípio dessa ação; e tal é a virtude do intelecto agente. Mas, nem por isso, é necessário que ela seja a mesma, numericamente, em todos, embora o seja que derive, para todos, de um mesmo princípio. E, assim, essa comunicação dos homens, pelos primeiros inteligíveis, demonstra a unidade do intelecto separado, que Platão compara ao sol; não, porém, a do intelecto agente, que Aristóteles compara à luz.
(Iª IIae q. 67, a. 2; I Sent., dist. III q. 4, a. 1; III, dist. XXVI, q. 1, a. 5 ad. 4; IV, dist. XLIV, q. 3, a. 3qª 2, ad 4; dist. L, q. 1, a. 2; II Cont. Gent., cap. LXXIV; De Verit., q. 10, a. 2; q. 19, a. 1; Quodl. III, q. 9, a. 1; XII, q. 9, a. 1; I Cor., cap. XIII, lect. III; De Mem. et Remin., lect. II). O sexto discute-se assim. ― Parece que a memória não está na parte intelectiva da alma.
1. ― Pois, Agostinho diz que à parte superior da alma pertencem aquelas coisas que não são comuns aos homens e aos animais. Ora, a memória é comum a uns e a outros, pois, o mesmo autor diz, que os animais podem sentir, pelos sentidos do corpo, as coisas corpóreas, e mandá-las à memória. Logo, a memória não pertence à parte intelectiva da alma.
2. Demais. ― A memória guarda as coisas pretéritas. Mas pretérito se refere a um tempo determinado. Logo, a memória é cognoscitiva das causas, num determinado tempo, o que é conhecê-las local e atualmente. Ora, isto não é próprio do intelecto, mas do sentido. Logo, a memória não está na parte intelectiva, mas só na sensitiva.
3. Demais. ― Na memória se conservam as espécies das coisas que não são pensadas atualmente. Ora, isso não se pode dar com o intelecto, pois este se atualiza informado pela espécie inteligível; ora, como o intelecto em ato é o inteligir mesmo, em ato, resulta que o intelecto intelige atualmente. todas as coisas cujas espécies traz em si. Logo, a memória não está na parte intelectiva. Mas, em contrário, Agostinho diz que a memória, a inteligência e a vontade são uma somente.
SOLUÇÃO. ― Sendo da natureza da memória conservar as espécies das coisas não atualmente apreendidas, é preciso, antes de tudo, examinar se as espécies inteligíveis podem se conservar desse modo, no intelecto. Ora, Avicena ensinava que isso é impossível, dizendo que tal se dá com certas potências, atos de órgãos corpóreos, nas quais podem conservar-se algumas espécies sem a apreensão atual. Porém no intelecto, que não tem órgão corpóreo, nada existe senão inteligivelmente. Por onde é necessário ser inteligido em ato aquilo cuja semelhança existe no intelecto. Assim, pois, na opinião dele, logo que alguém acaba de inteligir alguma coisa em ato, acaba de existir a espécie dessa coisa no intelecto; sendo necessário, se quiser de novo inteligir tal coisa, converter-se ao intelecto agente, que Avicena admite como substância separada, para que dele efluam as espécies inteligíveis para o intelecto possível. E desse exercício e uso de se converter ao intelecto agente, resulta, segundo o mesmo filósofo, uma certa habilidade, para o intelecto possível, de se converter ao intelecto agente, e dizia ser o hábito da ciência. Segundo, pois, tal opinião, nada se conserva, na parte intelectiva, que não seja inteligido em ato. Por isso, não se pode admitir, desse modo, a memória na parte intelectiva. Essa opinião, porém, manifestamente repugna as palavras de Aristóteles, dizendo que o intelecto possível,quando considerado em ato, torna-se, como ciente, nas coisas singulares; o que, porém, acontece, quando ele pode operar por si mesmo. Está, pois, então, em potência, de certo modo; não, porém, absolutamente, como antes de aprender ou descobrir. Ora diz-se que o intelecto possível se torna nas coisas singulares, recebendo as espécies delas. Por onde, recebendo as espécies dos inteligíveis, pode operar quando quiser, mas não operar sempre; porque então está, de certo modo, em potência, embora de maneira diferente da de antes de inteligir, a saber, do modo pelo qual o ciente habitual está em potência para considerar em ato. ― Demais, tal opinião também repugna à razão. Pois, o que é recebido em algum ser o é ao modo do ser recipiente. Ora, o intelecto é de natureza mais estável e imóvel do que a matéria corpórea. Se, portanto, esta conserva as formas que recebe, não só enquanto, por elas, age atualmente, mais ainda depois que cessou de agir pelas mesmas; com muito maior razão, o intelecto, imóvel e inamissívelmente, recebe as espécies inteligíveis, tanto as recebidas dos sentidos, como as dimanadas de algum intelecto superior. Se, portanto, se entende a memória somente como a virtude conservativa das espécies, é necessário admiti-la como existente na parte intelectiva. Se, porém, da natureza dela é ter como objeto o pretérito como tal, então não existe na parte intelectiva, senão só na sensitiva, apreensora dos particulares. Pois, o pretérito, como tal, exprimindo o ser, num determinado tempo, tem a condição do particular.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― A memória, como conservativa das espécies, não nos é comum com os animais; pois, aquelas se conservam, não somente na parte sensitiva da alma, mas sobretudo no conjunto, porque a virtude memorativa é o ato de um órgão. Porém o intelecto, em si, é conservativo das espécies, mesmo sem a cooperação do órgão corpóreo. E, por isso, o Filósofo diz que a alma é o lugar das espécies, não toda ela, mas só o intelecto.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A preterição tem duplo ponto de referência: o objeto conhecido e o ato do conhecimento; ambos simultaneamente se unem na parte sensitiva, apreensiva das coisas, quando sofre mutação proveniente do sensível presente. Por onde, é simultaneamente que o animal se lembra de que, primeiro, sentiu no passado, e depois, de que sentiu um certo pretérito sensível. Mas, no atinente à parte intelectiva, a preterição é acidental e não conveniente por si mesma, quanto ao objeto do intelecto. Pois, o intelecto intelige o homem como tal. Ora, a este, como tal, é-lhe acidental estar no presente, no pretérito ou no futuro. Quanto ao ato, porém, a preterição pode ser admitida, em si, tanto no intelecto como no sentido; porque o inteligir da nossa alma é um ato particular existente num determinado tempo, segundo o qual é considerado inteligir agora, ontem ou amanhã. O que não repugna à intelectualidade; porque tal inteligir, embora seja um particular é, contudo, um ato imaterial, como antes já se disse (q. 76, a. 1), tratando-se do intelecto. E, portanto, assim como o intelecto se intelige a si mesmo, embora seja um intelecto singular; assim também intelige o seu inteligir, que é um ato singular, existindo no pretérito, no presente ou no futuro. Assim, pois, fica salva a natureza da memória, quanto a referir-se às coisas passadas, no intelecto, e segundo os quais ela se intelige como tendo inteligido anteriormente; não porém enquanto intelige o pretérito, local e atualmente determinado.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― As espécies inteligíveis ora estão no intelecto só potencialmente, e então o intelecto é chamado potencial; ora estão segundo o acabamento último do ato e, então, o intelecto intelige em ato; ora, estão de um modo intermédio entre a potência e o ato,e então o intelecto se chama habitual; e, deste último modo, o intelecto conserva as espécies, mesmo quando não as intelige em ato.
(Infra, q. 23, a. 7, ad 3; I Send., dist. III, q. 4, a. 1; II Cont. Gent., cap. LXXIV; De Verit., q. 10, a. 3). O sétimo discute-se assim. ― Parece que uma potência é a memória intelectiva e outra, o intelecto.
1. ― Pois, Agostinho compreende na mente a memória, a inteligência e a vontade. Ora, é manifesto que a memória é uma potência diferente da vontade. Logo, semelhantemente, também do intelecto.
2. Demais. ― O fundamento da distinção das potências da parte sensitiva é idêntico ao da distinção das potências da parte intelectiva. Ora, a memória, na parte sensitiva, é potência diferente do sentido, como antes já se disse (q. 78, a. 4). Logo, a memória da parte intelectiva é uma potência diferente do intelecto.
3. Demais. ― Segundo Agostinho, a memória, a inteligência e a vontade são iguais entre si, nascendo uma, da outra. Ora, isso não poderia ser, se a memória fosse a mesma potência que o intelecto. Logo, não é a mesma potência. Mas, em contrário. ― A memória é, por natureza, o tesouro ou o lugar conservativo das espécies. Ora, essa função o Filósofo atribui ao intelecto, como já se disse (a. 6). Logo, na parte intelectiva, a memória não é potência diferente do intelecto.
SOLUÇÃO. ― Como já ficou dito antes (q. 77, a. 3), as potências da alma se distinguem pelos, aspectos diversos dos objetos, porque o de cada potência consiste em ser ordenada para seu objeto próprio. Ora, como também já se disse antes (Ibid., ad 4), desde que se ordene por essência a algum objeto, conforme o aspecto comum deste, nenhuma potência poderá ser diversificada pelas variadas diferenças particulares. Assim, a potência visiva, que diz respeito ao seu objeto, conforme a noção de colorido, não se diversifica pelas noções de branco e preto. Ora, o, objeto do intelecto cai sob o aspecto comum de ente; pois, o intelecto possível é o princípio pelo qual a alma se torna em todas as causas. Por onde, a diferença do intelecto possível não se diversifica por nenhuma diferença entitativa. Porém, diversifica-se a potência do intelecto agente da do intelecto possível. Porque em relação ao mesmo objeto, é necessário que um princípio seja potência ativa, que atualiza o objeto, e outro, potência passiva, que é movido pelo objeto atualizado. E, assim, a potência ativa está para o seu objeto como o ser em ato para o ser em potência; porém, a potência passiva está para o seu objeto, inversamente, como ser em potência para o ser em ato. E portanto, não pode haver no intelecto nenhuma outra diferença de potências, a não ser a de intelecto possível e intelecto agente. Por onde é claro, que a memória não é potência diferente do intelecto. Porém, é da essência da potência passiva conservar, bem como receber.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Embora se diga que a memória, a inteligência e a vontade são três potências, contudo, não é conforme a intenção de Agostinho, que diz expressamente: se tomamos a memória, a inteligência e a vontade, como sempre presentes à alma, que sejam objetos de cogitação, quer não, então se incluem na memória. Porém, agora me refiro à inteligência pela qual inteligimos, cogitando; e vontade, amor ou dileção, a que une a sobredita prole e parentela. Por onde se vê que Agostinho não toma essas três atividades como potências; mas entende por memória a retenção habitual à alma; por inteligência, o ato do intelecto; por vontade, o ato da vontade.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― O pretérito e o presente podem ser as diferenças próprias diversificativas das potências sensitivas; não, porém, das potências intelectivas, pela razão sobredita (a. 6, ad 2).
RESPOSTA À TERCEIRA. ― A inteligência nasce da memória, como o ato, do hábito e, deste modo, também se iguala com ela; não se iguala, porém, como uma potência com outra.
(III Sent., dist. XXXV, q. 2, a. 2, qª 1; De Verit., q. 15, a. 1). O oitavo discute-se assim. ― Parece que a razão é potência diferente do intelecto.
1. ― Pois, foi dito: Quando queremos subir do que é inferior para o que é superior, primeiro nos ajuda o sentido, depois a imaginação, em seguida a razão e, por fim, o intelecto. Portanto, a razão é uma potência diferente do intelecto, como a imaginação da razão.
2. Demais. ― Boécio diz, que o intelecto está para a razão como a eternidade para o tempo. Mas, não é próprio de uma mesma virtude estar na eternidade e no tempo. Logo, a razão e o intelecto não são potências idênticas.
3. Demais. ― O homem tem de comum com os anjos o intelecto; com os brutos, porém, o sentido. Ora, a razão, própria do homem e que o torna animal racional, é potência diferente do sentido. Logo, igualmente, também difere do intelecto, que, convindo, propriamente, aos anjos, faz com que sejam chamados intelectuais. Mas, em contrário, diz Agostinho: o que torna o homem mais excelente que os animais irracionais, é a razão, ou mente, ou inteligência, ou qualquer outro vocábulo mais cômodo que se use. Logo a razão, o intelecto e a mente são uma só potência.
SOLUÇÃO. ― A razão e o intelecto, no homem, não podem ser potências diversas; o que manifestamente se compreenderá se se considerar no ato deles. Pois, inteligir é apreender, pura e simplesmente, a verdade inteligível; ao passo que raciocinar é proceder de uma para outra intelecção, para conhecer a verdade inteligível. Por onde, os anjos que possuem perfeitamente, ao modo da sua natureza, o conhecimento da verdade inteligível, não têm necessidade de proceder de uma para a outra; mas, simplesmente e sem discurso, apreendem a verdade das coisas, como diz Dionísio. Porém, os homens, chegam a conhecer a verdade inteligível, procedendo de uma para outra, como diz o mesmo autor, no mesmo passo; e, por isso, se chamam racionais. Ora, é patente que o raciocinar está para o inteligir, como o ser movido para o repousar, ou o adquirir para o possuir; dos quais termos um pertence ao perfeito, o outro, porém, ao imperfeito. E como o movimento sempre procede do imóvel e termina no repouso, daí vem que o raciocínio humano, por via de inquisição ou de invenção, procede de certos princípios absolutamente inteligidos, que são os primeiros princípios; e, de novo, por via do juízo, volta, decompondo, aos primeiros princípios, à luz dos quais examina o que descobriu. Ora, é manifesto, que o ser movido e o repousar, mesmo nas coisas naturais, não se reduzem a potências diversas, mas a uma só e mesma; pois, é pela mesma natureza que uma coisa se move e repousa localmente. Logo, com muito maior razão, pela mesma potência inteligimos e raciocinamos. E assim, é claro que, no homem, a razão e o intelecto constituem a mesma potência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Essa enumeração se faz segundo a ordem dos atos e não segundo a distinção de potência; embora o livro citado não tenha grande autoridade, como já se disse (q. 77, a. 8 ad 1).
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Resulta clara a resposta do que acaba de ser dito. Pois, a eternidade está para o tempo como o imóvel para o móvel. E, por isso, se Boécio compara o intelecto com a eternidade, comparou a razão com o tempo.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Os outros animais são de tal modo inferiores ao homem, que não podem atingir o conhecimento da verdade, que a razão indaga. Ao passo que o homem atinge, mas imperfeitamente, ao conhecimento da verdade inteligível, que os anjos conhecem. Por onde, a virtude cognoscitiva dos anjos não é de gênero diferente da virtude cognoscitiva da razão; mas está para esta como o perfeito para o imperfeito.
(II Sent., dist. XXIV, q. 2, a. 2; De Verit q. 15, a 2). O nono discute-se assim. ― Parece que a razão superior e a inferior são potências diversas.
1. ― Pois, Agostinho diz, que a imagem da Trindade está na parte superior da razão, não porém na inferior. Ora, as partes da alma são as potências mesmas dela. Logo, duas potências são a razão superior e a inferior.
2. Demais. ― Nada nasce de si mesmo. Ora, a razão inferior nasce da superior e por esta é regulada e dirigida. Logo, a razão superior é potência diferente da inferior.
3. Demais. ― O Filósofo diz que o princípio intelectivo da alma, pelo qual ela conhece o necessário, é princípio diferente e parte diversa do princípio opinativo e do raciocinativo, pelos quais conhece os contingentes. E isto o prova dizendo, que a causas genericamente diferentes ordenam-se partes da alma genericamente diferentes. Ora, o contingente e o necessário, assim como o corruptível e o incorruptível, são genericamente diferentes. Sendo, pois, o necessário idêntico ao eterno e o temporal, ao contingente, resulta que o princípio intelectivo, do Filósofo, é idêntico à parte superior da razão, que, segundo Agostinho, considera e delibera sobre as coisas eternas; e o raciocinativo ou opinativo do Filósofo, é idêntico à razão inferior, que, segundo Agostinho, busca a disposição das coisas temporais. Logo, são potências diferentes da alma a razão superior e a inferior.
4. Demais. ― Damasceno diz: pela imaginação se faz a opinião; em seguida a mente, separando a opinião verdadeira da falsa julga de verdade e, por isso, mente provém de medir. E, por fim, o intelecto é relativo ao que já foi julgado e determinado verdadeiramente. Assim, pois, o opinativo ou razão inferior difere da mente e do intelecto, que se pode compreender como a razão superior. Mas, em contrário, Agostinho diz, que a razão superior só se distingue da inferior pela sua função. Logo, não são duas potências.
SOLUÇÃO. ― A razão superior e a inferior, como Agostinho as entende, de nenhum modo podem ser duas potências da alma. Pois, diz que a razão superior é a que considera ou delibera nas coisas eternas; considera, examinando-as em si mesma; delibera, tirando delas as regras das ações. Porém, denomina razão inferior a que se ocupa com as coisas temporais. Ora, as coisas temporais e as eternas se comparam com o nosso conhecimento, como sendo umas o meio de se conhecerem as outras. Pois, por via da invenção, chegamos ao conhecimento das coisas eternas, pelas temporais, conforme àquilo da Escritura (Rm 1, 20): Porque as coisas invisíveis de Deus, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis. Ao passo que, por via do juízo, julgamos das coisas temporais pelas eternas, já conhecidas, e dispomos as temporais pelas noções das eternas. Mas pode suceder que o meio e aquilo a que, pelo meio, chegamos, pertençam a hábitos diversos. Assim, os primeiros princípios indemonstráveis pertencem ao hábito do intelecto; porém, as conclusões desses deduzidas, ao hábito da ciência. E, por isso, dos princípios da geometria é que se devem tirar as conclusões, noutra ciência, p. ex., na perspectiva. Mas a potência da razão, que atinge o termo médio e o último, é a mesma. Pois, o ato da razão é um como movimento, que passa daquele para este; e também é o móvel que, passando pelo meio, chega ao fim. Por onde, a razão superior e a inferior são uma só e mesma potência; distinguindo-se, porém, pela função dos atos e pelos diversos hábitos; assim, à razão superior se atribui a sapiência e, à inferior, a ciência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Pode-se chamar parte ao que resulta de uma partição, de qualquer espécie que esta seja. Assim, a razão superior e a inferior chamam-se partes, não por serem potências diversas, mas como provenientes da divisão da razão pelas suas diversas funções.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A razão inferior é considerada como deduzida da superior e como por esta regulada, enquanto os princípios, de que usa aquela, são deduzidos dos princípios desta e por eles regulados.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― O princípio do conhecimento intelectivo, de que o Filósofo fala, não se identifica com a razão superior. Pois, verdades conhecidas como necessárias também se encontram na ordem temporal, na qual se funda a ciência natural e a matemática. Porém, o opinativo e o raciocinativo têm objeto ainda menor que o da razão inferior, pois só se referem aos contingentes. Mas isso não quer dizer que seja absolutamente, uma a potência pela qual o intelecto conhece o necessário e, outra, pela qual conhece o contingente; porque conhece um e outro pela mesma noção do objeto, a saber, a noção de ente e de verdade. Por onde, os necessários, que têm o ser perfeito na verdade, conhece-os perfeitamente, atingindo-lhes a qüididade, pela qual demonstra os acidentes próprios dos mesmos. Porém, conhece os contingentes imperfeitamente, por terem o ser imperfeito, bem como a verdade. Ora, o perfeito e o imperfeito em ato não diversificam a potência; mas diversificam os atos, quanto ao modo de agir e, por conseqüência, os princípios dos atos e os hábitos. E, por isso, o Filósofo introduziu duas sub-partes da alma, a capaz do conhecimento científico e a raciocinativa, não por serem duas potências, mas por se distinguirem pela aptidão diversa a receberem os diversos hábitos cuja diversidade é o que ele quer indagar no passo citado. Pois, os contingentes e os necessários, embora diferentes pelos gêneros próprios, convêm todavia, pela noção comum de ente, visada pelo intelecto, e em relação à qual eles se comportam diferentemente, como o perfeito e o imperfeito.
RESPOSTA À QUARTA. ― Essa distinção de Damasceno é segundo a diversidade dos atos e não a das potências. Assim, opinião significa o ato do intelecto que abraça uma parte da contradição com temor da outra. Ao passo que julgar ou medir ― donde provém o vocábulo mente ― é o ato do intelecto pelo qual ele aplica princípios certos ao exame do que lhe é proposto. Enfim, inteligir é aderir, aprovativamente, ao que foi julgado.
O décimo discute-se assim. ― Parece que a inteligência é potência diferente do intelecto.
1. ― Pois, como disse alguém, quando queremos subir do inferior para o superior, primeiro nos socorremos do sentido, depois da imaginação, em seguida, da razão depois, do intelecto e, por último, da inteligência. Ora, a imaginação e o sentido são potências diversas. Logo, também o intelecto e a inteligência.
2. Demais. ― Boécio diz, que o homem é considerado diferentemente pelo sentido, pela imaginação, pela razão e pela inteligência. Ora, o intelecto é a mesma potência que a razão. Logo, conclui-se que a inteligência é potência diferente do intelecto, como a razão o é da imaginação e do sentido.
3. Demais. ― Os atos são anteriores às potências, como diz Aristóteles. Ora, a inteligência é um ato separado dos outros, que são atribuídos ao intelecto. Pois, como diz Damasceno o primeiro movimento (no conhecimento) se chama intelecção; a intelecção aplicada a um objeto se chama intenção; a permanente e configurativa da alma conforme ao objeto conhecido se chama cogitação; a cogitação que permanece no mesmo sujeito, que a si mesmo se examina e julga, chama-se frónesis, i. e., sapiência; a frónesis desenvolvida constitui o raciocínio, i. é., a palavra interiormente ordenada; donde procede a palavra articulada pela língua. Logo resulta que a inteligência é uma potência especial. Mas, em contrário, diz o Filósofo, a inteligência se refere aos indivisíveis, nos quais não há falsidade. Ora, tal modo de conhecer pertence ao intelecto. Logo, a inteligência não é potência diferente do intelecto.
SOLUÇÃO. ― O vocábulo inteligência significa, propriamente, o ato mesmo do intelecto, que é inteligir. Porém, em certos livros traduzidos do árabe, as substâncias separadas, a que nós chamamos anjos, denominam-se Inteligências, talvez porque tais substâncias sempre inteligem em ato. Ao passo que, nos livros traduzidos do grego, chamam-se Intelectos ou Mentes. Assim, pois, a inteligência não se distingue do intelecto como uma potência, de outra, mas como o ato, da potência. E tal divisão é aceita, também pelos filósofos. Assim, ora admitem quatro intelectos: o agente, o possível, o habitual e o atual. Dos quais, o agente e o possível são potências diferentes; pois, como em todos os seres, há uma potência ativa e outra, passiva. Porém, os outros três se distinguem pelos três estados do intelecto possível, que, ora sendo somente potencial chama-se possível: ora, estando em ato primeiro, que é a ciência, chama- se habitual; ora, em ato segundo, que é a reflexão, chama-se intelecto em ato atual.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Se tal autoridade deve ser aceita, por inteligência aí se entende o ato do intelecto; e, então, ela se divide por oposição com o intelecto, como o ato por oposição com a potência.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Boécio entende por inteligência o ato do intelecto, que transcede o ato da razão. Por onde, no mesmo passo, diz que a razão tanto é própria ao gênero humano, como a inteligência só, ao divino; pois, é próprio de Deus inteligir todas as coisas, sem nenhuma investigação.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― todos esses atos, que Damasceno enumera, pertencem à mesma potência, a saber, à intelectiva. Esta, primeiro, apreende, absolutamente, uma coisa, e tal ato se chama intelecção; segundo, ordena o que apreende a conhecer ou operar outra coisa, e a isso se chama intenção; o persistir na indagação do que intenciona chama-se cogitação; o exame do que foi cogitado, à luz de princípios certos, chama-se saber ou ter sabedoria, nisso consistindo a prudência ou sapiência, pois, pertence as sapiência julgar, como diz Aristóteles. Depois de estar certa de algo, por ter sido como examinado, cogita como possa manifestá-lo aos outros, e tal é à disposição da elocução interior; da qual procede a elocução exterior. Não é, pois, toda diferença dos atos que diversifica as potências; mas só a que se não pode reduzir ao mesmo princípio, como já se disse antes (q. 78, a. 4).
(III Sent., dist. XXIII, q.2, a. 3, qª 2; De Verit., q. 3, a. 3; VI Ethic., lect. II; III De Anima, lect. XV). O undécimo discute-se assim. ― Parece que o intelecto especulativo e o prático são potências diversas.
1. ― Pois, o apreensivo e o motivo são gêneros diversos de potências, como se vê em Aristóteles. Ora, o intelecto especulativo é somente apreensivo, ao passo que o prático é motivo. Logo, são potências diversas.
2. Demais. ― Os aspectos diversos do objeto diversificam as potências. Ora, ao passo que o objeto do intelecto especulativo é a verdade, o do prático, é o bem; e ambos esses objetos diferem essencialmente. Logo, o intelecto especulativo e o prático são potências diversas.
3. Demais. ― Na parte intelectiva, o intelecto prático está para o especulativo, como a estimativa para a imaginativa, na parte sensitiva. Ora, a estimativa difere da imaginativa como uma potência, de outra, como se disse antes (q. 78, a. 4). Logo, também o intelecto prático, do especulativo. Mas, em contrário, como diz Aristóteles, o intelecto especulativo, por extensão, torna-se prático. Ora, uma potência não se muda em outra. Logo, o intelecto especulativo e o prático não são potências diversas.
SOLUÇÃO. ― O intelecto prático e o especulativo não são potências diversas. E a razão é que, como já se disse antes (q. 77, a. 3), o acidental, em relação ao aspecto do objeto a que se refere uma potência, não diversifica a esta. Assim, é acidental ao colorido ser homem, grande ou pequeno; por isso, tais acidentes são apreendidos pela mesma potência visíva. Ora, é acidental ao que é apreendido pelo intelecto ser ou não ordenado à operação. E nisto está a diferença entre o intelecto especulativo e o prático; o que aquele apreende não se ordena à operação, mas só à consideração da verdade; ao passo que, o apreendido, por este se ordena à operação. E, por isso, o Filósofo diz que o fim especulativo difere do prático; por onde, denominados pelos seus fins, um se chama intelecto especulativo; o outro, prático, i. é., operativo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O intelecto prático é motivo, não por executar o movimento, mas porque dirige para o movimento. O que lhe convém, segundo o modo da sua apreensão.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A verdade e o bem incluem-se um no outro. Pois, a verdade é um certo bem, do contrário não seria desejável; e o bem é uma certa verdade, do contrário não seria inteligível. Portanto, assim como objeto do apetite pode ser o verdadeiro, sob o aspecto de bom, como p. ex., quando alguém deseja conhecer a verdade; assim também o objeto do intelecto prático é o bem que se ordena à operação, sob o aspecto de verdadeiro. Pois, o intelecto prático, como o especulativo, conhece a verdade, mas ordenando a verdade conhecida para a operação.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Há muitas diferenças que diversificam as potências sensitivas, e que não diversificam as intelectivas, como já se disse antes (a. 7, ad 2; q. 77, a. 3 ad 4).
(II Sent., dist. XXIV, q. 2, a. 3; De Verit., q. 16, a. 1). O duodécimo discute-se assim. ― Parece que a sindérese é uma potência especial, distinta das outras.
1. ― Pois, as coisas que caem sob uma divisão pertencem ao mesmo gênero. Mas, na Glosa de Jerônimo, a sindérese é dividida por oposição ao irascível, ao concupiscível e ao racional, que são potências. Logo, a sindérese é uma potência.
2. Demais. ― Os opostos são do mesmo gênero. Ora, a sindérese e a sensualidade se opõem, porque aquela sempre inclina para o bem e esta, sempre para o mal, sendo, por isso, representada pela serpente, como se vê em Agostinho. Logo, conclui-se que a sindérese é uma potência, como a sensualidade.
3. Demais. ― Agostinho diz, que para o judicatório natural há certas regras, e sementes das virtudes, verdadeiras e incomutáveis. E a essas chamamos sindérese. Logo, pertencendo às regras incomutáveis, pelas quais julgamos, à razão, na sua parte superior, como diz Agostinho, conclui-se que a sindérese é idêntica à razão. E, assim, é uma potência. Mas, em contrário. ― As potências racionais se referem a termos opostos, segundo o Filósofo. Ora, a sindérese não se refere a tais termos mas inclina somente para o bem. Logo, não é potência; porque se o fosse, tinha que ser potência racional, pois, não se encontra nos brutos.
SOLUÇÃO. ― A sindérese não é potência, mas hábito; embora certos tenham dito que é uma potência mais alta que a razão; e outros, que é a razão mesma, não enquanto razão, mas enquanto natureza. E, para a evidência disto, deve-se considerar que, como já se disse antes (a. 8), o raciocínio do homem, sendo movimento, parte, como de um princípio imóvel da inteligência, de certas noções, naturalmente conhecidas, sem a investigação da razão; e termina também pelo intelecto, enquanto julgamos, pelos princípios naturalmente conhecidos por si mesmos, daquilo que descobrimos raciocinando. Ora, dá-se que, assim como a razão especulativa raciocina sobre as coisas especulativas, assim a razão prática, sobre as operáveis. Logo, é necessário que, não só os princípios das coisas especulativas, mas também o das operáveis, nos sejam naturalmente ínsitos. Ora, os primeiros princípios das coisas especulativas, naturalmente ínsitos, em nós não pertencem a nenhuma potência especial, mas a um hábito especial, chamado intelecto dos princípios, como se vê em Aristóteles. Por onde, também os princípios das coisas operáveis, naturalmente ínsitos em nós, não pertencem a uma potência especial, mas a um hábito natural especial, a que chamamos sindérese. E, por isso, se diz que a sindérese instiga ao bem e murmura contra o mal, enquanto, pelos primeiros princípios, procedemos a descobrir e julgamos do descoberto. Logo, é claro, a sindérese não é uma potência, mas um hábito natural.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Essa divisão de Jerônimo se funda na diversidade dos atos e não na das potências. Pois, atos diversos podem pertencer à mesma potência.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A oposição entre a sensualidade e a sindérese se funda na oposição dos atos; e não que pertençam elas a diversas espécies do mesmo gênero.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Essas regras incomutáveis são os primeiros princípios das coisas operáveis, em relação às quais não é possível errar; e se atribuem à razão como à potência, e a sindérese como ao hábito. Por onde, por uma e outra, a saber, pela razão e pela sindérese, julgamos naturalmente.
(II Sent., dist. XXIV, q. 2, a. 4; De Verit., q. 17, a. 1). O décimo terceiro discute-se assim. ― Parece que a consciência é uma potência.
1. ― Pois, diz Origines, a consciência é o espírito corretor e o pedagogo associado à alma, pelo qual ela foge das coisas más e adere às boas. Mas o espírito, na alma, denomina uma potência: quer a mente mesma, segundo aquilo da Escritura (Ef 4, 23) ― Renovai-vos pois no espírito do vosso entendimento; quer a imaginação, chamando-se, por isso, imaginária a visão espiritual, com se vê Agostinho. Logo, a consciência é uma potência.
2. Demais. ― Só uma potência da alma pode ser sujeito do pecado. Ora, a consciência é sujeito do pecado; pois, a Escritura diz, de certos (Tt 1, 15): acham-se contaminadas tanto a sua mente como a sua consciência. Logo, a consciência é uma potência.
3. Demais. ― A consciência é, necessariamente, ato, hábito ou potência. Ora, não é ato, porque, então, não permaneceria sempre no homem. Nem hábito, porque, então, não seria uma só a consciência, mas muitas; pois somos dirigidos, nas ações, por muitos hábitos cognoscitivos. Logo, a consciência é uma potência. Mas, em contrário. ― A consciência pode se perder; não, porém, a potência. Logo, não é potência.
SOLUÇÃO. ― A consciência, propriamente falando, não é potência, mas ato. O que se evidencia quer em razão do nome, quer pelo que, conforme o uso comum de falar, se atribui à consciência. Segundo, pois, a propriedade do vocábulo, a consciência importa a ordenação da ciência para alguma coisa, porquanto, consciência significa ciência com outra coisa. Ora, a aplicação da ciência a alguma coisa se faz por um ato. Por onde, em virtude dessa noção do nome, é claro que a consciência é um ato. E o mesmo resulta daquilo que se atribui à consciência. Assim, diz-se que ela testifica, liga, instiga e, mesmo, acusa ou remorde ou repreende. E tudo isso resulta da aplicação de algum conhecimento nosso ou ciência nossa aquilo que praticamos. E essa aplicação se faz de três modos. ― Primeiro, quando reconhecemos ter ou não feito alguma coisa, segundo a Escritura (Ecle 7, 23): Porque sabes na tua consciência que também tu muitas vezes tens dito mal de outros. E, neste caso, diz-se que a consciência testifica. ― Segundo, quando pela nossa consciência julgamos dever fazer alguma coisa, ou não. E então, diz-se que a consciência instiga ou liga. ― Terceiro, quando, pela consciência, julgamos que alguma coisa foi bem ou mal feita. E então, diz-se que a consciência excusa, ou acusa ou remorde. Ora, é, claro que tudo isso resulta da aplicação atual da ciência àquilo que praticamos. Por onde, propriamente falando, a consciência denomina o ato. Porém, como o hábito é o princípio do ato, às vezes se atribui o nome de consciência ao hábito primeiro natural, a saber, a sindérese; e é assim que Jerônimo denomina a consciência sindérese; Basílio, judicatório natural; e Damasceno, lei do nosso intelecto. Pois é costume nomear as causas pelos efeitos e vice-versa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Chama-se espírito à consciência, entendendo aquele pela mente, pois é um ditame desta.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Diz-se que há inquinação na consciência, não como num sujeito, mas do modo por que o conhecido está no conhecimento, a saber, enquanto alguém se conhece como inquinado.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― O ato, embora em si não permaneça sempre, permanece, contudo, na sua causa, que é a potência e o hábito. Ora, os hábitos pelos quais a consciência é informada, embora sejam muitos, recebem todos, porém, a eficácia de um hábito primeiro, a saber, o hábito dos primeiros princípios, chamado sindérese. Por onde, tal hábito se chama, por vezes, especialmente, consciência, como se disse acima.