Suma Teológica

Summa Theologiae Quaestiones

Questões

Quaestiones
prima pars Q.94 →

Do estado e da condição do primeiro homem, quanto ao

intelecto. Em seguida devemos tratar do estado ou da condição do primeiro homem. E, primeiro quanto à alma. Segundo, quanto ao corpo. Sobre o primeiro ponto duas questões se discutem. Primeira da condição do homem quanto ao intelecto. Segunda, da condição do homem quanto à vontade. Sobre a primeira questão quatro artigos se discutem:

Art. 1 — Se o primeiro homem via a Deus em essência.

O primeiro discute–se assim. – Parece que o primeiro homem via a Deus em essência.

1. Pois, a beatitude do homem consiste na visão de Deus. Ora, o primeiro homem, vivendo no paraíso, tinha uma vida feliz e rica de todos os bens, como diz Damasceno. E Agostinho: Se os homens tinham os seus afetos, como agora os temos, como eram felizes naquele lugar de inenarrável beatitude, isto é, no paraíso? Logo, o primeiro homem, no paraíso, via a Deus em essência.

2. Demais. – Agostinho diz: ao primeiro homem não faltava nada do que a boa vontade pode alcançar. Ora, nada de melhor pode alcançar a boa vontade do que a visão da divina essência. Logo, o homem via a Deus em essência.

3. Demais. – Pela visão de Deus em essência, vê–se a Deus, sem termo médio e sem enigma. Ora, o homem, no estado de inocência, via a Deus sem termo médio, como diz o Mestre das Sentenças. Também o via sem enigma, porque, como diz Agostinho, o enigma importa obscuridade, e esta foi introduzida pelo pecado. Logo, o homem, no primeiro estado, via a Deus por essência. Mas, em contrário, diz a Escritura: Não primeiro o que é espiritual, senão o que é animal. Ora, o que é espiritual em máximo grau é ver a Deus em essência. Logo, o primeiro homem, no primeiro estado da vida animal, não via a Deus em essência.

SOLUÇÃO. – O primeiro homem não via a Deus em essência, no estado comum da sobredita vida; a menos que não se diga que o visse em rapto, quando infundiu o Senhor Deus um profundo sono a Adão, segundo refere a Escritura. E a razão é que, sendo a divina essência a beatitude mesma, o intelecto de quem vê tal essência está para Deus como qualquer homem está para a beatitude. Ora, é manifesto que nenhum homem pode, voluntariamente, deixar de querer a felicidade; pois, natural e necessariamente o homem a busca, e foge da infelicidade. Por onde ninguém que veja a Deus em essência pode afastarse dele voluntariamente e pecar. Por isso todos os que assim o vêm estão de tal modo consolidados no amor de Deus, que não poderão pecar, eternamente. Ora, como Adão pecou, é claro que não via a Deus em essência. Conhecia–o, todavia, por um certo conhecimento mais elevado que aquele com o qual agora o conhecemos; e assim, de certo modo, o seu conhecimento era intermédio entre o da vida presente e o da pátria, onde se vê a Deus em essência. Para a evidência do que devemos considerar que a visão de Deus, em essência, se divide por oposição com a visão de Deus, por meio da criatura. Ora, quanto mais uma criatura é elevada e semelhante a Deus, tanto mais claramente O vê; assim como um homem vê–se mais perfeitamente no espelho que mais nitidamente lhe reflete a imagem. Por onde é claro que Deus é muito mais eminentemente visto pelos efeitos inteligíveis, do que pelos sensíveis e corpóreos. Ora, na vida presente o homem está privado do conhecimento pleno e lúcido dos efeitos inteligíveis, porque é solicitado pelas coisas sensíveis e a elas se atém. Mas, como diz a Escritura: Deus criou o homem reto, E a retidão do homem criado por Deus consistia em que as coisas inferiores se sujeitassem às superiores, e estas não fossem impedidas por aquelas. Por onde, o primeiro homem não ficava privado, pelas coisas exteriores, da contemplação firme e clara dos efeitos inteligíveis, que percebia pela irradiação da verdade primeira, fosse por conhecimento natural ou gratuito. E, por isso, diz Agostinho: Talvez, Deus antes falasse com os primeiros homens, como agora fala com os anjos, ilustrando–lhes as mentes pela própria verdade incomutável; embora não com tanta participação da divina essência como a de que os anjos são susceptíveis. Assim, pois, por esses efeitos inteligíveis de Deus, conhecia–o mais claramente do que agora conhecemos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O homem era feliz no paraíso, não daquela perfeita beatitude à qual havia de ser transferido, consistente na visão da divina essência; levava, contudo, como diz Agostinho, uma vida feliz, de certo modo, por ter a integridade e uma certa perfeição natural.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Boa é a vontade bem ordenada. Ora, a do primeiro homem não seria ordenada, se, no estado de merecimento, quisesse ter o que lhe estava prometido como prêmio.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Há duplo termo médio. Um, no qual o que por ele é visto o é simultaneamente com ele; assim, quando um homem se vê no espelho vê–se simultaneamente com o próprio espelho. Outro é aquele, pelo conhecimento do qual, chegamos ao conhecimento de algo desconhecido; tal é o termo médio da demonstração. Ora, Deus era visto sem este termo médio; não porém sem primeiro. Pois, não era necessário ao primeiro homem, como o é para nós, chegar ao conhecimento de Deus por uma demonstração deduzida de algum efeito; mas, simultaneamente, com os efeitos, sobretudo com os inteligíveis, conhecia a Deus ao seu modo. – Semelhantemente, devemos notar que a obscuridade que implica o nome de enigma pode ser entendida de duplo modo. Enquanto qualquer criatura é algo de obscuro, comparada com a imensidade do esplendor divino; e então Adão via a Deus em enigma, porque o via pelo efeito criado. De outro modo, pode se entender por obscuridade a que resultou do pecado, pela qual o homem fica privado, pela atração das coisas sensíveis, da consideração dos inteligíveis; e então não via a Deus a não ser em enigma.

Art. 2 — Se Adão, no estado de inocência, via os anjos em essência.

O segundo discute–se assim. – Parece que Adão, no estado de inocência, via os anjos em essência.

1. Pois, diz Gregório: Pois, no paraíso, o homem se acostumara a gozar das palavras de Deus e a conviver com os anjos, pela pureza do coração e celsitude da visão.

2. Demais. – No estado da vida presente, a alma, por estar unida a um corpo corruptível, fica privada do conhecimento das substâncias separadas; e isso a oprime, como diz a Escritura. E, daí vem, segundo já foi dito, que a alma separada pode ver as substâncias separadas. Ora, a alma do primeiro homem não sendo corruptível, não era oprimida pelo corpo. Logo, podia ver as substâncias separadas.

3. Demais. – Uma substância, conhecendose a si mesma, conhece outra, como foi dito. Ora, a alma do primeiro homem conhecia–se a si mesma. Logo, também conhecia as substâncias separadas. Mas, em contrário. – A alma de Adão era da mesma natureza que as nossas. Ora, as nossas não podem inteligir as substâncias separadas. Logo, nem o podia a do primeiro homem.

SOLUÇÃO. – O estado da alma humana pode ser a dupla luz considerado. Primeiro, quanto aos modos diversos da sua existência natural; e então distingue–se o estado da alma separada, do estado da alma unida ao corpo. De outro modo, considera–se o estado da alma quanto à integridade e à corrupção, conservado o mesmo modo de existir natural e então distingue–se o estado de inocência do estado do homem depois do pecado. Ora, a alma do homem, no estado de inocência, bem como agora, era acomodada a um corpo que devia aperfeiçoar e governar. Por isso está dito que o primeiro homem foi feito em alma vivente, isto é, com uma alma que dá ao corpo a vida animal. Mas a integridade dessa vida ele a tinha, por ser o corpo totalmente sujeito à alma, não a empecendo– em nada, como já antes se disse. Ora, é manifesto, pelo que já ficou estabelecido, que, sendo a alma acomodada ao governo e à perfeição do corpo, quanto à vida animal, é próprio à nossa alma o modo de inteligir que consiste em recorrer aos fantasmas. Por onde, este modo de inteligir era próprio também à alma do primeiro homem. Ora, quanto a este modo, há um movimento na alma, como diz Dionísio, de três graus. O primeiro é o pelo qual a alma, partindo das coisas exteriores, concentra–se em si mesma. Pelo segundo, ela sobe a unir–se às virtudes superiores unidas, isto é, aos anjos. Pelo terceiro, ulteriormente, é levada ao bem superior a todas as coisas, isto é, Deus. – Ora, pelo primeiro processo, consistente em partir a alma, das coisas sensíveis, para se concentrar em si, completa–se–lhe o conhecimento. Pois como já se disse antes, a operação intelectual da alma ordenando–se, naturalmente, às coisas exteriores, pode assim pelo conhecimento destas, ser conhecida perfeitamente a nossa operação intelectual, como o ato o é pelo seu objeto. E por essa operação intelectual pode ser perfeitamente conhecido o intelecto humano, como a potência o é pelo próprio ato. No segundo processo, porém não há o conhecimento perfeito, pois, como o anjo não intelige recorrendo aos fantasmas, mas de modo muito mais eminente, como já se viu antes, o referido modo de conhecer, pelo qual a alma se conhece a si mesma, não leva suficientemente ao conhecimento do anjo. E muito menos ainda o terceiro processo termina em conhecimento perfeito, pois, mesmo os próprios anjos, por se conhecerem a si mesmos, não podem alcançar o conhecimento da divina substância, por causa do excedente dela. Assim, pois a alma do primeiro homem não podia certamente ver os anjos em essência. Todavia tinha deles um modo de conhecimento mais excelente que o que temos, pois o seu conhecimento era mais certo e fixo, em relação aos inteligíveis interiores, do que o nosso. E por causa dessa tão grande eminência, diz Gregório que ele convivia com os espíritos dos anjos. Donde resulta a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não por opressão do corpo a alma do primeiro homem era deficiente, na intelecção das substâncias separadas; mas porque o era o seu objeto conatural em relação à excelência das substâncias separadas. Ao passo que nós somos deficientes sob ambos esses aspectos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A alma do primeiro homem não podia, pelo conhecimento de si mesmo, chegar ao das almas separadas, como já se disse antes; porque é ao seu próprio modo que uma substância separada conhece outra.

Art. 3 — Se o primeiro homem tinha ciência de todas as coisas.

O terceiro discute–se assim. – Parece que o primeiro homem não tinha ciência de todas as coisas.

1. – Pois, tal ciência ele a tinha por espécies adquiridas, por conaturais ou infusas. Ora, não por espécies adquiridas, porque o conhecimento por meio delas provém da experiência, como diz Aristóteles; e o primeiro homem ainda não podia ter experiência de todas as coisas. Semelhantemente, nem por espécies conaturais: por ter ele a mesma natureza que nós, e a nossa alma é como uma tábua em que nada esta escrito, como diz Aristóteles. Se era, pois, por espécies infusas, então a ciência que tinha das coisas não era da mesma natureza que a nossa, que haurimos delas.

2. Demais. – Todos os indivíduos da mesma espécie conseguem do mesmo modo a perfeição. Ora, os outros homens não têm ciência de todas as coisas, imediatamente, desde o princípio; mas a adquirem ao seu modo, na sucessão do tempo. Logo, nem Adão, desde que foi formado, teve ciência de todas as coisas.

3. Demais. – O homem foi colocado no estado da vida presente para que a sua alma progrida no conhecimento e no mérito: pois para isso foi a alma unida ao corpo. Ora, o homem naquele primeiro estado progrediria, no mérito; logo, também no conhecimento das coisas. E portanto, não tinha conhecimento de todas. Mas, em contrário, ele, por si mesmo, impôs os nomes aos animais, como diz a Escritura. Ora, os nomes devem convir às naturezas das coisas. Logo, Adão conhecia as naturezas de todos os animais; e pela mesma razão tinha conhecimento de todas as outras coisas.

SOLUÇÃO. – Na ordem natural o perfeito precede o imperfeito, como o ato, a potência; pois o potencial só é atualizado pelo que já é atual. E como as coisas foram, no princípio, instituídas por Deus, não só para existirem em si mesmas, mas para serem os princípios de outras, por isso foram produzidas num estado perfeito, em virtude do qual pudessem ser princípios de outras. Ora, um homem pode ser princípio de outro, não somente pela geração corpórea, mas também pela instrução e pelo governo. E portanto, assim como o primeiro homem foi instituído no estado perfeito, quanto ao corpo, de modo que imediatamente pudesse gerar, assim também o foi quanto à alma, para que imediatamente, pudesse instruir os outros e governar. Ora, como não pode instruir quem não tem ciência, por isso o primeiro homem foi instituído por Deus de modo a ter ciência de todas as coisas em relação às quais deve ser instruído. E estas são todas as que virtualmente existem nos primeiros princípios conhecidos por si mesmos, isto é, todas as que os homens podem naturalmente conhecer. – Mas para o governo da vida própria e o das dos outros é necessário não só o conhecimento das coisas que podem ser naturalmente conhecidas, mas também o das que excedem o conhecimento natural, porque a vida do homem se ordena a um fim sobrenatural; assim, para o governo da nossa vida é necessário conhecer as coisas da fé, Por isso o primeiro homem recebeu o conhecimento das coisas sobrenaturais na medida em que era necessário para o governo da vida humana, de conformidade com aquele primeiro estado. Porém ele não conhecia as outras coisas, que não podem ser conhecidas pelo seu esforço natural nem são necessárias ao governo da vida humana; como são as cogitações dos homens, os futuros contingentes e certos conhecimentos particulares como; por exemplo, quantos seixos jazem num rio e outros semelhantes.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O primeiro homem tinha ciência de todas as coisas, por meio de espécies infusas por Deus. Mas nem por isso a sua ciência era de natureza diversa da natureza da nossa ciência; assim como os olhos, que Cristo deu ao cego de nascença, não eram de natureza diferente da daqueles que a natureza produziu.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Adão, como Primeiro homem, devia ter alguma perfeição que não cabe aos outros homens, segundo resulta do que já foi dito.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Adão, relativamente à ciência das coisas naturais, que se podem conhecer, não progrediria quanto ao número das coisas sabidas, mas quanto ao modo de saber; pois, o que sabia pela inteligência, saberia, depois, pela experiência. Relativamente porém, aos conhecimentos sobrenaturais, progrediria mesmo quanto ao número, por meio de novas revelações; assim como os anjos progridem por novas iluminações. Mas não há símile entre o progresso no mérito e o na ciência, porque um homem não é o princípio do merecimento de outro, como é o da ciência.

Art. 4 — Se o homem, no estado primitivo, podia enganar–se.

O quarto discute–se assim. – Parece que o homem, no estado primitivo, podia enganar–se.

1. – Pois, diz a Escritura: A mulher foi enganada em prevaricação.

2. Demais. – O Mestre das Sentenças diz: a mulher não se horrorizou, com a serpente falante, por ter pensado que esta recebera esse poder de Deus. O que era falso. Logo, a mulher enganouse antes do pecado.

3. Demais. – É natural que quanto mais de longe uma cousa é vista, tanto menos vista é. Ora, a natureza dos olhos não tendo sido afetada pelo pecado, o princípio supra se lhe aplicava, já no estado de inocência. Logo, o homem havia de se enganar relativamente ao tamanho da cousa vista, como agora.

4. Demais. – Agostinho diz, que no sonho, a alma adere à semelhança da cousa, como se fosse a própria cousa. Ora, no estado de inocência, o homem havia de comer e, por conseguinte, de dormir e sonhar. Logo, enganouse quando aderiu às semelhanças, como se estas fossem as coisas.

5. Demais. – O primeiro homem não conhecia como já se disse, as cogitações dos outros homens e os futuros contingentes. Se, pois, alguém lhe dissesse algo de falso, sobre tais coisas ele ter–se–ia enganado. Mas, em contrário, diz Agostinho: Tomar o falso como verdadeiro não é da natureza criada do homem, mas pena de danado.

SOLUÇÃO. – Alguns disseram que, sob o nome de engano duas coisas podem se entender: qualquer opinião irrefletida, pela qual aderimos ao falso, como se fosse verdadeiro, sem o assentimento da crença; e, além dessa, a crença firme. Ora, em relação às coisas das quais Adão tinha ciência, de nenhum dos dois sobreditos modos o homem podia enganar–se, antes do pecado; mas, quanto às coisas de que não tinha conhecimento, podia enganar–se, tomando–se o engano na acepção lata, como opinião qualquer, sem o assentimento da crença. E isto dizem, porque pensa com falsidade, relativamente a tais coisas, não é nocivo ao homem; e, desde que não aderiu, assentindo temerariamente, não há culpa. Mas tal posição não se coaduna com a integridade do primeiro estado. Pois, como diz Agostinho, naquele primeiro estado evitava–se tranquilamente o pecado, permanecendo o que, não era de nenhum modo possível qualquer mal. Ora, é manifesto que, assim como a verdade é o bem do intelecto, assim a falsidade é–lhe o mal, segundo diz Aristóteles. Por onde, não era possível, o intelecto do homem, no estado de inocência, aderir a uma falsidade como se fosse verdade. Pois, assim como nos membros do corpo do primeiro homem havia certa carência de uma perfeição, a saber o esplendor, sem que todavia qualquer mal nele pudesse existir; assim também no intelecto podia haver carência de algum conhecimento sem que nele, de qualquer modo, pudesse existir qualquer opinião falsa. E isto também claramente resulta da retidão mesma do primitivo estado, pela qual, enquanto a alma permanecesse sujeita a Deus, as virtudes inferiores do homem seriam sujeitas às superiores, nem a estas poriam obstáculos aquelas. Ora, sendo manifesto, pelo que já foi dito, que o intelecto é sempre verdadeiro, em relação ao seu objeto próprio, nunca poderá em si mesmo, enganar–se; mas todo engano lhe advém de alguma potência inferior, por exemplo, da fantasia ou outra semelhante. E por isso vemos que quando à faculdade natural de julgar não há nenhum obstáculo, não nos enganamos com tais aparições, mas só quando lhe há obstáculo, como acontece com os que dormem. Por onde é claro, que a retidão do primitivo estado não era compatível com nenhum engano do intelecto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora à sedução da mulher se seguisse o pecado por obra, contudo ela já foi subsequente ao pecado da elação interior. Pois, diz Agostinho: a mulher não teria acreditado nas palavras da serpente, se já não lhe existisse na mente o amor do próprio poder e uma certa soberba presunção de si.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A mulher pensava que a serpente recebera o poder de falar, não da natureza, mas de alguma operação sobrenatural. – Embora não seja necessário seguir, neste ponto, a autoridade do Mestre das Sentenças.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Se fosse representado algo ao sentido ou à fantasia do primeiro homem de modo diferente do da existência natural, nem por isso ele se enganaria porque pela razão discerniria a verdade.

RESPOSTA À QUARTA. – O que acontece em sonho não se imputa ao homem, porque não tem então o uso da razão, ato próprio do homem.

RESPOSTA À QUINTA. – O homem, no estado de inocência, não acreditaria em quem dissesse uma falsidade sobre os contingentes futuros ou as cogitações dos corações; mas acreditaria que tal seria possível, o que não era pensar com falsidade. – Ou se pode dizer que lhe adviria algum socorro divino, para que não se enganasse no tocante às coisas de que não tinha ciência. – Nem vale a instância que certos aduzem, dizendo que, na tentação, não lhe adveio o socorro, para que não se enganasse, embora então dele mais tivesse necessidade; porque já lhe precedera o pecado, na alma, e não recorreu ao auxílio divino.