Suma Teológica

Summa Theologiae Quaestiones

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Quaestiones
prima pars secundae Q.86 →

Da mácula do pecado.

Em seguida devemos tratar da mácula do pecado. E, nesta questão, discutem-se dois artigos:

Art. 1 — Se o pecado causa mácula na alma.

(Infra, q. 89, a. I; IV Sent., dist. XVIII, q. 1, a. 2, qª 1). O primeiro discute-se assim. — Parece que o pecado não causa mácula nenhuma na alma.

1. — Pois, a natureza superior não pode ser contaminada pelo contato da inferior; por isso, o raio solar não se contamina pelo contato com os corpos fétidos, como diz Agostinho. Ora, a alma humana é de natureza muito superior às coisas mutáveis, que busca, pecando. Logo, pelo pecado, não contrai, delas, mácula.

2. Demais. — O pecado está principalmente na vontade, como já se disse (q. 74, a. 1, 2). Ora, a vontade está na razão, como diz Aristóteles; e a razão ou intelecto não se macula por pensar em qualquer objeto, mas ao contrário, se aperfeiçoa. Logo, também a vontade não se macula pelo pecado.

3. Demais. — Se o pecado causa mácula, esta ou é algo de positivo ou é privação pura. Se for algo de positivo, não pode ser senão uma disposição ou hábito, pois nada mais pode ser causado pelo ato. Ora, não é disposição nem hábito; pois pode se dar que, removida a disposição ou o hábito, ainda permaneça a mácula, como o patenteia o caso de quem pecou mortalmente por prodigalidade e depois, pecando mortalmente, adquiriu o hábito do vício oposto. Logo, a mácula não introduz nada de positivo na alma. E nem por outro lado, é privação pura; porque todo pecado resulta do afastamento e da privação da graça; donde se seguiria que todos os pecados haviam de constituir uma só mácula. Logo, a mácula não é efeito do pecado. Mas, em contrário, diz a Escritura (Sr 47, 22): Puseste mácula na tua glória. E (Ef 5, 27): Para a apresentar a si mesmo a Igreja gloriosa, sem mácula nem ruqa. E ambos os lugares se referem à mácula do pecado. Logo, esta é o efeito do pecado.

SOLUÇÃO. — A mácula se atribui, propriamente, ao corpo límpido que perde o lustre pelo contato com outro corpo, como se dá com a roupa, o ouro, a prata e corpos semelhantes. E é por semelhança que havemos de atribuir a mácula aos seres espirituais. Ora, a alma humana tem um duplo lustre: o proveniente da refulgência da luz natural da razão, pela qual se dirige nos seus atos; e o da refulgência da luz divina, i. é, da sabedoria e da graça, que também aperfeiçoa o homem para agir acertada e convenientemente. Ora, há um como tato da alma quando ela adere a um objeto, pelo amor. Por onde, quando peca, adere a um objeto, contra a luz da razão e da lei divina, como do sobredito resulta (q. 71, a. 6). Donde o chamar-se metaforicamente mácula da alma ao detrimento que lhe sofre o lustre, proveniente desse contacto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A alma não se contamina com as coisas inferiores, por virtude delas mesmas, como se nela influíssem. Mas antes e inversamente, a alma é a que se contamina pela sua ação, aderindo a essas coisas, desordenadamente, contra a luz da razão e da lei divina.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A ação do intelecto se aperfeiçoa, por estarem nele, ao seu modo, objetos inteligíveis. Por isso, longe de se contaminar com eles, o intelecto por eles se aperfeiçoa. O ato da vontade porém consiste no movimento para os objetos, de modo que o amor une a alma à coisa amada. E por isso, a alma se macula, quando adere desordenadamente, conforme aquilo da Escritura (Os 9, 10): e se tornaram abomináveis como as coisas que amaram.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A mácula não é nada de positivamente existente na alma, nem exprime só uma privação; mas, significa a privação do lustre da alma relativamente à sua causa, que é o pecado. Por isso pecados diversos produzem máculas diversas. E o mesmo se dá com a sombra, que é privação pela interposição de algum corpo; e conforme a diversidade dos corpos interpostos, assim as sombras se diversificam.

Art. 2 — Se a mácula permanece na alma depois do ato do pecado.

(Infra, q. 87, a. a. 6). O segundo discute-se assim. — Parece que a mácula não permanece na alma depois do ato do pecado.

1. — Pois, nada permanece na alma depois do ato, salvo o hábito ou a disposição. Ora, a mácula não é hábito nem disposição, como já se demonstrou (a. 1, arg. 3). Logo, não permanece na alma depois do ato do pecado.

2. Demais. — A mácula está para o pecado como a sombra, para o corpo, conforme já se disse (a. 1, ad 3). Ora, desaparecido o corpo, não permanece a sombra. Logo, passado o ato do pecado, não permanece a mácula.

2. Demais. — Todo efeito depende da sua causa. Ora, a causa da mácula é o ato do pecado. Logo, removido este, não permanece a mácula na alma. Mas, em contrário, diz a Escritura (Js 22, 17): Acaso parece-vos pouco ter pecado em Belfegor, e que a mácula deste crime ainda até hoje não esteja apagada em vós?

SOLUÇÃO. — A mácula do pecado subsiste na alma, mesmo depois de cessado o ato. E a razão é que a mácula, como já dissemos (a. 1), implica a falta de lustre, pela privação da luz da razão ou da lei divina. Portanto, enquanto o homem ficar fora dessa luz, nele subsiste a mácula do pecado; mas, quando voltar à luz da razão divina, o que se dá pela graça, então cessará a mácula. Embora porém cesse o ato do pecado, pelo qual o homem se afastou da luz da razão ou da lei divina, nem por isso volta imediatamente ao estado anterior; mas, para tal, é necessário um movimento da vontade contrário ao primeiro movimento. Assim como quem se distanciar de outrem, por um movimento, deste não fica próximo, imediatamente com o cessar do movimento, mas é preciso que se aproxime, voltando, por um movimento contrário.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Depois do ato do pecado, nada permanece de positivo na alma, senão a disposição ou o hábito. Permanece contudo algo de privativo, a saber, a privação da união com a luz divina.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Desaparecido o obstáculo corpóreo, o corpo diáfano permanece na mesma proximidade e relação anterior com o corpo que ilumina, e portanto imediatamente desaparece a sombra. Ao passo que, removido o ato do pecado, não permanece a alma na mesma relação com Deus. Portanto, a comparação não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O ato do pecado distancia de Deus; e desse distanciamento resulta a falta de lustre, assim como o movimento é provocado pela distância local. Por onde, assim como, cessando, o movimento local, não fica eliminada a distância local; assim também a mácula não desaparece por haver cessado o ato pecaminoso.