Em seguida devemos tratar do objeto da contrição. Sobre o que seis artigos se discutem:
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que devemos ter contrição não somente das penas, mas também da culpa.
1. ─ Pois, Agostinho diz: Ninguém deseja a vida eterna, que não se penitencie desta vida mortal. Ora, a vida mortal é uma pena. Logo, o penitente deve ter contrição também da pena. Como diz Agostinho, temos dor do que nos sucede contra a vontade. Ora, tal não se dá com os pecados. Logo, a contrição não é a dor dos pecados.
2. Demais. ─ Como se estabeleceu antes, com palavras de Agostinho, o penitente deve condoer-se de se ter privado da virtude. Ora, a privação da virtude é uma pena Logo, a contrição é uma dor também dos pecados. Mas, em contrário. ─ Ninguém tem o de que se condoí. Ora, a penitência, como o nome indica, tem a pena (poenam tenet). Logo, não se condói da pena. E assim, a contrição, que é uma dor penitente, não tem por objeto a pena.
SOLUÇÃO. ─ A contrição implica, como se disse, a trituração de um corpo integro e duro. Ora, essa integridade e dureza existe no mal da culpa, pois, a vontade, causa dela, por ter procedido mal, permanece no que é, nem cede ao preceito da lei. Por isso, a displicência desse mal se chama, por semelhança, contrição. Mas essa semelhança não pode aplicar-se ao mal da pena; pois, a pena significa simplesmente uma diminuição. Por onde, do mal da pena pode haver dor, mas não contrição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A penitência, segundo Agostinho, deve ter por objeto esta vida mortal, não por causa da sua mortalidade mesma, salvo se tomarmos a penitência em sentido lato, para significar qualquer dor. Mas, em razão dos pecados aos quais somos arrastados pela fraqueza desta vida.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A dor pela qual nos arrependemos do pecado, que nos fez perder a virtude, não é, essencialmente a contrição, mas o principio desta. Pois, assim como somos levados a desejar uma coisa pelo bem que dela esperamos, assim a ter dor de um ato, pelo mal dele resultante.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que devemos ter contrição do pecado original
1. ─ Pois, devemos ter contrição do pecado atual, não em virtude do ato, enquanto um certo ser, mas por causa da deformidade; porque um ato, na sua substância, é um bem e procede de Deus. Ora, o pecado original tem a sua deformidade, como o atual. Logo, também dele devemos ter contrição.
2. Demais. - Pelo pecado original o homem se afastou de Deus; pois a sua pena foi ficar privado da visão de Deus. Ora, a todos deve desagradar o ter-se afastado de Deus. Logo, devemos nos desagradar do pecado original. E assim, devemos ter contrição dele. Mas, em contrário. ─ O remédio deve ser proporcionado à doença. Ora, o pecado original foi contraído sem a nossa vontade. Logo, não é necessário nos purifiquemos dele pelo ato de vontade chamado contrição.
SOLUÇÃO. ─ A contrição, como dissemos, é uma dor que respeita e de certo modo tritura a dureza da vontade. Portanto pode recair só sobre os pecados que nascem em nós pela dureza da nossa vontade. E como o pecado original não foi cometido por vontade nossa, mas contraído pela natureza originalmente viciada, por isso não podemos ter contrição dele, propriamente falando, mas uma simples displicência ou dor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A contrição não tem por objeto o pecado em razão da substância do ato somente, porque como tal não tem natureza de mal; nem em razão da deformidade somente, porque a deformidade, em si mesma, não tem natureza de culpa, mas às vezes implica a pena. Devemos porém ter contrição dos pecados, enquanto implica uma deformidade proveniente do ato da vontade. O que não existe no pecado original. Por isso não precisamos ter contrição dele. E o mesmo, devemos responder à segunda objeção. ─ Pois, é da aversão da vontade que devemos ter contrição.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que não devemos ter contrição de todos os pecados atuais que cometemos.
1. ─ Pois, os contrários se curam pelos contrários. Ora, certos pecados, como a acédia e a inveja, se cometem por tristeza. Logo, o remédio deles não deve ser a tristeza da contrição, mas a alegria.
2. Demais. ─ A contrição é um ato da vontade, que não pode recair sobre o que não pode ser objeto do conhecimento. Ora, há certos pecados, tais os esquecidos, que não são objeto do nosso conhecimento. Logo, não podemos ter contrição deles.
3. Demais. ─ Pela contrição voluntária delimos o que voluntariamente cometemos. Ora, a ignorância elimina o vocabulário, como está claro no Filósofo. Logo, não devemos ter contrição do que por ignorância cometemos.
4. Demais. ─ Não devemos ter contrição de um pecado que não pode ser por ela delido. Ora, certos pecados não são de lidos pela contrição, como os veniais, que ainda permanecem depois da graça da contrição. Logo, não devemos ter contrição de todos os pecados passados. Mas, em contrário. ─ A penitência é o remédio contra todos os pecados atuais. Ora, não podemos fazer penitência de pecados de que não podemos ter contrição, por esta ser a primeira parte de aquela. Logo, a contrição deve ser de todos os pecados.
2. Demais. ─ Nenhum pecado pode ser perdoado sem a justificação do pecador. Ora, para a justificação é necessária a contrição, como antes dissemos. Logo, devemos ter contrição de todos os pecados.
SOLUÇÃO. ─ Toda culpa atual procede de a nossa vontade não ceder à lei de Deus, pela transgredir, por omissão ou por agir contra ele. E como duro se chama o que tem uma potência que não cede facilmente ao sofrimento, por isso todo pecado atual implica uma certa dureza de vontade. Por onde, devendo nos curar do pecado, é necessário nos seja perdoado mediante a contrição que o dele.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Como do sobredito resulta, a contrição se opõe ao pecado por proceder este da eleição da vontade, que não segue o império da lei divina; e não pelo que tem o pecado de material, sobre o que recai a eleição da vontade. Ora, a eleição da vontade recai não só sobre os atos das outras potências, das quais ela usa para os seus fins, mas também sobre o ato próprio dela; pois, a vontade quer o seu querer. E assim, a eleição da vontade recai sobre a dor ou tristeza que encerra a inveja e pecados semelhantes, quer essa dor seja sensível, quer seja da vontade mesma. Por isso a dor da contrição se opõe a tais pecados.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ De dois modos podemos nos esquecer de alguma coisa. Ou porque ela se nos deliu totalmente da memória; e então não pode ninguém indagar dela; ou porque se nos deliu da memória parcialmente e parcialmente nela permanece, como quando me recordo em geral de ter ouvido alguma coisa, sem que saiba especialmente o que ouvi, procurando então provocar a memória ao reconhecimento. ─E assim sendo, também qualquer pecado pode ser esquecido, de dois modos, Ou por permanecer na memória em geral, mas não em especial. E então devemos nos esforçar por relembrar o pecado, porque de todo pecado mortal devemos ter contrição atual. Se porém, apesar de toda a diligência aplicada, não nos pudermos lembrar, basta termos contrição do pecado tal como ele se nos apresenta ao conhecimento; e devemos ter dor, não só do pecado, mas também do esquecimento dele, causado da negligência. Se contudo o pecado de todo se nos deliu da memória, então somos escusados do dever por impotência de agir e basta a contrição geral de tudo o por que ofendemos a Deus. Mas desaparecendo essa impotência, como quando à memória voltar o pecado, então, estamos obrigados a ter contrição dele em especial. Seria o mesmo caso do pobre, escusado por não poder pagar o débito, mas contudo obrigado a fazê-lo desde que o possa.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Depois da contrição do pecado mortal, pode permanecer o venial; mas não, depois da contrição deste. Por isso, dos pecados veniais também devemos ter contrição, do mesmo modo por que devemos fazer penitência deles, como dissemos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Depois da contrição do pecado mortal pode permanecer o venial. Mas não após a contrição do venial. Por isso deve haver contrição dos pecados veniais, do mesmo modo que penitência deles, como acima dito.
O quarto discute-se assim. - Parece que devemos ter contrição também dos pecados futuros.
1. ─ Pois, a contrição é um ato do livre arbítrio. Ora, o livre arbítrio se estende mais ao futuro que ao passado; pois, a eleição, ato do livre arbítrio, recai sobre os futuros contingentes, como diz Aristóteles. Logo, a contrição tem por objeto, antes, os pecados futuros que os passados.
2. Demais. ─ O pecado se agrava pelo seu efeito conseqüente. Por isso Jerônimo diz que a pena de Ario ainda não foi determinada, porque ainda é possível haver quem lhe caia na heresia. E o mesmo se dá com quem é julgado homicida se ferir mortalmente, mesmo antes de o ferido morrer. Mas, nesse tempo intermédio deve o pecador ter contrição do pecado. Logo, não só na sua extensão passada, mas também na futura. E assim, a contrição respeita o futuro. Mas, em contrário. ─ A contrição faz parte da penitência. Ora, a penitência sempre respeita o passado. Logo, também a contrição.
SOLUÇÃO. ─ Em todos os motores e móveis ordenados, dá-se que o motor inferior além de seu movimento próprio recebe, de certo modo, o movimento do motor superior; tal o que passa com o movimento dos planetas que, além dos seus movimentos próprios, seguem o movimento do orbe primeiro. Ora, em todas as virtudes morais, o motor é a prudência mesma, chamada auriga das virtudes. Por onde qualquer virtude moral, além do seu movimento próprio, se conjuga com o de prudência. Ora, o seu ato próprio recai sobre o seu objeto próprio, que é o pecado cometido. Por isso, o seu ato principal, a saber, a contrição, respeita especificamente só o pecado pretérito. Mas, por consequência, respeita o pecado futuro, enquanto participa do ato adjunto da prudência. E contudo não se move para esse futuro pela sua essência própria e específica. Por isso, quem tem contrição sente dor do pecado passado e se acautela quanto ao futuro; mas não se diz que o pecado futuro é objeto da contrição, mas antes, da cautela, parte da prudência anexa à contrição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Diz-se que o livre arbítrio respeita os futuros contingentes, enquanto respeita aos atos; mas não por concernir dos objetos dos atos. Por que podemos, com o nosso livre arbítrio, cogitar das coisas passadas e necessárias; contudo, o ato mesmo de pensar, enquanto cai sob o livre arbítrio, é um futuro contingente. E assim, também o ato de contrição é um futuro contingente, enquanto objeto do livre arbítrio; mas o objeto deste também pode ser o passado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Esse efeito consequente, que agrava o pecado, já precedeu em ato, como a causa. Por onde, quando foi cometido, teve a totalidade da sua extensão: e o efeito consequente nada lhe acrescenta essencialmente à culpa. Embora lhe acresça a pena acidental, pois muitos terão razões de sofrer no inferno, pelos muitos males que se lhes seguiram aos pecados. Tal o sentido das palavras de Jerônimo. Por onde não é necessário tenha a contrição outro objeto diferente dos pecados passados.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que devemos ter contrição dos pecados alheios.
1. ─ Pois, ninguém pede perdão a não ser do pecado de que está contrito. Ora, na Escritura se pede perdão dos pecados alheios: Perdoa ao teu servo os alheios. Logo, devemos ter contrição dos pecados alheios.
2. Demais. ─ É dever de caridade amar ao próximo como a si mesmo. Ora, o amor de nós mesmos, nos leva a nos afligir dos nossos males e desejar o que nos é bom. Logo, estando obrigado a desejar ao próximo, como a nós mesmos, o bem da graça, parece que devemos ter, como dos nossos, dor pelos pecados deles. Ora, a contrição não é senão a dor dos pecados. Logo, devemos ter contrição dos pecados alheios. Mas, em contrário. ─ A contrição é um ato da virtude de penitência. Ora, ninguém se penitência senão de atos que praticou. Logo, ninguém pode ter contrição de pecados alheios.
SOLUÇÃO. ─ O que se tritura é o que antes era duro e íntegro. Por onde e necessàriamente, a contrição do pecador deve recair sobre o mesmo que fora, antes, a dureza dele. Assim, não pode haver contrição dos pecados alheios.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O profeta roga lhe sejam perdoados os pecados alheios, enquanto que a convivência dos pecados nos leva a consentir na contaminação da macula pecaminosa. Por isso diz a Escritura: Serás perverso com o perverso.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Devemos ter dor dos pecados alheios. Mas não é preciso termos contrição deles; porque nem toda dor dos pecados passados é contrição, como do sobredito se colhe.
O sexto discute-se assim. ─ Parece que não devemos ter contrição de cada pecado mortal.
1. ─ Pois, o movimento de contrição implica numa justificação instantânea. Ora, num instante não nos podemos lembrar de cada pecado. Logo, não é necessário ter contrição de cada pecado.
2. Demais. ─ A contrição devemo-la ter dos pecados, por nos afastarem eles de Deus; pois, a conversão para a criatura, sem a aversão de Deus, não exige a contrição, Ora, todos os pecados mortais convêm pela aversão. Logo, basta de todo uma só contrição.
3. Demais. ─ Os pecados mortais atuais têm maior conveniência entre si, do que o atual com o original. Ora, um só batismo dele todos os pecados atuais e o original. Logo, uma contrição geral dele todos os pecados mortais. Mas, em contrário. ─ Doenças diversas se curam com remédios diversos; assim, não cura os olhos o que se aplica ao calcanhar, como diz Jerônimo. Ora, a contrição é um remédio particular contra um pecado mortal. Logo não basta ter uma contrição geral de todos os pecados mortais.
2. Demais. ─ A contrição se completa pela confissão. Ora, é necessário confessar cada um dos pecados mortais. Logo, também o é ter contrição de cada um.
SOLUÇÃO. ─ A contrição pode ser considerada a dupla luz: quanto ao seu princípio e quanto ao seu termo. E chamo princípio da contrição o pensar no pecado e ter dor dele, embora não a dor de contrição, mas a de atrição. Quanto ao termo da contrição, é dor referida, já informada pela graça. Ora, relativamente ao seu princípio a contrição deve recair sobre cada um dos pecados que repassamos na memória. Mas, relativamente ao termo, basta seja ela uma contrição geral de todos os pecados; pois, então, esse movimento opera em virtude de todas as disposições precedentes. Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora todos os pecados mortais convenham na aversão, contudo diferem pela causa e pelo modo da aversão e pelo maior afastamento de Deus. E isto segundo a diversidade da conversão.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O batismo age em virtude dos méritos de Cristo, que teve uma virtude infinita para delir todos os pecados; e por isso um só desses méritos basta contra todos os pecados. Mas, na contrição, com o mérito de Cristo é necessário o nosso ato. Por onde, é necessário que ela recaia sobre cada pecado em particular, pois não tem virtude infinita. - Ou devemos responder que o batismo é uma geração espiritual; mas a penitência, quanto à contrição e as outras partes, é uma como cura espiritual a modo de alteração. Pois, é claro que na geração corporal de um ser, resultante de corrupção de outro, pela mesma geração ficam removidos todos os acidentes contrários ao ser gerado, que vieram do ser corrupto; ao passo que na alteração fica removido apenas o acidente contrário ao que é o termo da alteração. E semelhantemente, um só batismo dele simultaneamente todos os pecados, trazendo uma nova vida; enquanto que a penitência não dele todos os pecados, se não recair sobre cada um em particular. Logo, é necessário ter contrição de cada um e confessá-los de per si.