Em seguida devemos tratar do objeto do consentimento. E nesta questão discutem-se dois artigos:
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o consentimento gerador do matrimônio é o consentimento na conjunção carnal.
1. Pois, diz Jerônimo: Aos que fizeram voto de virgindade não somente é condenável casar, mas ainda o querer fazê-lo. Ora, não o seria se não fosse contrário à virgindade, à qual o casamento não se opõe senão por causa da conjunção carnal. Logo, o consentimento da vontade, no casamento, não o é senão à conjunção carnal.
2. Demais. ─ Tudo o lícito, no matrimônio, entre marido e mulher, pode sê-lo também entre irmão e irmã, menos a conjunção carnal. Ora, não podem irmão e irmã licitamente consentir no matrimônio. Logo, o consentimento matrimonial é o consentimento na conjunção carnal.
3. Demais. ─ Se a mulher der ao varão o consentimento assim ─ consinto em casar contigo, com, a condição de não teres relação comigo, não consentiria no matrimônio, porque encontraria a substância mesma desse consentimento matrimonial. Ora, tal não se daria se este não tivesse como objeto a conjunção carnal.
4. Demais. ─ Em todas as coisas a ação inicial corresponde à final. Ora, o matrimônio se consuma pela conjunção carnal. Logo, como se iniciou pelo consentimento, parece que este tem por objeto conjunção carnal. Mas, em contrário. ─ Ninguém, que consinta na conjunção carnal, é virgem de alma e corpo. Ora, S. João Evangelista, depois de ter consentido no casamento, foi virgem de alma e de corpo. Logo, não consentiu na conjunção carnal.
2. Demais. ─ O efeito corresponde à causa. Ora, o consentimento é a causa do matrimônio. Não sendo, pois, a conjunção carnal da essência do matrimônio, resulta, que nem o consentimento, que o causa, tem por objeto a conjunção carnal.
SOLUÇÃO. ─ O consentimento gerador do matrimônio é o que tem por objeto, porque o efeito próprio da vontade e a coisa mesma querida. Por onde, assim está a conjunção carnal para o matrimônio, como o consentimento, que o gera, para essa mesma conjunção. Ora, o matrimônio, como se disse, não é essencialmente a conjunção carnal em si mesma, mas uma associação do homem e da mulher tendo em vista a união carnal, além do mais que por via de consequência lhes resulta, por onde lhes é dado um direito mútuo ao exercício do ato conjugal. Essa associação se chama união conjugal. Por onde é claro que bem pensavam os que disseram que consentir no matrimônio é consentir na conjunção carnal implicitamente, mas não explicitamente. O que só se pode entender como significando, que o eleito implicitamente contido na causa; porque a faculdade da conjunção sexual, em que se consentiu, é a causa da conjunção carnal, como faculdade de usar do que é nosso é a causa do uso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O consentimento no matrimônio, depois do voto de virgindade, é condenável porque esse consentimento da faculdade de praticar um ato ilícito. Assim também pecaria quem desse a outrem o poder de tomar um depósito confiado, e não somente se lhes entregasse o depósito. Quanto ao consentimento da Santíssima Virgem diremos a seguir.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Entre irmão e irmã não pode haver o direito à conjunção carnal, nem esta se pode licitamente realizar. Por onde, a objeção não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essa condição explícita não só ao ato do casamento é oposta, mas também à possibilidade de se realizar a conjunção carnal. E portanto contrária ao casamento.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O matrimônio inicial corresponde ao consumado, como o hábito ou a potência ao ato, que é a operação. Quanto às objeções em contrário, elas mostram que não há consentimento explícito na conjunção carnal. E isso é verdade.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que não pode haver matrimônio quando alguém consente em casar com uma mulher por causa desonesta.
1. Pois, cada coisa tem a sua razão de ser. Ora, o matrimônio é um sacramento. Logo, não pode ser feito com a intenção de outro fim senão de aquele pelo qual foi instituído por Deus, a saber, a procriação da prole.
2. Demais. ─ A união matrimonial vem de Deus, como está claro no Evangelho. O que Deus uniu o homem não separe. Ora, uma união feita com fim desonesto não vem de Deus. Logo, não é matrimônio. 3 . Demais. ─ Os outros sacramentos não são válidos se não se observar o ato da Igreja. Ora, no sacramento do matrimônio a intenção da Igreja não é nenhum fim desonesto. Logo, o matrimônio contraído por uma causa desonesta não será verdadeiro casamento.
4. Demais. ─ Segundo Boécio, o que tende para um bom fim também é bom. Ora, o matrimônio é sempre um bem. Logo, não será matrimônio quando contraído em vista de um mau fim.
5. Demais. ─ O matrimônio significa a união entre Cristo e a Igreja. Ora, não pode haver aí nenhuma desonestidade. Logo, nem o matrimônio pode ser contraído por uma causa desonesta. Mas, em contrário, quem batiza com a intenção de ganhar dinheiro verdadeiramente batiza. Logo, quem contrai matrimônio com uma mulher com essa mesma intenção, contrai um verdadeiro matrimônio.
2. Demais. ─ Isso mesmo o provam os exemplos e as autoridades citadas pelo Mestre.
SOLUÇÃO. ─ A causa final do matrimônio pode ser apreciada a dupla luz: essencial e acidentalmente. Essencialmente, a causa do matrimônio é aquela para qual ele é ordenado; e essa ─ procriar a prole e evitar a fornicação ─ é sempre boa. Quanto à causa acidental, pode ser a que os nubentes tinham em vista quando o contraíram. Ora, o que buscam no matrimônio não pode ser senão o que dele resulta; e além disso, não é a causa a modificada pelos efeitos, mas ao inverso. Por onde, bondade ou a malícia do matrimônio não resultarão do fim acidental, que os cônjuges se propuseram, mas estes é que serão bons ou maus, por terem feito desse fim o fim essencial do casamento. E como as causas acidentais são infinitas, por isso pode haver infinitas causas acidentais no matrimônio, umas honestas e outras desonestas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O princípio alegado é verdadeiro quando se trata de uma causa essencial e principal. Mas o que tem um fim essencial e principal pode ter vários fins secundários essenciais e infinitos acidentais.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A união conjugal pode ser entendida pela relação mesma resultante do matrimônio, a qual é sempre boa e procedente de Deus, seja qual for a sua causa. ─ Ou pelo ato dos que se casam; e então pode ser má e não procedente de Deus, absolutamente falando, nem repugna que um efeito provenha de Deus embora tenha uma causa má, como no caso de filhos adulterinos; pois tal efeito não provém da sua causa como sendo má, mas por ser parcialmente boa, enquanto dependente de Deus; embora dele não proceda, absolutamente falando.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A intenção da Igreja, de ministrar o sacramento, é necessária à validade de qualquer deles, de modo que não havendo intenção, não haverá sacramento. Mas a intenção da Igreja, quando tem em vista a vantagem resultante do sacramento, se refere à exata administração dele e não à sua validade. Por isso, não observadas as formalidades externas, nem por isso deixa ele de ser válido. Mas quem se omitir peca; assim quem, ao administrar o batismo, não tivesse em intenção a purificação da alma, que a Igreja tem em vista. Do mesmo modo, quem tem a intenção de contrair o matrimônio, embora não o ordene ao fim que a Igreja tem em vista, nem por isso deixa de realmente contrai-lo.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O mal intencionado, não é o fim do matrimônio, mas dos contraentes.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Essa união mesma é sinal da união entre Cristo e a Igreja e não obra dos que se unem. Por isso a objeção não colhe.