Que o mar também conceba e dê à luz tuas obras; que as águas produzam répteis dotados de almas vivas. De fato, separando o precioso do vil, vos tornastes a boca de Deus, pela qual ele diz: "Produzam as águas..." não a alma viva, filha da terra, mas répteis dotados de almas vivas, e pássaros que voam sobre a terra. Assim como esses répteis, teus sacramentos, ó meu Deus, deslizaram, graças às obras de teus santos, por entre as ondas das tentações do século para regenerarem os povos com teu nome, em teu batismo.
Então se operaram grandes maravilhas, semelhantes a enormes cetáceos, e as palavras de teus mensageiros percorreram a terra, sob o firmamento de teu Livro, que com tua autoridade deveria proteger seu vôo para onde quer que fossem. Não há língua nem palavras em que não se ouçam suas vozes; seu som espalhou-se por toda a terra, e suas palavras até os confins do mundo, porque tu, Senhor, abençoando-os, os multiplicaste.
Estaria eu mentindo? Ou confundindo a questão, não distinguindo as claras noções das coisas do firmamento das obras corpóreas que se realizam no mar agitado e sob o firmamento? Por certo que não. Há coisas cuja idéia é completa, acabada, que não se multiplicam no curso das gerações, tais como as luzes da sabedoria e da ciência. Mas esses seres são o objeto de operações materiais múltiplas e variadas e, crescendo umas de outras, se multiplicam sob tua benção, meu Deus. É assim que refreias a impertinência de nossos sentidos, dando a uma verdade única o meio de se exprimir de varias maneiras, por movimentos do corpo. Eis que produziram tuas águas, pela onipotência de teu Verbo. Tudo isto se originou das necessidades de povos afastados de tua verdade eterna, por meio do teu Evangelho. De fato foram essas águas que fizeram brotar essas coisas, e sua amargura estagnante foi causa de que teu Verbo as criasse.
Todas tuas obras são belas, mas és indizivelmente mais belo tu, que criaste tudo o que existe. Se Adão não se tivesse separado de ti, em sua queda, de seu seio não teria saído o oceano amargo do gênero humano, com sua profunda curiosidade, seu orgulho cheio de tempestades, suas ondas instáveis. E os dispensadores de tuas palavras não teriam a necessidade de representar, no meio de tantas águas, por meio de sinais físicos e sensíveis, teus atos e palavras místicas. Foi nesse sentido que entendi esses répteis e essas aves. Mas até os homens iniciados nesses sinais e deles imbuídos, não avançariam no conhecimento desses mistérios, aos quais estão sujeitos, se sua alma não se elevasse á vida do espírito, e, após a palavra inicial, não aspirasse à perfeição.