Em seguida devemos tratar do consentimento. E então devemos, primeiro, tratar do consentimento em si mesmo considerado. Segundo, do consentimento conformado por juramento ou pela conjunção carnal. Terceiro do consentimento coato e condicional. Quarto, do objeto do consentimento. Na primeira questão discutem-se cinco artigos:
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o consentimento não é a causa eficiente do matrimônio.
1. Pois, os sacramentos não dependem da vontade humana, mas se fundam numa instituição divina. Ora, o consentimento depende da vontade humana. Logo, não é a causa do matrimônio, como não o é de nenhum dos sacramentos.
2. Demais. ─ Nada não pode ser causa de si mesmo. Ora, o matrimônio parece que outra coisa não é senão o consentimento, pois, é o consentimento mesmo que significa a união de Cristo e da Igreja. Logo, o consentimento não é a causa do matrimônio.
3. Demais. ─ Cada efeito deve ter a sua causa. Ora, o matrimônio consiste numa relação única entre duas pessoas, como se disse. Mas, o consentimento de duas pessoas são diversos, por serem elas diversas e terem objetos diversos; pois, um dos consentimentos é dado ao homem e o outro, à mulher. Logo, o mútuo consentimento não é a causa do matrimônio. Mas, em contrário, diz Crisóstomo: Não é na conjunção carnal que consiste o matrimônio, mas no consentimento da vontade.
2. Demais. ─ Ninguém tem poder sobre o que é de outrem, salvo por consentimento deste. Ora, pelo matrimônio cada cônjuge recebe poder sobre o corpo do outro, como lemos no Apóstolo; pois, antes, cada um podia dispor livremente do seu corpo. Logo, o consentimento produz o matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ Todos os sacramentos produzem um efeito espiritual, mediante a ação material que tem como sinal. Assim, a ablução corporal, no batismo, produz a ablução interior e espiritual. Ora, um efeito do matrimônio, como sacramento é a união espiritual; e a união corporal, enquanto instituição da natureza e da vida civil. Por onde é necessariamente, como auxílio da virtude divina, produzirá o seu efeito espiritual graças ao seu efeito material. Logo, como a união material dos contratos se faz pelo consentimento mútuo, forçoso é que também desse modo se faça a união matrimonial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A causa primeira do sacramento é a virtude divina, que neles obra a salvação. Mas as causas segundas instrumentais são as operações materiais, que tiram a sua eficácia da instituição divina. E assim, o consentimento é a causa do matrimônio.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O matrimônio não consiste no consentimento mesmo, mas na união de duas pessoas em vista de um fim comum. E esse é o efeito do consentimento. Nem, no seu sentido próprio, significa ele a união de Cristo e da Igreja; mas antes, a vontade de Cristo, que quis realizar esta união.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Assim como o matrimônio é uno em virtude do objeto da união, embora múltiplo por parte dos cônjuges, assim também o consentimento é uno por parte do objeto sobre que recai, isto é, a referida união, embora seja múltiplo por parte dos que nele consentiram. Nem o objeto direto do consentimento da mulher é o varão, mas a união; semelhantemente, o objeto do consentimento do varão é a união com a esposa.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que não é necessário ser o consentimento expresso por palavras.
1. Pois, assim como pelo matrimônio o homem se sujeita ao poder alheio, assim também pelo voto. Ora, o voto, mesmo quando não verbalmente expresso, obriga perante Deus. Logo, o consentimento, mesmo sem ser verbal, torna o matrimônio obrigatório.
2. Demais. ─ Podem contrair matrimônio certos, como os mudos ou os que falam línguas diversas, que não podem consentir mutuamente por palavras. Logo, a expressão verbal do consentimento não é necessária para haver matrimônio.
3. Demais. ─ A omissão, por qualquer causa, do necessário à validade do sacramento torna-o não existente. Ora, o matrimônio pode ser válido, mesmo sem a expressão verbal do consentimento, em certos casos; assim quando a donzela se cala por pudor, no momento em que os pais a entregarem ao marido. Logo, a expressão verbal do consentimento não é necessária à validade do matrimônio. Mas, em contrário, o matrimônio é um sacramento. Ora, todo sacramento supõe um sinal sensível. Logo, também o matrimônio. Portanto, o casamento supõe um consentimento dado verbalmente.
2. Demais. ─ No matrimônio realiza-se um contrato entre o homem e a mulher. Ora, em qualquer contrato é necessária a expressão por palavras, pelas quais os contratantes obrigam-se mutuamente. Logo, também no matrimônio é necessário um consentimento verbal.
SOLUÇÃO. ─ Como do sobredito se colhe, a união matrimonial reveste a mesma forma que as obrigações contratuais da vida civil. E como esses contratos não podem fazer-se sem os contratantes manifestarem mutuamente e por meio de palavras a sua vontade, também é necessário que quem faz o contrato matrimonial manifeste o seu consentimento por palavras. De modo que a expressão verbal exerça no matrimônio a mesma função que a ablução exterior no batismo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O voto não implica nenhuma obrigação sacramental, mas só espiritual, Por isso não é necessário, ao contrário do que se dá com o matrimônio que se faça ao modo dos contratos civis, para obrigar.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora esses tais não possam exprimir por palavras o consentimento recíproco, podem contudo fazê-lo por meio de sinais. E estes se consideram como se foram palavras.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Como diz Hugo Vitorino, os que se unem pelo matrimônio hão de consentir de modo que se recebam mútua e espontaneamente; e presume-se que o fizeram se não se opuserem aos desposórios. Por isso, as palavras dos pais se consideram, nesse caso, como pronunciadas pela noiva; desde que não se lhes opõe, dá sinal evidente que as faz suas.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o consentimento expresso sob forma de promessa para o futuro tem como efeito o matrimônio.
1. Pois, assim está o presente para o presente como o futuro para o futuro. Ora, o consentimento por palavras de presente causa imediatamente o casamento. Logo, o consentimento expresso verbalmente para um casamento futuro, tem-no como efeito futuro.
2. Demais. ─ Assim como as palavras que exprimem o consentimento tornam obrigatório o matrimônio, o mesmo também se dá com os outros contratos civis. Ora, nos outros contratos não importa se a obrigação nasce imediatamente depois de o consentimento verbal ser dado, ou se só no futuro. Logo, nem ao matrimônio o importa.
3. Demais. ─ Pelo voto de religião o homem contrai um matrimônio espiritual com Deus. Ora, o voto de religião se faz por palavras que implicam promessa futura, e obriga. Logo e semelhantemente, o matrimônio carnal pode fazer-se por palavras que prometem uma obrigação futura. Mas, em contrário, quem promete casar-se futuramente com uma determinada mulher e depois consente, por palavras de presente, a casar-se com outra, deve, pelo direito, receber como esposa a última. Ora, tal não se daria se a promessa consecutiva de um casamento futuro causasse o matrimônio ; pois, desde que o matrimônio foi contraído com uma, não pode, durante a vida dela, ser contraído com outra. Logo, o consentimento numa promessa de casamento futuro não causa o matrimônio.
2. Demais. - Quem promete que fará alguma coisa ainda não o fez. Ora, quem verbalmente consente numa promessa de casamento futuro, promete contrair casamento com uma determinada mulher. Logo, é que ainda com ela não o contraiu.
SOLUÇÃO. ─ Os sacramentos, como causas, são sinais eficazes: por isso realmente causam o que significam. Ora, quem exprime o seu consentimento verbalmente de realizar no futuro um casamento, não significa com isso que contrai o matrimônio, mas sim que há de contraí-lo. Por isso, tal expressão do consentimento não causa o matrimônio, mas só a sua promessa, que se chama esponsais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Quando o consentimento se exprime por palavras de presente, tanto as palavras se pronunciam, no presente, como o consentimento é dado para o mesmo tempo presente, mas quando se consente verbalmente num compromisso futuro, as palavras se pronunciam, no presente, mas o consentimento se refere ao futuro. Logo, não coincidem os tempos, E portanto o símile não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Mesmo nos outros contratos, falando do futuro não transmitimos a outrem nenhum direito sobre o que é nosso como se dissermos ─ Eu te darei; mas só quando falamos no tempo presente.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ No voto de profissão, o ato do casamento espiritual é expresso por palavras, que exprimem uma realização futura, a saber, a obediência ou a observância da regra; e não o matrimônio mesmo espiritual. Se porém o voto for de um casamento espiritual futuro, não existirá tal matrimônio; porque quem o fez não fica sendo monge por isso, mas promete apenas que o será no futuro.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que o consentimento, mesmo expresso por palavras de presente, produz o matrimônio embora falte o consentimento interior.
1. Pois, o direito proíbe que se tire proveito da fraude e do dono. Ora, quem exprime verbalmente um consentimento, que não tem a intenção de dar, pratica o dolo. Logo, não pode valer-se disso para fugir à obrigação de casar.
2. Demais. ─ O nosso consentimento mental de ninguém pode ser conhecido, senão se o exprimirmos verbalmente. Se, pois, á expressão verbal não basta, sendo além dela necessário o consentimento anterior de cada cônjuge, então nenhum deles poderá saber com certeza se esta verdadeiramente casado. Portanto, praticará a fornicação todas as vezes que usar do matrimônio. 3 . Demais. ─ Provando-se de alguém, que consentiu em se casar com uma mulher, por palavras de presente, ficará obrigado, sob pena de sentença de excomunhão, a tê-la como esposa, embora alegue falta de consentimento interior; ainda se depois tiver dado o seu consentimento mental expresso verbalmente, de se casar com outra. Ora, tal não se daria se para haver matrimônio fosse necessário o consentimento mental. Logo, não é necessário. Mas, em contrário, determina Inocêncio III numa decretal, referindo-se a este caso: sem o consentimento, tudo o mais não vale nada para estabelecer o vínculo conjugal.
2. Demais. ─ Todos os sacramento supõem a intenção de os receber. Ora, quem mentalmente não consente não tem a intenção de contrair matrimônio. Logo, sem esse consentimento não existe o matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ Assim está a solução exterior para o batismo, como a expressão das palavras para este sacramento. Ora, quem se submetesse à ablução exterior, sem a intenção de receber o sacramento, procederia irrisória e dolosamente e não ficaria batizado. Do mesmo modo, pronunciar apenas as palavras, que exprimem o consentimento, sem o dar interiormente, não produz o liame matrimonial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ No caso proposto devemos distinguir duas coisas. A falta de consentimento, que aproveita no foro da consciência, para o efeito de o eximir-se ao vínculo matrimonial, embora não se aproveite no foro eclesiástico, onde se julga de acordo com o alegado. E o dolo verbal, que não lhe aproveita nem no foro da consciência nem no eclesiástico, pois em ambos será punido.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Faltando o consentimento interno por parte de um, não haverá matrimônio de lado a lado, pois este consiste na união mútua, somo dissemos. Contudo, podemos crer com probabilidade, que não houve dolo, antes de se este manifestar por sinais evidentes. Pois, de todos devemos presumir o bem, até prova em contrário. Por onde, a parte não culpada de dolo fica, por ignorância, escusada do pecado.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nesse caso, a Igreja o compelirá a ficar com a primeira esposa, pois o tribunal eclesiástico julga pelo que exteriormente se manifesta. Nem se engana em matéria de justiça e de direito, embora possa enganar-se quanto ao fato. Mas o marido deve, antes, sofrer a excomunhão, que retomar a primeira mulher, ou então fugir para uma região longínqua.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que o consentimento dado às ocultas por palavras de presente não dá lugar ao matrimônio.
1. Pois, uma coisa não pode ser transferida das mãos do seu dono para outrem, senão com o consentimento daquele. Ora, uma donzela está sob o poder do pai. Logo, não pode pelo casamento passar para o poder do marido senão com o consentimento do pai. Portanto, se o consentimento foi dado às ocultas, mesmo expresso por palavras de presente, não haverá matrimônio.
2. Demais. ─ Tanto no matrimônio como na penitência, o nosso ato ir exigido pela essência mesma do matrimônio. Ora; o sacramento da penitência requer a intervenção dos ministros da Igreja, dispensa dores dos salvamentos. Logo, nem o matrimônio pode ser celebrado às ocultas, sem a bênção sacerdotal.
3. Demais. ─ O batismo, que pode ser ministrado tanto às ocultas como em público, a Igreja não proíbe que o seja às ocultas. Ora, a Igreja proíbe os matrimônios clandestinos, Logo, não podem fazer-se às ocultas.
4. Demais. ─ Parentes em segundo grau não podem contrair matrimônio, porque a Igreja o proíbe. Ora, a Igreja também proíbe os matrimônios clandestinos. Logo, não podem ser estes verdadeiros matrimônios. Mas, em contrário. ─ Posta a causa, segue-se o efeito. Ora, a causa do matrimônio é o consentimento. Logo, quer em público, quer às ocultas, o matrimônio é valido.
2. Demais. ─ Todo sacramento é valido desde que foi ministrado com a matéria e a forma devidas. Ora, mesmo quando celebrado às ocultas o matrimônio tem a sua matéria própria, que são as pessoas capazes de o contrair; e a forma devida, que são as palavras de presente, expressivas do consentimento. Logo, tal casamento verdadeiramente o é.
SOLUÇÃO. ─ Os outros sacramentos requerem, em essência, certos elementos sem os quais não existem; e certas solenidades, sem as quais contudo o sacramento é válido, embora peque aquele que as omitiu. Assim também, o consentimento expresso por palavras de presente, entre pessoas idôneas para contrair o matrimônio, têem-no realmente por feito, porque essas duas são condições essenciais à validade desse sacramento. O mais constitui apenas solenidades dele, acrescentadas para que se celebre mais convenientemente. Por isso, embora omitidas, o matrimônio é verdadeiro, não obstante pecarem os que assim o contraírem; salvo havendo a escusa de uma causa legítima.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A donzela não está em poder do pai como escrava, de modo a não poder dispor do seu corpo, mas para, como filha, receber educação. Logo, como livre que é, pode entregar-se ao poder de outrem, sem o consentimento paterno. Assim como também qualquer moça ou moço pode sendo pessoa livre, entrar em religião, sem o consentimento dos pais.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora o nosso ato seja da essência do sacramento da penitência, não basta contudo para produzir a absolvição dos pecados, efeito próximo desse sacramento. Por isso, é necessária a intervenção do sacerdote, para a perfeição do sacramento. Ora, no matrimônio os nossos atos são suficientes para produzir o liame matrimonial, efeito próximo do sacramento. Pois, quem pode dispor de si pode obrigar-se para com outrem. Por isso a bênção do sacerdote não é da essência do sacramento.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Também é proibido receber-se o batismo de outrem que não o sacerdote, salvo em artigo de necessidade. Ora, o matrimônio não é um sacramento de necessidade para a salvação. Logo, não há semelhança de razões. ─ Quanto aos matrimônios clandestinos, são proibidos pelos perigos que daí costumam resultar. Pois frequentemente há neles fraude de uma das partes. Frequentemente também os contraentes passam a outras núpcias, arrependidos do que fizeram sem reflexão. E muitos outros males ainda sobrevêm, além de terem algo de repugnante.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Os matrimônios clandestinos não são proibidos, por encontrarem o que é da essência do matrimônio, como o são os de pessoas inidôneas, matéria imprópria deste sacramento. Logo, não há símile.